segunda-feira, 27 de julho de 2020

PANDEMIA: "BOMBAS" AO RETARDADOR



Continuamos a sorrir ainda que sabendo que em todo o mundo morreram 52 milhões de pessoas de fome ou de doenças causadas pela fome em 2019.

Hoje, ninguém se atreverá a adiantar como acabaremos em 2020 e nos anos seguintes.

Certeza só há uma: para mantermos o way of life, os governantes não podem continuar cinicamente a fazer de conta que não conhecem as condições de vida dos mais pobres e dos trabalhadores imigrantes.

É que a propagação, já de si exponencial, é ainda mais agravada entre todos aqueles que vivem em condições infra-humanas, económicas e sociais.

Já não basta viver num país rico ou num condomínio fechado, tentando esconder uma realidade que, afinal, todos conhecem e ignoram.

A existência de barracas, de exploração desumana e de exclusão associados a um sistema de saúde obsoleto e a transportes públicos medíocres deixaram de ser admissíveis porque não fazem parte de uma equação de futuro com esta ou uma qualquer outra pandemia.

Os governantes, sempre ao serviço de clientelas e dos mais poderosos, obviamente com um sorriso estampado e o discurso pio com os mais desvalidos, têm de passar a olhar para as desigualdades com olhos de ver.

Afinal, regalar os olhos com as luzes de Hollywood, estender a toalha na praia de Copacabana ou fazer de conta que Portugal é o litoral do turismo já não é mais possível e seguro, pois os surtos explodem em todas as latitudes onde impera a miséria.

Os 70 milhões de americanos a viver em condições de pobreza, os 11,4 milhões de brasileiros distribuídos por 6.329 favelas e ainda o facto de os imigrantes serem as principais vítimas (23,4% dos imigrantes infectados na região de Lisboa) exigem respostas prontas e eficazes.

A acefalia e o egoísmo generalizados, nutridos por uma globalização selvagem assente num consumismo desenfreado, têm os dias contados, pois ninguém admite viver durante muito tempo com máscara e medo.

E se a resposta tem de partir de cada país, também é verdade que a actual globalização não pode conviver com esta franja de potenciais "bombas" ao retardador.

Num contexto de pandemia, a "maioria", a tal que da Esquerda à Direita vive confortavelmente, não pode continuar a manter o seu status de vida com a actual realidade da "minoria" de pobres e imigrantes.

Num país que há séculos insiste em construir a casa pelo telhado, a chuva de milhões e milhões que vem da Europa é uma oportunidade única para reconstruir Portugal sobre pilares sólidos, a partir das infraestruturas básicas, da saúde, da educação e do combate à exclusão.

Os cenários macroeconómicos e os mega projectos já não são suficientes para manter um mundo de ilusões.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

PERDIDOS NO LABIRINTO DE CONTRADIÇÕES


É cada vez mais evidente a geometria variável da governação.

O que é hoje verdade, amanhã é mentira, correndo o risco de voltar a ser verdade no dia a seguir e assim sucessivamente.

É tão assim em relação à pandemia, como aos princípios que orientam o regime democrático.

O discurso "pragmático" de António Costa em relação a Viktor Orbán até pode fazer sorrir alguns, mas envergonha um país inteiro.

E, para selar o impasse, só faltava mesmo o próprio líder do maior partido de oposição também estar de acordo que os tempos não são para exigência e respeito pelo Estado de Direito.

A "confissão" do primeiro-ministro revela um padrão de governação que nos tem atirado para um beco sem saída, pontualmente resolvido pelo Norte de uma União Europeia farta da pedinchice, corrupção e impunidade que têm minado os países do Sul.

Afinal, tudo se resume à flexibilidade da coluna vertebral, enfim, à geometria variável.

Vitória! – gritam eles –, quando chover mais um pouco de dinheiro.

Para trás, a governação e o discurso político erráticos que só podem dar origem a comportamentos diversos, casuísticos e oportunistas.

Aliás, não é por acaso que Marcelo Rebelo de Sousa ocupa a cadeira de Belém...

Não admira, portanto, que António Costa se aproxime do discurso de Bolsonaro e Trump  – temos mais casos Covid porque fazemos mais testes ou ainda a economia não pode parar.

Não há problema: fazemos de conta também que o Estado zela melhor pela nossa Saúde do que nós próprios.

Entretanto, existem milhares de portugueses sem opção nem protecção, pois têm de trabalhar para poder comer, correndo o risco de contrair o vírus apenas porque têm de utilizar os transportes públicos.

Mas há sempre uma solução criativa à medida: arregimentar um qualquer cientista ao serviço para demonstrar, com um estudo mal amanhado, que não há prova científica da relação propagação/transportes apinhados.

Também é assim em relação a tudo o resto, desde a Saúde ao SNS, desde a Justiça aos tribunais, desde a Educação às escolas, desde a Economia aos grandes projectos...

O recurso à geometria variável, com a Constituição na gaveta e tocando a bola em frente, é apenas o déjà vu, mais do mesmo.

Assim, de fait divers em "narrativa", lá vamos ignorando eleições e propostas, desconfiando dos políticos e regime democrático, empobrecendo cada vez mais, rumo a mais e mais miséria.

Perante a maior crise de sempre, a solução está sempre na geometria variável, sempre nas mãos dos outros.

O país e os portugueses continuam perdidos no seu próprio labirinto de contradições.