segunda-feira, 29 de julho de 2019

GOLAS MAÇADORAS E VACAS SAGRADAS


Numa realidade democrática consolidada e adulta não há instituições nem profissões boas nem más, nem tão-pouco umas mais importantes do que as outras.

É tão importante um bombeiro como um médico, um camionista como um polícia, um canalizador como um enfermeiro, um jornalista como um magistrado e um governante como um lixeiro.

Todos eles são essenciais para realizar uma vida em sociedade.

E não é por serem alvos de críticas que a sua honorabilidade e o regime democrático são colocados em causa.

Em épocas de incêndios, por exemplo, há muitos e muitos anos que está demonstrada à saciedade a falta de qualidade dos bombeiros e a fraca eficácia do sistema de protecção civil recheado de apparatchiks.

E não é por isso que podemos afirmar que são dispensáveis.

Aliás, também está amplamente comprovado a falta de qualidade da classe política e dos governantes.

E não é por isso que vamos prescindir dos partidos políticos e de um modelo de governação democrático.

É verdade que há instituições e profissões mais ou menos maçadoras, uns por força da sua capacidade de intervenção, outros pela mobilização capaz de fazer greves.

Seja a comprar golas inflamáveis para protecção dos fogos, seja a parar o país.

Mas o problema é outro: aqueles que se julgam sagrados e imunes à crítica, ao escrutínio e à mudança.

Os bombeiros estão entre aqueles que, pela nobreza da sua acção, se julgam intocáveis.

E os governantes perpetuam uma realidade que nos obriga a continuar a ver o país a arder desalmadamente.

O mesmo se poderia aplicar a todas as outras situações que envolvem esta espécie de castas que fazem tão bem como mal, e que é urgente modernizar e colocar numa trajectória útil.

Ou seja, em Democracia, se as golas maçadoras são intoleráveis, as vacas sagradas alimentadas por fantasias reles e oportunistas são imperdoáveis.

domingo, 21 de julho de 2019

PAÍS DE CONTAS (IN) CERTAS


Há quem seja capaz de dizer a maior mentira sem se rir.

E até há quem também seja capaz de acreditar mesmo que a sofrer e a chorar.

Num país em que o Estado esconde, deve e fica a dever com a maior impunidade, os noticiários repetem elogios ditirâmbicos às contas públicas, omitindo o que está por debaixo do tapete e as consequências dramáticas das escolhas da governação.

António Costa não se cansa de liderar e apanhar a boleia desta propaganda orquestrada, conseguindo até não se desmanchar a rir, designadamente quando promete como prioridade para amanhã o que já era prioridade ontem.

O ministro das Finanças tem o descaramento político de reafirmar as suas contas, sem que lhe coloquem à porta do Ministério que tutela o número de caixões equivalentes ao número de pessoas que morreram por causa de falta de atendimento e de adiamento de consultas e cirurgias.

É também neste mesmo país que a incompetência de um ministro é capaz de passar despercebida mesmo que condene os reformados a esperar e a desesperar pelo pagamento da reforma ao fim de décadas de trabalho e descontos para a Segurança Social.

É o país em que nunca falta a chancela e o afecto presidencial, qual perpetuar do bailete para animar a malta.

O tal país onde não faltam cidadãos resignados e/ou entretidos com o futebol que vai começar.

Onde também não faltam instituições de controlo e uma comunicação social que já perderam a vergonha.

Onde vingam os pedinchões que aguardam a respectiva compensação pelo abafamento de uma realidade escandalosa que jamais se pode transformar numa banal breve ou numa nota de rodapé.

Portugal é, de facto, um país de contas (in) certas.

sábado, 13 de julho de 2019

FÁTIMA BONIFÁCIO E OS CENSORES DO COSTUME


Miguel Poiares Maduro, uma das revelações do governo de Pedro Passos Coelho, representante de uma opinião credível, fundamentada e clara, escreveu um artigo intitulado "Os Editores do Espaço Público. A propósito do artigo de Fátima Bonifácio".

Não poderia estar em mais desacordo com a confusão entre a política editorial, a liberdade de expressão e os direitos de quem tem um vínculo com um qualquer órgão de comunicação social para dar regulamente a sua opinião pessoal.

Aliás, não é por estar frontalmente contra quem defende uma nova forma encapotada de censura que deixarei de ler Miguel Poiares Maduro ou até o "despedirei" dos espaços editoriais da minha responsabilidade.

Continuarei a lê-lo e a citá-lo sempre que reconhecer a honestidade intelectual dos seus artigos, independentemente da sua opinião.

Num país em que as indignações são selectivas e até mesquinhas, com mais ou menos recado tão intimidatório quanto parolo, só faltava agora que um qualquer opinion maker tivesse de pensar duas vezes antes de dar a sua opinião, antecipando uma qualquer política editorial ou o humor dos donos disto tudo.

Fomentar a censura ou a auto-censura é muito mais do que um exercício execrável, como sublinhava Gustave Flaubert: «A censura, seja ela qual for, parece-me uma monstruosidade, uma coisa pior do que o homicídio: o atentado contra o pensamento é um crime de lesa-alma».

quarta-feira, 3 de julho de 2019

UM NOVO TIANANMEN É POSSÍVEL?



A razão e a força dos protestos liderados pelos jovens de Hong Kong - sim, pelos jovens da revolução digital, os tais que na Europa não se interessam pela política -, obrigam a recordar o massacre de Tiananmen.

A ex-colónica britânica volta a colocar Pequim à beira de um ataque de nervos, deixando à deriva o governo liderado por Carrie Lam que avançou precipitadamente com a lei de extradição de suspeitos de crimes para a China continental.

Depois dos protestos de 2014 ("Revolução dos Guarda-chuvas" e "Primavera Asiática") e dos actuais confrontos é caso para perguntar: um novo Tiananmen é possível em Hong Kong?

A resposta é simples: não!

A violação da Declaração Conjunta Sino-Britânica sobre Hong Kong, assinada no dia 19 de Dezembro de 1984, deixaria Pequim novamente confrontada com o isolamento internacional.

De igual modo, a importância da praça financeira de Hong Kong, a terceira maior do mundo, constitui motivo suficiente para travar um novo qualquer ímpeto aventureiro e assassino dos chineses.

Por último, e porventura o factor mais decisivo, os ingleses criaram verdadeiros cidadãos de Hong Kong antes de entregar o território à soberania chinesa em 1987.

No dia 4 de junho de 1989, o mundo assistiu estupefacto ao esmagamento brutal da revolta estudantil na China.

Hoje, em Hong Kong, assistimos aos valores da Democracia a fazer face, novamente, a uma das mais cruéis ditaduras do mundo.