sábado, 20 de abril de 2013

Consenso ou regresso ao passado?



A credibilidade de governantes e políticos diminui à medida que a sociedade agoniza. Entretanto, a palavra crescimento voltou a ocupar o espaço mediático, como se fosse simples resolver todos os problemas acumulados ao longo de décadas.

No momento em que encalhámos na sétima avaliação da troika, vale a pena tentar perceber o que esconde esta quimera que une os incautos, os oportunistas e os demagogos.

É preciso olhar para o passado: o crescimento do PIB foi sempre inferior a 3% nos últimos doze anos, tendo registado um enorme tombo a partir de 2008. A relevância destes números tem um significado muito importante porque as bateladas de dinheiro da União Europeia facilitaram a tentativa de alavancagem da economia através do investimento público.

Durante este período, em que todos os desvarios foram permitidos, alguns dos quais deveriam ser tratados como meros casos de polícia, a dívida pública dobrou, tendo começado a atingir limites obscenos a partir de 2005.

Estes indicadores revelam uma conclusão indesmentível: o crescimento à custa do investimento público desenfreado e de mais e mais endividamento não passa de uma aventura criminosa, que, aliás, nos conduziu à actual situação.

Também importa observar quem ganhou mais com esta andança frenética de despejar milhões e milhões sobre a economia. A resposta está à vista de todos: uma meia dúzia de grupos económicos engordaram à mesa do orçamento, alimentando um sector financeiro imprudente e capaz de tudo para aumentar os dividendos, sem que as PME's tenham sido devidamente apoiadas.

É preciso denunciar que o rei vai nu, no momento em que o governo prepara com uma mão mais cortes e com a outra mão uma espécie de plano de crescimento económico.

Não é suficiente diabolizar a troika. Também não basta fazer meia dúzia de investimentos faraónicos para alterar alguns agregados económicos e financeiros. Em síntese: já não basta brincar com as estatísticas para esconder as teias de corrupção que sustentam os mesmos de sempre.

É preciso dizer que não há soluções instantâneas e milagrosas, neste momento crucial do país. Para sair dos cuidados intensivos, temos de exigir o que devia ter sido feito desde o primeiro momento em que Pedro Passos Coelho assumiu a liderança do XIX governo constitucional: acabar com os privilégios, domesticar o sector financeiro e os grupos económicos e obrigar a governação a adoptar um comportamento transparente, responsável e democrático.

Os três pilares da solução estão diagnosticados há décadas. Só falta vontade política para os implementar. Não em um, dois ou três anos, não à custa de sacrifícios incompreensíveis de apenas uma geração, mas com tempo, competência e a força de um caminho seguro. Tudo o resto é conversa fiada, paleio de corrupto que quer ser tratado com o respeito que não merece.

A questão não é moral ou doutrinal como continuam a propalar alguns cínicos que só se lembraram da defesa do Estado Social quando saíram do poder.

No momento em que o Governo se prepara para anunciar novas medidas, é preciso afirmar que o crescimento nem se alcança com facilitismos, nem com doses de austeridade cavalares, que colocam um povo inteiro à beira do colapso.

Para almejar sair do buraco para onde os portugueses foram atirados, por meliantes sem um pingo de vergonha, é preciso aprender com os erros do passado e, sobretudo, resistir aos cantos das sereias, estejam elas à vista ou com um pé sempre atrás da moita. 

sábado, 6 de abril de 2013

António José Seguro: encontro com a história



O líder socialista conseguiu.

O caminho percorrido permitiu-lhe atingir cinco objectivos: a liquidação da credibilidade do governo; a fragilização da autoridade do primeiro-ministro; a pacificação do seio do PS; a redução dos seus rivais a comentadores televisivos; e a abertura da porta a um novo governo socialista.

Fruto da sua longa experiência partidária, Seguro conseguiu demonstrar a falta de credibilidade da equipa governamental, ora dando-lhe a mão no início, ora cobrando os insucessos gritantes no momento certo.

Com uma estratégia ousada, cavalgando divisões e sucessivos erros da maioria, Seguro conseguiu fragilizar a imagem de Pedro Passos Coelho e apresentar uma moção de censura no momento em que este perdeu o seu braço-direito.

Com uma habilidade notável, Seguro conseguiu pacificar o partido despedaçado por alguns dos responsáveis pelo desastre que obrigou o país a pedir assistência externa, esvaziando progressivamente quem ainda não aceitou a derrota de 2011.

Com uma ponta de calculismo, Seguro conseguiu acantonar os seus principais rivais nas cadeiras de comentadores das estações de televisão, colocando-os na obrigação de lhe dar cobertura política.

Chegados aqui, é preciso sublinhar que, para já, erraram todos aqueles que lhe vaticinaram um papel de transição. Aliás, ninguém conseguiu adivinhar que, passados dois anos da substituição do pior governo socialista de sempre, António José Seguro conseguisse a proeza de estar à beira de chegar a primeiro-ministro.

O sucesso é inegável, mas ainda falta o sprint final.

António José Seguro pode ser um dos candidatos a primeiro-ministro mais preparados de sempre, mas ainda tem de provar que reúne todas as condições para assumir uma tarefa tão hercúlea. Para isso, tem de aproveitar o caminho aberto de par em par, apresentando as linhas-mestras de um projecto alternativo. E mais: tem de começar a revelar os nomes da equipa que vai liderar, de forma a convencer os portugueses que o mais recente equívoco chamado Pedro Passos Coelho não voltará a ser repetido.

Nos próximos tempos, dois factores vão ser decisivos: por um lado, a demissão de Miguel Relvas vai obrigar a uma clarificação sobre a real capacidade do primeiro-ministro para continuar a liderar o governo; por outro, a decisão histórica do Tribunal Constitucional vai acelerar o jogo político de tal forma que já todos admitem o desfecho há muito anunciado: a queda do XIX governo constitucional.

Com um presidente da República esgotado e refém do passado, sempre mais preocupado em manter as aparências do que salvar o país, as eleições legislativas antecipadas são inevitáveis, mais dia menos dia, mais mês menos mês, mais ano menos ano.

O vento está a favor do líder socialista. Mas a solução não se alcança com improvisos, demagogias e rostos do passado, por mais truques, retoques de marketing e encenações grotescas.

Há cerca de um ano, afirmei: «Não falta futuro a António José Seguro, mas sim coragem política para definir claramente o caminho para reconquistar a credibilidade perdida do PS».

Ora, chegou o momento, precisamente, do encontro de António José Seguro com a história.

Face a um primeiro-ministro que deixou de ter álibis para mais falhanços e trapalhadas, das mais infantis às de Estado, basta ao líder socialista manter o rumo, ter mão firme e evitar cair na tentação de branquear os erros passados dos socialistas, em suma, ter o carácter de não tentar enganar os portugueses com mais falsas promessas.

sábado, 23 de março de 2013

Portugal é assim: um caldeirão de jogadas


  
O eventual regresso de José Sócrates a um espaço de opinião é notícia, sobretudo para quem defende a liberdade de expressão e recusa qualquer tipo de censura, mesmo sobre aqueles que se destacaram por perseguir e caluniar os jornalistas.

No actual quadro, em que políticos no poder e ex-governantes enxameiam o espaço público, qualquer critério discriminatório em relação ao ex-primeiro-ministro socialista só tornaria a realidade portuguesa ainda mais ímpar.

Dito isto, impõe-se uma pergunta: qual será o motivo de tanto interesse por este tipo de personalidades?

A resposta é múltipla, mas pode ser resumida por Portugal estar transformado num imenso caldeirão de jogadas.

O tráfico de influências não é um exclusivo da política e dos negócios. Há muito tempo que a comunicação social está cercada por um pântano de traficâncias.

Neste jogo, em que cabem todo o tipo de jornalistas, os que resistem, os assim-assim e os que passaram pelas assessorias do poder, as negociatas não têm fim: candidatos a qualquer coisa são promovidos, ex-governantes são recuperados, estratégias inconfessáveis são favorecidas e interesses extra editoriais são acautelados.

Minada pela concentração e pela crise, a comunicação social tem vindo a abdicar da opinião livre e independente, permitindo todo o tipo de branqueamentos e alguns dos mais surrealistas momentos de análise e comentário.

Será que esta estratégia instrumental tem concorrido para uma opinião pública melhor informada?

As quedas vertiginosas nas audiências das televisões, rádios e jornais não enganam: os cidadãos estão fartos destes jogos de bastidores, nomeadamente da insuportável turbo-opinião.

Salvo raríssimas excepções, esta realidade apenas tem contribuído para a mediocridade da informação.

O escrutínio não pode ficar cingido à dança de cadeiras entre o poder político e as empresas públicas e privadas, tem de ser alargado a este baile de máscaras pindérico em que o jornalismo está enredado.

O pluralismo não é uma questão de equilíbrio entre o número de representantes dos partidos políticos, mais ou menos encapotados, pertençam eles ou não ao arco da governação.

A questão pode ser subjectiva, mas ninguém tem dúvidas sobre o que é a opinião livre e independente, pois ela nasce e vive fora do sistema, incomoda o poder, não alinha no coro dos interesses mesquinhos, corporativos e dominantes e, sobretudo, nunca pode estar ao serviço de interesses próprios ou pessoais.

A opinião não é um posto. Não é um cargo. Nem tão-pouco pode ser um tacho com direito a mordomias várias. É um direito e um dever, mas também um reconhecimento em relação a quem não participa, nem nunca participou, num qualquer caldeirão de jogadas caracterizadas por todo o tipo de cumplicidades e conivências.

Os verdadeiros opinion makers não são passíveis de confusão com pivôts contratados depois de negociações secretas e a assinatura de contratos confidenciais, quiçá, milionários. Eles representam um certificado de idoneidade e merecem respeito pela sua isenção e credibilidade. São recrutados através de critérios editoriais transparentes. E fazem parte do património de qualquer democracia digna desse nome.

Quando Pacheco Pereira afirma que a escolha de José Sócrates para a RTP foi uma decisão do Governo, o silêncio pesado do director de informação da estação pública é um insulto aos jornalistas e, sobretudo, uma provocação a todos os portugueses. Em 24 horas, mais de 100 mil já lhe deram, expressamente, uma resposta clara.




sábado, 9 de março de 2013

Portugal é assim: nem a lavandaria nos salva



A reacção de Pedro Passos Coelho à monumental manifestação do passado dia 2 de Março, organizada pela sociedade civil, demarcada de qualquer partido político, é a prova que o poder executivo ainda se permite a todo o tipo de desaforos provocatórios perante a indignação sofrida, como se a legitimação eleitoral lhe permitisse todo o tipo de desvarios.

O Governo ainda continua a acreditar que a relação da maioria dos portugueses com o poder continua a ser salazarenta, traduzindo o velho postulado de um povo de brandos costumes, obrigado e venerando, que tudo aceita e tolera desde que garantida a subsistência com alguma dignidade.

Em boa verdade, enquanto choveu dinheiro a rodos da Europa, os portugueses aceitaram fazer vista grossa à liquidação dos mais elementares valores institucionais e democráticos em troca de uma vida com melhores condições.

Hoje, a realidade é diferente.

A crise tende a minar este tipo de transigência, ancorada numa herança política alimentada por uma elite bajuladora e por uma comunicação social cada vez mais instrumental.

Actualmente, novos e velhos, de barriga vazia e olhos bem mais abertos, estão cada vez menos disponíveis para suportar "cantando e rindo" o buraco para onde foram atirados, ao mesmo tempo que assistem ao enriquecimento descarado, e até criminoso, de uma clique que gravita à volta do Estado.

Na recta final da sétima avaliação da troika, em que qualquer eventual alívio não vai evitar mais sofrimento, mais falências, mais despedimentos, mais pobreza, nem mesmo a diplomacia de mão-estendida, qual política de passadeira vermelha a ditadores e a sanguinários, com o objectivo indisfarçável de sacar uns trocados de dinheiro sujo, parece ser suficiente para inverter a espiral de sacrifícios a que os portugueses estão condenados.

O limite foi ultrapassado. Já não há dinheiro suficiente para alimentar tanta negociata e disfarçar tanta iniquidade.

Nem a lavandaria nos salva!

No momento em que o país foi assolado por uma vaga de elogios fúnebres a Hugo Chávez, é preciso recordar que, lá como cá, nenhuma encenação mediática é capaz de esconder a miséria de um povo, nem alterar a realidade de um país fustigado pela corrupção.

A cultura interna de um poder forte com os fracos e fraco com os fortes, caracterizada por diversos tipos de conivências e impunidades, e replicada ao mais alto nível do Estado e nas relações externas, falhou clamorosamente. E tem, obviamente, os dias contados.

Desvalorizar mais um aviso pacífico e civilizado, tentar disfarçar o significado da união de diversas gerações de várias classes sociais, em suma, ignorar a mensagem da manifestação do passado dia 2 de Março é muito mais do que um acto de arrogância política. É uma atitude irresponsável de quem está desesperado, porque já percebeu que falhou.

A solução não passa por improvisos, truques, cedências, messianismos, silêncios e auto-elogios. Nem por reuniões e debates à porta fechada. Nem por proclamações patrioteiras de quem sempre se caracterizou pelo calculismo e omissão. Nem mesmo por discursos inflamados. Nem tão-pouco por uma parte da justiça de joelhos perante o poder político e Executivo.

A manter-se o actual status quo, nunca a perspectiva de fim de mais um ciclo político foi tão evidente.

Apenas subsiste uma única dúvida: saber se as instituições democráticas estão suficientemente consolidadas para funcionar, com normalidade, ou se o Governo vai implodir por um qualquer golpe palaciano ou por força da vontade popular.