Uma certa classe política vive momentos de
incerteza e até desespero. De facto, aqueles que têm perpetuado o actual
sistema caduco e corrupto bem podem temer o que está para vir, mais tarde ou
mais cedo.
É que Portugal está a começar a dar sinais de
mudança. Porventura, não está a mudar ao ritmo indispensável, mas está a começar
a mudar a diversos níveis, nomeadamente na esfera partidária.
A crise interna no PS vai dar lugar a uma
escolha decisiva que vai permitir verificar se os militantes e simpatizantes
socialistas estão preparados para abraçar a mudança, ou ainda melhor, as primárias
para a escolha do líder do PS vão permitir responder a uma questão da maior relevância:
a esquerda está preparada para optar por uma nova forma de fazer política e de
exercer o poder?
A corrida eleitoral desencadeada pelo
«imperativo de consciência» de António Costa, que não cabe a ninguém julgar porque
se presume virtuoso, teve, tem e terá consequências políticas, partidárias e
institucionais que devem ser ponderadas e avaliadas.
Por um lado, é óbvio que a decisão de Costa constituiu
um enorme frete político à actual maioria, quiçá para pagar o "brinde"
do Governo, após o acordo em relação aos terrenos do aeroporto e da Parque Expo,
que lhe permitiu reduzir em mais de 40% a dívida bancária da Câmara Municipal
de Lisboa;
Por outro lado, a abertura inédita das
hostilidades em relação a um secretário-geral em funções, antes de se sujeitar
a eleições legislativas, dividiu os socialistas, mas a verdade é que também
permitiu que o melhor de uma parte do PS pudesse emergir, respeitando a
tradição de um dos partidos fundadores da Democracia.
E o melhor do PS só pode ser regressar à linha
da frente do combate contra a corrupção, o nepotismo, o tráfico de influências,
a desigualdade, o arbítrio, a opacidade, o clientelismo, ou seja, estar na
primeira fila da luta pela mudança.
A disputa no PS é um dos primeiros momentos em
que esta batalha vai ser claramente colocada a votos, em que de um lado está a coragem
de quem reconheceu que o actual sistema político está falido e quer aperfeiçoar
a Democracia, enquanto do outro está a arrogância dos velhos rostos do passado
e a defesa da manutenção do status quo
pelas razões mais oportunistas e venais.
Neste combate político entre António José
Seguro e António Costa qualquer análise descomprometida só pode concluir que o
actual líder do PS tem protagonizado a defesa intransigente da mudança nos
últimos três anos, não só com palavras, mas com acções e atitudes políticas
consistentes.
Embora ambos sejam caracterizados como homens
do "aparelho", a verdade é que é preciso distinguir entre os pequenos
caciques e os grandes interesses que capturaram os partidos. E, neste caso,
também ninguém tem dúvidas relativamente a quem tem afrontado os grandes
interesses que têm o PS aferrolhado há demasiado tempo.
Seguro tem dado provas que percebeu a nova
realidade social e política que despontou depois da troika varrer Portugal. E
também enxergou que um certo estilo de fazer política e de exercer o poder, que
colam na perfeição a José Sócrates e António Costa, tem os dias contados, tanto
mais que já levou o país ao colapso, em 2011.
Com o surgimento de novos partidos, cujo
discurso agrada ao centro, sobretudo aos descontentes da esquerda, ou o PS muda
já ou corre o risco de ficar reduzido à mínima expressão.
Que não haja dúvidas: ou o PS aproveita as
eleições de 28 de Setembro para mudar de vida, ou ainda vai acabar refém de um
pequeno partido para poder regressar rapidamente ao poder.