segunda-feira, 21 de junho de 2021

PARAR, PENSAR E... CONTINUAR A FAZER DE CONTA


A erosão provocada pelo poder deveria ser um dos motores da mudança.

Mas para a alternativa vingar é preciso muito mais do que erros acumulados pelo poder e o cumprimento de um calendário eleitoral: são necessárias propostas competentes, mobilizadoras e coerentes.

É evidente o desgaste do governo, mas continua a faltar o resto.

Vale a pena recordar a recente intervenção de Manuel Costa Andrade em que acusou Lucília Gago, procuradora-geral da República, de «agente encoberto à revelia da Constituição».

As palavras do juiz mais político de Portugal podiam ter sido o combustível necessário para a oposição explodir de credibilidade junto dos eleitores.

Mas no mesmo discurso, o jurista lembrou também os perigos das propostas dos partidos na luta contra a corrupção.

De uma penada, ficaram à vista os problemas, mas também a falta de uma alternativa credível.

Como se não bastasse, passados uns dias, os juízes (ASJP) arrasaram o que restava da contribuição do PS e do PSD.

Num momento em que de António Costa já se espera pouco ou nada e são cada vez menos aqueles que levam Marcelo Rebelo de Sousa a sério, Rui Rio sai em maus lençóis para almejar liderar uma alternativa.

Quando os dois maiores partidos se concertam para simular uma espécie de legislação que pode acabar por resultar numa cobertura aos corruptos também pouco ou nada se pode esperar da alternativa.

Para manter o poder ou para assumir a liderança de uma alternativa é preciso muito mais do que parar, pensar e... continuar a fazer de conta.

Por isso arrastam-se durante décadas estrangulamentos nos mais diversos sectores decisivos para o desenvolvimento, acumulando-se erros e compadrios dignos de gente mesquinha e incompetente que assaltou o país há muito tempo.

A culpa não é só dos boys também é dos líderes que não sobreviveriam sem eles.

O espectáculo de Fernando Medina é apenas mais um exemplo tão lamentável quanto as críticas justas de Rui Rio à recandidatura de Rui Moreira que caem por terra por causa do caso Silvano, deixando mais um enorme vazio à mercê de todos os radicalismos.

Os protagonistas são o que são, mas muito pior é a falta de cultura de exigência e escrutínio capaz de alavancar a mudança.


segunda-feira, 14 de junho de 2021

PRESIDENTE, LEGITIMIDADE E DEMISSÃO


Não é Pedrógão, mas é Tancos.

Não é a corrupção endémica, mas é a factura milionária dos Bancos falidos.

Não é a gigantesca máquina de propaganda, mas é a dívida pública galopante.

Não é a ocultação da realidade, mas é o SNS impotente a deixar a morrer.

Não é a falsa promessa de apoios, mas é a reconstrução de um palácio.

Até mesmo quando é pública a divulgação de dados pessoais pela Câmara Municipal de Lisboa, liderada por Fernando Medina, a palavra presidencial é de branqueamento grotesco.

Num dia, temos que proteger os estrangeiros porque somos um país de emigrantes; no dia a seguir, cidadãos israelitas, palestinianos, russos, venezuelanos são colocados em risco.

E numa primeira reacção presidencial: Acontece!

O caricato é que ninguém assume a responsabilidade, mesmo quando o nome de Portugal é internacionalmente arrastado na lama.

O branqueamento presidencial sistemático é um cancro que está a liquidar o regime democrático, dando origem a fenómenos de mais e mais radicalização.

E, como se não bastasse, até Francisco Louçã, na pele de Estado, tem o atrevimento político de afirmar, sem se rir, que «os pedidos de demissão de Fernando Medina são uma espécie de brincadeira».

Cresce a convicção de que isto só lá vai com mão forte, autoritarismo, quiçá mais um ditador.

Entretanto, o primeiro-ministro faz-de-conta que não é nada com ele, acantonado no seu gabinete e até aborrecido quando é interpelado.

Como se fosse possível esquecer que foi edil de Lisboa, que a política externa é uma manta de servilismos.

Afinal, o "orgulho" no português que lidera da ONU não o impede de assistir em silêncio, nos últimos meses, ao espezinhar dos Direitos Humanos.

E, até entre os das esquerdas, há ainda o dislate para invectivar contra quem, com mais ou menos passado democrático, denuncia este pagode de insensibilidade e irresponsabilidade.

Todos os cuidados são poucos, quando a palavra presidencial vale menos do que uma selfie.

E não admira que a crescente indignação, desde a rua ao hipermercado, tarde em chegar aos gabinetes do poder e aos centros de sondagens.

Se depois de mais este aviltante atropelo tudo continuar na mesma, enquanto o presidente acena, sorri e vai à bola, então não há respeito que perdure, não há confiança que resista.

A legitimidade do presidente nas urnas (menos de 1/4 dos eleitores) não valida a participação no apodrecimento do regime.

A dignidade da função não pode continuar a calar a crítica do branqueamento impune.

– Demita-se!

segunda-feira, 7 de junho de 2021

DA VERDADE OU DA MENTIRA



As redes sociais cresceram através da criatividade e irreverência em contraponto com o conformismo e o cinzentismo dos grandes canais de informação do stablishment.

A enorme audiência despertou a atenção de todos, desde a presença dos grandes grupos da comunicação social até ao apetite dos habituais profissionais do assalto ao poder.

Hoje, e depois de um trajecto fulgurante nos últimos 15 anos, as redes sociais são um extraordinário meio de divulgação, não são só um depósito de fake news.

Se não, vejamos.

Se alguém fizer um post a garantir a erradicação dos sem abrigo em quatro anos ou até mesmo prometer habitação condigna para todos em 2024, o que aconteceria?

O autor seria alvo da chacota impiedosa dos seus seguidores.

Mas se o meio de divulgação de um tal desvario retórico fosse um órgão de referência, o mais provável é ficar tudo nas águas de bacalhau do corporativismo.

Um político, apanhado em mil mentiras, não pode merecer destaque sem qualquer enquadramento.

Uma qualquer instituição, com um histórico de banha da cobra estatística ou outra, não pode marcar a agenda mediática sem um esclarecimento.

Diariamente, seja qual for o meio, somos bombardeados com informação inverificada e abusiva, cabendo-nos fazer o nosso próprio juízo.

O contraditório tanto serve para a declaração de um presidente ou de um primeiro-ministro na capa de num jornal de referência como para um post de um cidadão, por mais notável ou anónimo que seja.

Ou seja, o trigo nem sempre está do lado institucional e o joio nas redes sociais.

A mediação dos jornalistas reside precisamente na capacidade de enquadramento e independência para desmascarar a falsidade.

Ora, quando tal não acontece surgem os mais diversos exames alternativos que explodem através do mundo digital.

Já lá vai o tempo em que a informação tinha um selo de garantia prévio, o cargo determinava a credibilidade e em que bastava a censura através de uma qualquer "carta".

Chame-se algoritmo, capital, controlo ideológico, interesse ou corrupção, a escolha de hoje é igual à de ontem: Ou se está do lado da verdade ou da mentira.

segunda-feira, 31 de maio de 2021

RIO ACIMA, RIO ABAIXO


Carregando um partido com de décadas de poder, corrupção e nepotismo, Rui Rio sabe que tem pouco para enfrentar António Costa e ainda menos para oferecer na actual conjuntura.

Nos próximos anos, o país vai continuar a sobreviver à custa da caridade, em versão de solidariedade europeia, e o povo não se importa com isso, muito pelo contrário, até se sente confortável com mais Estado e menos cidadania.

Rio já percebeu que não se pode passar do inferno ao céu num par de anos, enquanto Pedro Passos Coelho não o percebeu quando foi primeiro-ministro – e ainda não o consegue perceber.

A estratégia do PSD tem sido, logicamente, estancar as perdas do partido e tentar uma colagem ao poder que lhe permita garantir algumas migalhas e ao mesmo tempo iniciar algumas reformas.

 Chama-lhe "centro"...

Ora, se é verdade que os "EuroBonds" e a "Bazuca" são "milagres" inesperados também não é menos verdade que não se pode ter sol na eira e chuva no nabal.

O que resta?

Usar André Ventura para dizer o que o PSD não pode nem tem autoridade para afirmar, como ocorreu no congresso do Chega, ou seja, usá-lo como um catalisador de protesto para ensaiar um discurso de mudança.

É o jogo possível, mas perigoso, porque o agitar o fantasma do fascismo ainda consegue atormentar quem o viveu na carne e no osso.

É a única alternativa?

O líder do (ainda) maior partido da oposição bem pode ter que navegar rio acima, rio abaixo, e até pode ter razão na estratégia, mas passividade, seriedade e honestidade não têm casado com a conquista do poder.

E o grande desafio, que está longe de estar cumprido, é convencer os portugueses que se ganhar as eleições não vai condená-los a mais miséria para cumprir as metas da União Europeia.

O que falta?

A paciência – de que Rio não se pode gabar –, uma "qualidade" com que António Costa carrega e descarrega o Bloco e o PCP à medida dos interesses do PS.

A união do PSD à volta do líder e de um projecto concreto e claro de futuro.

Tempo, mais tempo, de que não dispõe.

Por isso está cada vez mais acantonado.

Em 1997, Rui Rio bateu com a porta a Marcelo.

Agora, tem pela frente a mesma muralha que o derrubou há quase 25 anos, com o primeiro-ministro a manter o poder pelo poder e o presidente que se basta com o fazer de conta e a popularidade fácil.

Vai voltar a bater com a porta?