Os factos são o que são, e as consequências também.
E, para já, há uma única certeza: a abertura da crise é da responsabilidade do presidente.
Políticos, analistas e comentadores, de todos os quadrantes, têm criticado a precipitação do anúncio da dissolução da Assembleia da República, ainda antes de estar esgotada a negociação do Orçamento do Estado para 2022.
E alguns até denunciam a flagrante e descabida ingerência na vida parlamentar e partidária.
Existiam outros caminhos, desde a elaboração de um novo orçamento até à apresentação de uma moção de confiança e/ou de censura, ou ainda o pedido de demissão do primeiro-ministro.
Assim, é de desejar que Marcelo Rebelo de Sousa, aquando da formalização da data das eleições antecipadas, avance uma qualquer revelação que justifique o comportamento, à primeira vista, tão politicamente aventureiro.
Isto sem excluir, tendo em conta o histórico da personagem, a hipótese de dar o dito-por-não-dito.
Admitindo que o país vai mesmo a eleições, nas actuais circunstâncias económicas, financeiras e até pandémicas, é urgente uma cristalina prestação de contas, não basta invocar os poderes formais.
Tanto mais que, na próxima campanha eleitoral, os partidos não vão carregar as responsabilidades que não lhes cabem.
É exigível uma explicação coerente, caso contrário impõe-se investigar se o presidente está em condições para exercer o cargo ou então se existia um acordo prévio desconhecido dos portugueses.
Apesar de alguns achaques de autoritarismo, aparentemente explicáveis pela idade, a primeira possibilidade parece estar excluída.
Ora, a segunda ainda não está.
Aliás, face ao anúncio da dissolução, a pronta aceitação do primeiro-ministro, a roçar a submissão política, legitima a racionalidade e a pertinência de todas as suspeitas.
E ninguém esquece, ou pode desvalorizar, que a decisão presidencial foi anunciada com o conhecimento de uma disputa na liderança do PSD e do CDS/PP.
Aqui chegados, eis mais uma súbita cambalhota: depois do impulso, da urgência e da azáfama, o presidente anda agora a encanar a perna à rã, retardando a realização das eleições.
A bizarria já foi sibilinamente notada por Pedro Santana Lopes: «Há aqui qualquer coisa que parece que nos escapa».
O que esconde Marcelo Rebelo de Sousa?
Um pacto, com António Costa?
Cedências a outros políticos e protagonistas?
O presidente não pode tudo para apenas assumir uma centralidade que apazigúe a megalomania institucional.
A situação é demasiado grave para ficar por mais silêncios.
Ou por declarações espúrias e labirínticas, como tem acontecido com BES, GES, Novo Banco, Tancos, Covid, PRR e combate à corrupção.
Em situações semelhantes, os votos dos portugueses, bem ou mal, têm validado a utilização da “bomba atómica” constitucional.
E se tal não acontecer em 2022?