sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

António Costa: entre o folclore e o abafamento


Quando um génio desaparece apercebemo-nos ainda mais facilmente como a trivialidade impera nos tempos em que vivemos.

Não, não é só o elogio sincero a David Bowie. Nem tão pouco o evocar da memória daquele memorável dia de Junho de 1983 no seizième de Paris, no hipódromo de Auteuil, em pleno Bosque de Boulogne. É sobretudo a constatação que o filme continua a passar mesmo à nossa frente: dissimulado, manso e perigoso.

O guião agrada aos notáveis da República e aos seus criados de luxo, sempre disponíveis para atacar a forma em vez da substância para fugir às responsabilidades, sempre diligentes em apontar o dedo ao acessório para melhor justificar a ausência do escrutínio do fundamental.

Ao mesmo tempo, cresce a tristeza estampada na cara dos portugueses, cada vez mais alheados das instituições e do poder político, como comprova a indiferença em relação à campanha eleitoral para escolher o 20º presidente da República.

Os "tugas", ainda mais pobres, já não se manifestam, nem lêem jornais, cada vez mais condenados ao folclore governamental de uma espécie de tempo novo e a uma informação cada vez menos livre que os entretêm.

E o rei vai nu há demasiado tempo, mas os palacianos ameaçados continuam a apontar a quem resiste, criando uma banda sonora sinistra que acompanha o filme que continua a passar descaradamente mesmo à nossa frente.

Assim, actualmente, até parece verosímil que as revelações que ocorrem durante o julgamento de um ex-espião, que têm permitido atestar as maiores ilegalidades no funcionamento dos serviços de informações, sejam menosprezadas face a um qualquer fait divers, por exemplo a deliciosa dúvida do candidato presidencial sobre se está a trincar um pastel de nata ou de Belém.

E até parece normal que o chefe dos serviços de informações, Júlio Pereira, continue em funções depois de tudo o que tem sido confirmado sobre a barafunda no Sistema de Informações da República Portuguesa, apesar da avassaladora onda de terrorismo.

Face ao penoso silêncio de chumbo do primeiro-ministro, António Costa, será que os candidatos presidenciais nada têm (tinham) a dizer sobre este escândalo, cujos principais contornos continuam a ser atirados para debaixo do tapete?

Eis um assunto de Estado, mais um, que também deveria merecer (não mereceu!) a maior atenção de quem se considera apto para ocupar a Presidência da República e, já agora, um exame mais atento da parte dos deputados, designadamente os do Bloco e os do PCP que, agora, sustentam o governo de António Costa, mas que no passado nunca se furtaram a exigir explicações.

É que Júlio Pereira foi nomeado em Abril de 2005 pelo governo liderado por José Sócrates, em que António Costa, enquanto número dois, desempenhou as funções de ministro de Estado e da Administração Interna.

Só a dissimulação em que estamos constantemente afundados permite que continuemos a viver na mais delirante ilusão, seja ela financeira, económica ou até de respeito pelas mais sagradas liberdades individuais.

Mas ainda mais grave é que nem mesmo quando é confirmado e reconfirmado o inimaginável, em curtos momentos de águas agitadas, se aprende com os erros do passado, pois logo regressa o abafamento politicamente cobarde para melhor poder manipular, defender interesses inconfessáveis, acertar as contas e até matar o mensageiro que ousa enfrentar, aberta e frontalmente, o abuso de poder e a corrupção que têm condenado os portugueses a uma vida de miséria.

No dia 24 de Janeiro, há (houve) uma nova oportunidade para escolher.

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