Ao
longo da noite de 3 para 4 de Junho de 1989, os tanques do Exército Popular
da Libertação entraram nas ruas de Pequim para esmagar brutalmente a liberdade,
retirar à lei da bala os milhares de manifestantes que ocupavam a praça
Tiananmen e impor o Estado de excepção.
Hoje,
à luz do que está a acontecer em Hong Kong, e face ao ultimato de Leung
Chun-ying, líder do Governo, que fixou a data de 6 de Outubro para
acabar com os actuais protestos, a pergunta é inevitável: mais de 25 anos depois é
possível repetir o massacre de Tiananmen?
A
hipótese de uma resposta positiva ser plausível e credível, agora ou no futuro próximo, é revelador da
actual ordem mundial.
As
imagens que correram o mundo na madrugada do dia 4 de Junho de 1989, com soldados chineses a
abrir caminho em direção à "Praça da Paz Celestial" com tanques e disparos,
provocando a morte de centenas de pessoas, marcaram a memória de várias
gerações, mas podem não ter sido suficientes para evitar a sua repetição, pois
logo o pragmatismo imposto pelos Estados e pela alta finança se vergaram aos
interesses da China.
Hoje,
à luz do que se está a passar em vários bairros de Hong Kong, designadamente em
"Admiralty", o centro financeiro do território e onde está a sede do
governo, onde se grita «Paz. Não à violência», os milhares de manifestantes
estão à mercê de mais uma iminente repressão brutal, com consequências
imprevisíveis, porque cada um deles sabe que a resposta internacional não
passará de uma mera condenação retórica e inconsequente.
Tal
como em Tiananmen, com o Movimento Pró-Democracia de 1989, hoje, os
manifestantes de Hong Kong voltam a clamar por mais transparência e por mais combate
contra a corrupção.
No dia em que Portugal comemora o 5 de Outubro,
a realidade do que se passa do outro lado do mundo – com Macau a continuar a dar
provas de inexistência cívica –, ganha uma expressão ainda maior, tendo em
conta o silêncio indigno da nossa diplomacia, quiçá justificado pela crescente
presença dos interesses financeiros chineses em Portugal.
Quem permite o branqueamento do passado, verga em
relação ao dinheiro manchado pelo sangue e não tem respeito pela História,
então tem razão para temer o futuro, seja qual for a sua condição e os
seus representantes políticos.
Em 1997, a transição do poder em Hong Kong –
mesmo ali ao lado de Macau, sempre submisso e sereno em troca de mais umas
patacas – ficou marcada pela manifestação de milhares de habitantes de Hong
Kong que abraçaram, literalmente, a sua Assembleia Legislativa, perante a
ameaça da ocupação das tropas chinesas.
Quem assistiu in loco a esse momento histórico de cidadania e consciência
colectiva ímpares não pode ficar indiferente aos acontecimentos que estão a suceder
mesmo em frente dos olhos de todos os cidadãos do mundo, que podem seguir em tempo real a todos
os desenvolvimentos.
Decorrido um quarto de século, os vectores
civilizacionais não foram suficientemente consolidados para afastar a
possibilidade de uma nova vaga de assassinatos de civis indefesos.
Porém, o Estado, seja ele qual for, ainda não pode
clamar vitória sobre o esmagamento das liberdades individuais. Nem em Hong
Kong, nem em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo.
A magnífica iniciativa da Fundação Francisco
Manuel dos Santos, que colocou o país e as elites a discutir a Liberdade, é a
melhor prova de que muito ainda há para fazer também por cá, pois a nossa Democracia
não pode continuar refém dos seus fundadores nem depende de um salvador mais ou
menos aclamado.
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