Paira no ar a sensação de que a Covid já era ainda que continue a ser.
Apesar dos números aterradores que estão a chegar – infectados, mortes, desemprego, défice, dívida pública – o nosso tempo de Verão quente e tranquilo tem evitado o pensamento do frio Inverno cheio de ameaças que está a chegar.
A chuva de milhões da Europa eliminou os temores de perder a nossa vidinha cheia de chuto na bola, de passeios no shopping e de total alheamento e indiferença ao que se passa à nossa volta.
Como se o modesto essencial do dia-a-dia, infelizmente longe da mais elementar dignidade, fosse suficiente para viver, apenas sobrevivendo.
Entre tantas e tantas imagens brutais, a explosão em Beirute interrompeu por momentos a nossa sonolência colectiva.
A terrível luta de um país, cuja população tem sido massacrada pelos senhores da guerra e pela corrupção selvagem, é um alerta, mas apenas mais um.
A revolta tardia pode não ser suficiente para inverter o curso da História, porque se perdeu o músculo do escrutínio, da reivindicação e do exercício da cidadania ao longo de uma guerra civil de 15 anos (1975-1990), entre outras guerras.
Não é fácil enfrentar os abutres que levaram o Líbano para o ciclo infernal de viver e morrer às mãos do dinheiro fácil da guerra.
Tão-pouco é fácil afastar os outros abutres, hoje em versão de pombas da paz, que prometem ajuda para manter tudo na mesma.
Ainda assim, o pânico e a revolta, que a pandemia e o caos de Beirute fizeram despertar, estão a ser substituídos por uma estranha acalmia estival.
Talvez fosse prudente reflectir também na nossa "guerra", quando estamos a perder a preciosa auto-estima às mãos de um regime político corrupto e anestesiante que já nem se dá ao trabalho de disfarçar as suas próprias contradições e iniquidades.
A vida não pode voltar ao normal da anormalidade a que já nos habituámos.