domingo, 14 de fevereiro de 2021

BASTONÁRIOS SEM MEDO




Poucos são capazes de recordar quem era o Bastonário da Ordem dos Engenheiros em 2017.

E que, nesse ano, a instituição emitiu um comunicado afirmando que «José Sócrates não está, nem nunca esteve, inscrito na Ordem dos Engenheiros».

Desde então,  o país passou a estar mais atento e a acertar a hora pelas intervenções dos bastonários que deixaram de ser meras figuras decorativas, emproadas e em fim de carreira.

À medida que a maioria dos sindicatos desapareceram da cena social, política e mediática, quais obsoletas correias de transmissão dos partidos de Esquerda, agora no poder ou à volta dele, os líderes das classes profissionais assumiram um papel preponderante.

Ana Rita Cavaco, Luís Menezes Leitão e Miguel Guimarães, para só falar, respectivamente, nos actuais bastonários dos enfermeiros, advogados e médicos, têm estado à altura da prova de rectidão de Carlos Mineiro Alves.

A defesa dos profissionais que representam, desde a ética à deontologia, sem esquecer as condições em que trabalham, permitiu-nos conhecer melhor a realidade em que vivemos.

As denúncias de cada um dos três bastonários traduziram-se em veementes alertas para o que se estava, e está, a passar no sector da Saúde, em particular no SNS, e na Justiça, valeram-lhes o ódio descabelado de António Costa e afins.

Nunca as desigualdades foram tão cristalinas e gritantes.

Apesar do discurso de Estado, politicamente tão pomposo quanto mentiroso, assente numa propaganda desenfreada, ficou ainda mais visível o calvário diário de quem presta serviço e desespera por cuidados de saúde e um Estado de Direito.

Com a realidade da pandemia, os três bastonários continuaram a não abafar os extraordinários erros de gestão em sectores vitais para a população, alguns dos quais passíveis de envergonhar o mais incompetente dos canalhas.

O que ganharam Ana Rita Cavaco, Luís Menezes Leitão e Miguel Guimarães?

O respeito dos seus pares e da população, além de terem de enfrentar campanhas orquestradas e a perseguição da parte do poder e afins incapazes de lidar com a independência, o escrutínio e a competência.

Felizmente, temos bastonários sem medo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

QUAL É O NOSSO LIMITE?


Os indicadores são avassaladores, e vão piorar ainda mais.

O ritmo do plano de vacinação continua aquém do exigível.

O socorro do Estado continua a ser tardio ou um verbo de encher.

Os indicadores de pobreza, a visível e a escondida, já dispararam.

E os números do passado são escondidos pelos do presente: 25,8% das crianças com menos de 12 anos vivem em casas com humidade ou em que chove; quase 13% não têm a habitação devidamente aquecida; 9,2% não têm luz suficiente; 6,5% vivem em zonas consideradas violentas.

O que fazem o presidente e o primeiro-ministro?

Dizem coisas, prometem, enganam e sorriem!

E o que fazem os cidadãos?

Continuam à espera do Estado, resignados ao desabar do mundo de cada um, remediado, construído com trabalho e persistência.

Por sua vez, as poucas excepções de cidadania são pública e fortemente silenciadas pela lógica cacique impregnada do mais alto ao mais baixo nível do Estado.

As imagens horrendas que pareciam longe estão agora tão perto, apesar da comunicação social continuar mais orientada em mostrar cadáveres do outro lado do Atlântico do que em filmar aqueles que estão mesmo ao nosso lado.

Entretanto, continuamos agradecidos com uma Saúde que nos faz esperar meses e anos por uma consulta ou uma cirurgia e até nos deixa morrer.

Mantemos a calma com a Justiça que demora anos, às vezes mais do que uma década, a punir ou absolver os culpados.

Toleramos uma Educação velha e burocrática que resiste ao ecletismo.

Até permitimos que a voz da nossa Igreja, pelo menos a da maioria dos portugueses, continue fraca e cúmplice da desigualdade.

Quanto ainda somos capazes de aguentar?

Os diagnósticos estão feitos, já têm décadas, e até nem tem faltado dinheiro despejado por quem continua a tentar salvar-nos.

Com o país a afastar-se da União Europeia, qual é então o problema?

Porventura somos mesmo nós, de tão habituados a esta vida, à resignação, a sobreviver assim-assim, cronicamente incapazes de antecipar e enfrentar a realidade, sempre com medo de assumir a liberdade individual.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

ARROGÂNCIA, EXIGÊNCIA E MUITA AVENTURA


A imagem de um presidente fechado no carro, só, às voltas na noite fria, deixando passar o tempo, é o retrato da tempestade perfeita.

Continuamos a resistir na troca da certeza da mediocridade pela incerteza da mudança.

Mas aqui chegados, com Marcelo Rebelo de Sousa em Belém, mais cinco anos, o que nos espera?

A única certeza é um governo de arrogância, em modo de maioria absoluta à portuguesa, com Bloco e PCP moribundos e a direita aprisionada em si própria, face à incerteza da devastação económica, financeira e social, já que politica e institucionalmente não é possível descer mais.

Vamos continuar a ter anúncios e mais anúncios, como aquele dos sem-abrigo que ficaram na gaveta do esquecimento, para entreter aqueles que se contentam em ser entretidos, num ambiente nauseabundo que recorda os tempos de Sócrates.

Do folclore dos afectos vamos passar à exigência de uma presidência domesticada, sempre animada e colorida, mas certamente impotente e inconsequente.

Como é possível regressar, passado tão pouco tempo, ao ponto de partida do desastre?

O paleio da igualdade e solidariedade miríficas continuam a embalar uma população que só tem à sua volta a desigualdade cruel e o exemplo do oportunista assalto ao plano de vacinação.

Confortados pela sempre renovada falácia do grande abraço protector do Estado lá vamos pactuando com o flagício para não abrir uma crise política, enquanto o regime apodrece a cada dia que passa.

Agora com a esperança infundada de um presidente mais escrutinador, apesar de só ter para oferecer mais e melhor do mesmo, a manutenção do status quo, o futuro parece ainda mais sombrio.

Já passaram 10 estados de emergência que nada resolveram, apenas justificaram o que não se fez e devia ter sido feito para aplainar os efeitos devastadores da pandemia.

Entretanto, o SNS continua em plano inclinado, a afundar, qual gigantesco Titanic, entre uma orquestra de elogios estridentes e faustosas promessas renovadas para esquecer na primeira oportunidade.

E as mortes?

As mortes Covid e não-Covid continuam a não despertar o povo, que continua à porta dos hospitais, em ambulâncias, horas e horas a fio, à espera de cuidados de saúde, num dantesco espectáculo renovado.

Incomodados com as críticas crescentes, mas sempre tímidas, o primeiro-ministro e o governo sacodem com cobardia política as responsabilidades, reagem aos factos com a sobranceria dos culpados, fortes e certos da impunidade, indiferentes ao resultado da sua própria incúria.

E a Justiça, sem meios e vontade, continua ausente quando se trata de investigar crimes perpetrados pelo poder mesmo à frente dos nossos olhos.

E o presidente continua a sorrir.

Está tudo perdido?

Calma!

Vem aí Adolfo Mesquita Nunes, o rapaz da GALP, uma das empresas mais interessadas no projecto aventureiro e multimilionário do hidrogénio, para salvar o que resta do CDS/PP e do país.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

PORTUGAL MANSAMENTE A CAMINHO DO DESASTRE

Marcelo Rebelo de Sousa venceu. 

Mas quem ganhou politicamente foi António Costa, porque garantiu a reeleição do presidente que melhor o serve, fomentou o enfraquecimento e a divisão da Esquerda que não controla e conseguiu esfrangalhar a Direita. 

O presidente reeleito teve mais votos do que em 2016, mas representa apenas menos de um quarto dos eleitores quando está diminuído pela responsabilidade partilhada de mais de 10 mil mortes provocados pela pandemia. 

Aqueles que apostaram na estabilidade, como solução para todos os estrangulamentos, venceram em toda a linha.

Resta saber a que custo.

O segundo vencedor foi André Ventura, a verdadeira "estrela" da noite eleitoral.

A sua diabolização falhou.

Em vez de o desconstruir e de se focarem no escrutínio dos reais problemas dos portugueses, na clarificação do papel do presidente da República, mais uma vez ficaram pelo agitar da bandeira do fascismo. 

Os três candidatos que deram assumida e dignamente a cara pelo que resta da Esquerda apostaram numa estratégia que já havia falhado, mutatis mutandi, com Manuel Alegre em 2011. 

E acabaram por atirar os eleitores para o colo ilusoriamente seguro de Marcelo Rebelo de Sousa que se limitou a continuar a sorrir, pacientemente, indiferente a mais um papão que os portugueses já não papam. 

O último vencedor da noite foi Ana Gomes que, com a determinação que se lhe reconhece, assumiu uma legitimidade ímpar que ainda vai dar muitas dores de cabeça a Marcelo e Costa. 

Mais uma vez, na hora de decidir, os portugueses asseguraram mansamente a continuidade, apesar de todos os sinais de apodrecimento do regime. 

Em vez de fazer o caminho da mudança, os portugueses optaram por mais do mesmo, pelo arrastar de um país bloqueado e incapaz de se recriar a partir das urnas. 

A reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa é a vitória em toda a linha do "centrão" político e dos interesses que têm pavor de Ana Gomes e ainda continuam a olhar para André Ventura com a sobranceria de quem tem o poder e controla o Estado e o seu aparelho. 

Com uma dívida pública gigantesca, sinais alarmantes de abuso e corrupção, com a pandemia descontrolada e uma crise terrível à vista, os mais de 10% de votos do líder do Chega vão ecoar a dobrar nos corredores da política. 

O desastre está novamente ao virar da esquina.