Não há memória de tanta e tanta declaração e entrevista do presidente da República e do primeiro-ministro num tão curto espaço de tempo.
O tempo mediático virou um desfile de personalidades e um repositório duvidoso sem a mínima fiabilidade e o correspondente escrutínio.
É certo que o momento é exigente, mas mais do que fazer política, de lugares-comuns e de chavões gastos, que estão a revelar um gigantesco desnorte, urgia antecipar, falar verdade e demonstrar competência para enfrentar a pandemia e preparar o futuro.
A torrente de palavras e mais palavras, de fanfarronices e de contradicções só podem gerar estupefacção e, sobretudo, mais razões para uma crescente preocupação.
A falta de credibilidade é tanta que a generalidade dos portugueses anteciparam as medidas que o poder foi incapaz de levar por diante no momento certo e razoável, deixando um rasto de mortes que tudo indica poderiam ter sido evitadas.
Foi assim com a interdição de voar, confinamento, equipamentos de protecção individual, necessidade de isolamento à mínima suspeita do vírus e recurso às urgências hospitalares.
A propaganda em curso, desde os registos do COVID2019 até à ilusão dos apoios à economia, chega a ser chocante, revoltante e até repugnante.
O mais extraordinário é que assistimos, diariamente, a uma comunicação social em posição agachada, emergindo uma série de "estrelas" que tudo permitem e que abraçaram um campeonato invulgar de quem mais faz chorar as pedras da calçada.
Até já é possível reescrever a história, deixando para trás anos de endividamento público, de gigantescos problemas no SNS e de um crescimento económico medíocre numa conjuntura excepcionalmente favorável.
Lemos, ouvimos e vemos a desinformação grotesca através das mais absurdas teses, fantasias e promessas, tudo para "salvar" o poder político que bolina sem direcção.
O day after não vai perdoar a quem andou mais preocupado com comemorações, elogios, homenagens, cantatas e palmas e mais palmas do que em respeitar e cumprir o seu sagrado compromisso de governar, de alertar e de informar com rigor e verdade.
No momento certo, a realização de um Livro Branco sobre a pandemia é o mínimo para ressarcir quem ficou às mãos desta gente à solta.
E que não haja dúvidas: quando chegarem os dias negros de contar o verdadeiro número de mortos e de enumerar as consequências da devastação económica e financeira, então vai ser um ai quem me acuda.
E, no momento do balanço, em que a propaganda vem abaixo, vamos todos compreender melhor como desperdiçámos tanto tempo a enganar-nos uns aos outros e, ainda mais grave, a enganármo-nos a nós próprios.