segunda-feira, 9 de novembro de 2020

CONTRA ESTA "DUPLA" MARCHAR


Desde 23 de Agosto que crescem desenfreadamente os infectados com a Covid.

Como havia sido dada a garantia do reforço do SNS e de preparação para a segunda vaga, ainda mais confiantes ficámos depois de assistir ao "pechisbeque" presidencial de tomar uma vacina de peito aberto em frente das câmaras de televisão.

Mas depois dos mais variados exercícios de circo político, desde a Champions à Fórmula 1, sem esquecer os ventiladores e as camas, os números da pandemia explodiram.

E foram precisos mais de dois meses para o presidente e o primeiro-ministro desatarem em audiências, audições e reuniões para, finalmente, começarem a ser desenhadas à pressa medidas para fazer face ao desastre instalado.

O que se está a passar em Portugal?

A resposta é complexa, como está na moda dizer quando se quer esconder alguma coisa, mas a realidade é bem simples: estamos a ser governados por quem está desorientado politicamente. 

De facto, elegemos quem não tem estado à altura dos acontecimentos, porque mentem em vez de falar verdade, porque reagem em vez de prevenir, porque julgam que a solução passa por mais autoritarismo, mais intimidação e mais e mais ameaça.

Chegados aqui, com números astronómicos que ainda se vão agravar, tendo mesmo já ultrapassado a Espanha em número de casos por milhão, eis o estado de emergência "suave" em toda a sua brutalidade: as restrições e o recolher obrigatório.

Existe a consciência de que tem de haver tolerância num momento tão crítico, mas não podemos deixar resvalar ainda mais o que se está a passar mesmo em frente dos nossos olhos.

Por isso, desde logo, impõe-se preventivamente colocar outra questão: e se as medidas tardiamente adoptadas não resultarem?

Não podemos permitir que, em breve, a "alternativa" passe por colocar militares na rua, armados até aos dentes, para patrulharem os cidadãos e reprimir os motins.

Enquanto houver dinheiro, que não temos mas vamos receber, e depois ter de pagar, ainda pode existir margem para tapar alguns buracos mas não vai evitar uma previsível crise que pode atirar o país para a fome só imaginável em tempos de guerra.

Com os sinais de descontentamento cada vez mais evidentes, o que fazem o presidente e o primeiro-ministro?

Anunciam, com pompa e circunstância, que querem salvar o Natal, embora todos saibamos que querem é tentar salvar a imagem e a pele.

Ou seja, aparentemente, o grande desígnio é achatar a curva para podermos encher a pança e desatar a consumir que nem loucos durante o período natalício.

E depois, está claro, logo se verá.

De facto, estamos a começar a ver cada vez melhor.

Mas ainda não conseguimos exigir que não nos metam, outra vez, na armadilha de tentar resolver tudo à bruta e num estalar de dedos.

Na pandemia, como na saúde, economia, educação e justiça, continuamos a deixar-nos enganar com receitas instantâneas de fantasias em vez de pensar, planear e eleger objectivos a médio e longo prazo ao alcance do país.

Com os portugueses a morrer, por causa da Covid e da falta de cuidados de saúde e assistência hospitalar, dos novos aos mais velhos, está na altura de despachar esta "dupla" que lá se vai apoiando um no outro como podem para disfarçar erros e equívocos clamorosos.

Em Janeiro de 2021 temos a oportunidade de começar pela espécie de "eco" instalado em Belém, cuja responsabilidade maior não se extingue com palavras e imagens pomposas, vãs e enganosas.


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

À ESPERA DA AMÉRICA


O "cowboy" e o "self-made man" ainda continuam a fazer maioritariamente parte do ADN norte-americano?

As eleições presidenciais nos Estados Unidos da América são muito mais do que uma opção entre Donald Trump e Joe Biden.

É um momento de teste à alma americana que se traduz na escolha entre dois caminhos: a continuação da ruptura com o paradigma falhado ou o regresso do status quo em todo o esplendor.

Trump representa a continuação da luta contra os cânones de Washington, diabolizando a chamada imprensa de referência; Biden será a reedição de um modelo de governação em que o multilateralismo é temperado pelo marketing político e influência dos serviços secretos na política.

Depois de Obama ganhar com a força de "We Can", partilhando o Mundo com as outras superpotências, Trump quer renovar o sonho de hegemonia do "Make America Great Again" que continua a embalar os norte-americanos, enquanto Biden promete o moralismo de um aliado "Of the light, not the darkness".

E, goste-se ou não, deste lado do continente europeu, o errático Trump personifica melhor a imagem do "American way of life" que fez dos Estados Unidos da América a maior potência do mundo.

Mas esta eleição é também a renovação da "eterna" questão da emigração: por um lado, o fecho de fronteiras cruel; por outro lado, a alternativa de abertura para a exploração selvagem da mão-de-obra barata.

Também a questão racial pode, finalmente, fazer a diferença, numa realidade pós-Floyd, se ultrapassado o tradicional voto de abstenção ou em branco dos negros.

Para perceber o que está em jogo neste acto eleitoral, em que os latinos também podem sonhar, é preciso não esquecer a realidade de mais de 40 milhões de pobres, bem como de mais 140 milhões de cidadãos que admitem ter um rendimento insuficiente para pagar suas contas.

A vitória de Trump ou de Biden é ainda muito mais: de um lado, a arrogância da aposta na economia e no individualismo; do outro, a moderação que dá atenção à pandemia e ao colectivo.

Salvaguardas as devidas diferenças, a divisão brutal instalada não é assim tão diferente daquela que começa a emergir na Europa, decorrido quase um ano da descoberta da Covid.

No contexto de crise económica, os próximos actos eleitorais europeus também serão marcados por fracturas que ultrapassam a razão, a ideologia e a humanidade.

No país do consumismo, em que também se joga mais isolacionismo ou mais globalização, após muitos milhões de dólares gastos na publicidade de ambos os candidatos, fica para a História uma campanha de ódios, com "facts checks" para todos os gostos, ambições e carteiras.

O 46º presidente dos Estados Unidos da América tem uma herança: um país em que prevaleceram a força das instituições democráticas, o primado da Lei e a contribuição para a paz mundial.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

VIVER A VIDA


De relance, dois homens, numa esquina da cidade.

Na boca, a máscara e a afirmação de ser livre.

E nos olhos, o medo e o conformismo.

Certamente, falam da Covid, entre outros temas da actualidade.

Fazem lembrar Vladimir e Estragão, de Samuel Beckett, com inspiração para falarem sobre tudo e sobre nada, sempre à espera de alguma coisa, porventura ainda à espera de Godot.

Falam, gesticulam, e, por segundos, permanecem num silêncio que mais parece durar uma eternidade.

Havia algo de especial naqueles dois homens, à beira da reforma, com uma vida aparentemente realizada e confortável: revelavam uma réstia de brilho de quem quer viver a vida, como podem e o com o que lhes resta.

Ainda pensei que sofriam da febre das eleições norte-americanas – uma espécie de pandemia passageira dentro da pandemia anda sem vacina –, ou que estavam a debater mais uma declaração de especialistas – Great Barrington

O que importa, verdadeiramente, é a sua escolha de estarem na rua, ao ar livre, a conviver, como se ocupados a virar as folhas de um livro que também fala, em vez de engolirem a "caixa mágica" cada vez mais simplista, errática e manipuladora.

E a vida assim vivida lá corria naquela esquina ao fim da tarde...

No momento em que a Covid caminha a passos galopantes em Portugal, e que os os números europeus diários já ultrapassaram os dos Estados Unidos da América (com trunfo), o filme de oito meses da Covid passou mesmo à frente dos meus olhos bem abertos.

Tanta morte, sofrimento, solidão, arrogância, demagogia e propaganda.

Naquele instante, o tempo voltou para trás, quando nada ou quase nada sabíamos sobre a pandemia.

Hoje, que apenas já sabemos mais alguma coisa, o autoritarismo e o dogmatismo continuam a contar com o seguidismo e a indiferença da maioria.

Como se a sociedade estivesse infectada com um vírus ainda mais grave do que o SARS-CoV-2.

A conversa ganha a vibração do que resta do bulício da cidade, enquanto um agente da polícia passa, olhando para os dois como a confirmar qualquer eventual violação do estado de calamidade.

Subitamente, intimidados, ambos metem o telemóvel no bolso, com a confiança da sua aplicação, medindo a autoridade de soslaio.

Ao mesmo tempo, um grupo de jovens atravessa a rua, na passadeira, conquistando alegre e exuberantemente cada centímetro de espaço, com os tiques e os gadgets da sua forma de viver a vida.

Ah, os dois amigos, instalados na esquina, começam a despedir-se.

Entre cotoveledas amigáveis e sorrisos cansados, ficam as últimas palavras bem assertivas e audíveis, apesar da máscara P2 cónica com válvula:

– Foi penalti! – disse o mais sisudo.

– Não foi nada, não percebes nada de futebol! – encerrou o mais jovial.

Tomando os seus caminhos, cada um no seu passeio da estrada, um último aceno de dedo esticado, típo experts da bola, quiçá sonhando com a conquista do Mundial ou outro qualquer grande feito nacional.

Ambos apressaram o passo, antecipando a ameaça do recolher obrigatório, porque continuavam a querer viver a vida como podiam e com aquilo que lhes restava, à sua maneira.


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

NA MELHOR MÁSCARA CAI O MEDO


O primeiro-ministro e o presidente da República vivem dias politicamente devastadores muito por força da oposição e da sociedade civil.

O Bloco de Esquerda escancara as mentiras políticas do governo, designadamente quanto ao número de profissionais de saúde contratados e à dotação financeira para o SNS em 2021, através de Mariana Mortágua e Francisco Louçã.

Por sua vez, o bastonário da Ordem dos Médicos lança um alerta lancinante denunciando a falta de preparação do SNS para acorrer à segunda fase da pandemia

Face a este enorme aperto, António Costa tira da cartola um alibi para disfarçar o falhanço, dando "encosto" ao presidente da República para ambos poderem alijar responsabilidades.

E então lança a bomba atómica mediática: a obrigatoriedade da instalação e utilização da aplicação StayAway Covid, sujeita a multa e vigilância policial.

Costa conseguiu desviar as atenções do Orçamento do Estado 2021 e ainda da arrasadora carta aberta de Manuel Guimarães Pinto, que também foi assinada por mais cinco ex-bastonários, com sensibilidades políticas diferentes.

E não contente com a "façanha" autoritária elevou o tom da ameaça, redobrada com o habitual eco presidencial, sem garantir um SNS preparado, sem atender às exigências dos lares de idosos e sem fazer face aos transportes públicos apinhados, apenas arriscando a política do medo.

Mas a cumplicidade entre ambos foi ainda mais longe.

No momento em que a propaganda do governo sobre o SNS veio abaixo com estrondo, o presidente da República correu a dar conhecimento de conversações com os privados do sector para tapar os buracos que até então nunca havia visto.

Exigência? 

Não.

Escrutínio?

Nada.

Branqueamento?

Sim, como tem sido costumeiro.

Se o padrão de António Costa é há muito conhecido, o bailete de o presidente da República, agora sob a forma inopinada de dedo esticado contra os cidadãos, faz lembrar o triste fado da ditadura.

E, quando era esperado estudo, competência, responsabilização e clareza, sobrou a boçalidade da aposta no "pleno" da ameaça, comprovando o "arranjinho" entre ambos, mesmo quando estão em causa os direitos constitucionais.

Mas com esta espécie de acção política "moderna" tudo muda num ápice, o sim e o seu contrário, mais irrevogável menos fantasia.

Face à enorme tensão, resultante do insano esticar da corda, Costa recua e dá o dito por não dito, e Marcelo faz-de-conta, auscultando meio mundo, como se tivesse chegado a Belém há um mês e picos, mais semana menos semana, com o spin de fazer em 15 dias o que não foi feito em sete meses.

Depois de falhada a estratégia da intimidação  e tal como em Março, quando foi declarado o Estado de Emergência com um atraso ainda por explicar , o presidente demorou vários meses para descobrir a propaganda na política de saúde.

E, aliás, falta ainda saber nesta tragédia de sombras e incúrias se estamos a tratar das mortes pela Covid ou do número muito superior de mortes a mais por explicar.

À medida que as presidenciais se aproximam, a colagem politica entre presidência e governo gera uma inquietante dúvida: o presidente da República está a apoiar e a poupar o primeiro-ministro, sacrificando os interesses dos cidadãos aos seus interesses pessoais?

É que Marcelo tudo tem admitido, tolerado e feito, desesperadamente, para não colocar em risco o apoio de António Costa e do PS, mesmo quando estão em cima da mesa os mais altos valores da cidadania e vida humana.

O país quer mais médicos, mais enfermeiros, mais comboios, mais competência, mais informação e mais confiança, não precisa de folclore, paternalismo, bafio, polícia, multa, medo e suspensão da Democracia.

O que por aí vem, nos próximos tempos, exige uma presidência com mais noção do dever e da responsabilidade do que de piruetas e cálculo particular.

É que a pandemia continua a alastrar vertiginosamente e o número de mortos a crescer.