Podemos confiar nas autoridades?
Não!
A resposta não é uma mera questão de opinião, é mais um alerta consequente da factualidade que não se faz de casos isolados.
Na saúde, a estabilização das mortes Covid nos píncaros representa um retrato do momento.
Tudo embrulhado num estado de emergência que já pouco tem de excepcionalidade.
E na extraordinária aceitação do novo axioma: para salvar os doentes Covid, o SNS deixa morrer os outros doentes.
E o que decidem o presidente (e recandidato) e o primeiro-ministro?
Contrariamente ao padrão usado permitem "generosamente" a fruição do Natal.
E até Rui Rio compreende que os portugueses precisam de um escape.
Numa semana crucial para a evolução da pandemia, Marcelo, Costa e Rio estão de acordo, certamente imbuídos pelo espírito natalício, perdão, pelo calculismo da popularidade.
E quando julgávamos que o governo havia descido à terra da responsabilização dos cidadãos, eis que regressa o autoritarismo no Ano Novo.
É o "contrato de confiança" mais curto de sempre.
Como a gestão da pandemia é tão semelhante à forma como o país é administrado: um ziguezaguear estonteante, com a navegação à vista a substituir a estratégia, o rigor e a coerência.
Quanto à segurança, o balanço é igualmente penoso.
Os assassinos de Homeniuk serão julgados.
Mas o rasto da cultura do casse-tête acima da lei continua fundo, depois de inúmeras denúncias, desde o aeroporto de Lisboa às prisões, com a Provedora de Justiça, os especialistas e as organizações internacionais ignorados.
E o que decidem o presidente (e recandidato) e o primeiro-ministro?
António Costa tenta encerrar o escândalo com a cobertura política ao seu amigo e ministro Eduardo Cabrita, avançando com uma reestruturação que já começou mal.
E Marcelo Rebelo de Sousa ainda deve estar à espera da investigação de um dos seus 155 colaboradores de Belém para concluir que o caso do SEF faz parte de uma realidade tão sistémica quanto dantesca.
Tanta demagogia e branqueamento até parecem ficção, mas já fazem parte do dia-a-dia.
As reservas em relação às vacinas e às polícias são uma parte do gigantesco preço a pagar pela irresponsabilidade política que confunde os cidadãos.
A outra parte, depois de tanto folclore e truque, é a desconfiança nas instituições que matou, continua a matar e ainda pode matar muito mais que a pandemia.
Uma última cereja em cima da derradeira mutação do pântano: a procuradora-geral da República impõe hierarquicamente ser avisada quando um qualquer "notável" é apanhado numa investigação da Justiça.
Algum dia temos de parar, e começar a pensar para onde estamos a caminhar.