segunda-feira, 12 de abril de 2021

OPERAÇÃO MARQUÊS: O CLIQUE QUE FALTAVA


O despacho de pronúncia da Operação Marquês já fez correr rios de tinta, entre vestes rasgadas por um lado e pelo outro, tal e qual como no intervalo de um jogo de futebol.

E, pasme-se, tudo resumido à "derrota" do Ministério Público e à "vitória" do ex-primeiro-ministro que foi corrompido e pronunciado por seis crimes que ainda lhe podem valer muitos anos de cadeia.

A futebolização do país dá nisto, uma mescla de boçalidade, cinismo e fanatismo.

Ivo Rosa disse ao que vinha: colocou sob suspeita a distribuição inicial do processo e acusou o Ministério Público de incompetência e motivações políticas.

Os críticos acusam o juiz de acolitar Sócrates e demais arguidos, mas ainda ninguém aventou a hipótese de também ter sido corrompido, quiçá estar debaixo de coacção ou chantagem.

O despacho de Ivo Rosa é apenas mais um.

Coube-lhe decidir e fundamentar o seu juízo que, felizmente, está sob recurso, pelo que é grotesco fazer a discussão típica do fora de jogo e do penalti que foram ou ficaram por marcar.

O desfecho instrutório não pode ser desvalorizado, nem tão-pouco aliviados os seus termos, erros grosseiros e legalidade, porque até Sócrates e amigalhaços têm direito a um colectivo.

Para já, antes de perder tempo com o copo meio cheio ou meio vazio, importa reconhecer, sem fatalismos, que se cumpriu mais uma etapa.

A lentidão é exasperante?

É verdade!

Assim é impossível combater a corrupção?

Também é verdade.

Não está nas mãos do juiz compensar a balburdia legislativa e a falta de meios que têm condenado os megaprocessos, seja no caso Marquês ou Portucale (submarinos).

E também não cabe a Sócrates e demais arguidos, pronunciados ou não, prescindir de garantias, por mais mirabolante que seja a fabricação, mais Kafka menos Zola, do previsível truque à brasileira em curso.

O esgar que traiu Sócrates, ao vivo e a cores, em directo, no preciso instante em que o juiz o começou a tratar como mentiroso, corrupto e meliante, com estrondo, vale mais do que mil palavras.

A competência, a racionalidade e a transparência continuam a ser antídotos contra os “justiceiros” e os branqueadores de prime time.

O debate é sempre útil, porque acrescenta escrutínio, mas continua a valer o princípio da separação de poderes: à justiça o que é da justiça, à política o que é da política.

A Operação Marquês pode ser o clique que faltava para despertar os magistrados, porque Portugal está a morrer às mãos dos tribunais que estão a administrar a Justiça em nome do povo.


segunda-feira, 5 de abril de 2021

PORTUGAL: OS EXPEDIENTES E OS "NÃO-CONVERSÁVEIS"


Enquanto os direitos individuais são cortados pelos regimes "democráticos", antes e depois da pandemia, muitos continuam a olhar para o lado para melhor esconder os problemas existentes.

Aliás, poucos são aqueles que têm legitimidade para falar dos perigos do extremismo político, porque simplesmente há uma maioria que (ainda) não quer ver o que se está a passar por cá e por essa Europa fora.

À excepção de Ana Gomes e de mais uns poucos, que não cessam de denunciar que o rei vai nu, as decisões políticas de geometria variável ou o papão do fascismo que vem aí têm servido para distrair os cidadãos das brutais contradições em que vivemos.

A táctica do pragmatismo já é velha: quando algo vai mal é criado um risco de um mal ainda maior que não existe.

É assim que as democracias vão apodrecendo, hoje como ontem.

Portugal está cheio de expedientes: a lei é ilegal, mas é justa; o gesto é arruaceiro, mas fruto de uma frustração; a prioridade é salvar vidas, mas os cidadãos são condenados à miséria; em suma, há políticos que roubam, mas fazem.

Estas soluções “criativas” estão a criar um país de ficção, de faz-de-conta e de mentira em que, dia-a-dia, os portugueses se estão a deixar enredar perigosamente.

A excepcionalidade não justifica abrir a porta ao capricho ou ao arbítrio, nem a tolerância alguma vez se pode confundir com o império da bandalheira.

Os fanáticos e os “justiceiros” não acrescentam.

Mas abafar quem, com independência, enfrenta esta “arte” de empurrar com a barriga não é uma solução de futuro.

Reconhecer os cidadãos “não-conversáveis”, como se auto-intitulou Maria José Morgado, no programa “Primeira Pessoa”, da RTP, faz cada vez mais falta neste país à deriva.



 

 

 

 

 


segunda-feira, 29 de março de 2021

CAMBALHOTA

 

Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, marcados pelas cumplicidades e branqueamentos dos últimos cinco anos, entraram numa nova fase nebulosa. 

No presente momento, em que o presidente promulgou os apoios sociais aprovados pela oposição parlamentar, contra a vontade do governo, vale a pena recordar a crise de 2019.

A então ameaça de demissão de António Costa, quando esteve em causa a “lei dos professores”, foi substituída, agora, por uma pífia ameaça, em jeito de «informação ao presidente», de recurso ao Tribunal Constitucional.

Aparentemente, o presidente não deixou passar os ódios de estimação de António Costa aos privados, sejam eles trabalhadores independentes ou sócios-gerentes.

Falta saber quando os apoios chegarão aos destinatários, pois qualquer eventual recurso ao Tribunal Constitucional não os suspendem.

Seja nos anúncios que tardam em concretizar-se, seja neste caso concreto em que o governo foi vencido, uma reinvenção comporta todos os riscos.

O cimento da dupla não resistiu à conjuntura avassaladora da pandemia.

Nem à promessa de chuva de dinheiro que vem da Europa.

No primeiro caso, emerge sempre o impulso rasteiro de uma das partes tentar salvar a pele; no segundo, a redistribuição pelas clientelas obriga a todas as aventuras.

A cambalhota vai desvendar uma nova “normalidade” institucional.

Com uma leitura criativa da Constituição, Marcelo dá o primeiro sinal que o presidente e o primeiro-ministro continuam (des)amarrados, mas não consegue apagar o passado.

E os avisos à prova de crise política valem o que valem.

A tentativa de saída presidencial airosa vai obrigar a um redobrado fazer de conta no regime em que continua a valer tudo.

É uma má notícia para Portugal.

segunda-feira, 22 de março de 2021

RIO DE VOLTA


Três anos após a eleição como líder do PSD, duas derrotas eleitorais depois e decorrido mais de um ano de pandemia, Rui Rio saiu da zona de cumplicidade e conforto.

Ao propor a obrigatoriedade de deputados e titulares de cargos públicos declararem se pertencem a associações e organizações "discretas", o líder do PSD conseguiu marcar a agenda com legitimidade e razão.

É preciso acabar de vez com a suspeição que paira sobre a política e a governação.

Pena é que Rui Rio apenas tenha concentrado baterias nos "suspeitos" do costume, evitando outras classes e profissões sem as quais todos os tráficos seriam mais difíceis.

Haverá maior intrusão na esfera pessoal e privada do que o "Controle Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos"?

Não!

O princípio da transparência levou a legislar uma medida que, hoje, ninguém se atreve a contestar, ainda que a história da sua aplicação e eficácia sejam em si mesmo sinais do nosso atavismo democrático.

A obrigatoriedade de apresentação de declaração dos rendimentos, bem como do património e cargos sociais, coloca os deputados e os titulares de cargos públicos num patamar de exigência ímpar.

A transparência assim o exige, em tempos em que a responsabilidade política já finou há muito.

Mas Rui Rio não pode ficar por aqui, pois já todos conhecemos o “entusiasmo” governamental pelo combate à corrupção, nepotismo e branqueamento de capitais.

O país vai atravessar uma crise de pobreza sem paralelo, pautada por mais uma chuva de dinheiros comunitários, pelo que se justifica um escrutínio preventivo e levado a sério.

Se não há espaço para a perseguição de inimigos de estimação, certamente também não se pode repetir o que se passou com os 130 mil milhões de euros recebidos em fundos comunitários.

E não se pode deixar ao governo a tarefa de se vigiar a si próprio, dado o habitual desplante político de António Costa e o exímio fazer de conta de Marcelo Rebelo de Sousa.

A reacção descabelada à proposta de Rui Rio, que surge no seguimento de uma iniciativa do PAN, é a prova que há demasiados "elefantes" no meio do nosso regime, em que os próprios sociais-democratas não escapam.

É preciso fazer mais do que encenar escrutínios ao sabor de eleições, maiorias conjunturais e grupos mais ou menos informais ou secretos.

Temos de começar, de uma vez por todas, a enfrentar os nossos próprios anjos e demónios em nome de um país mais justo e com futuro.

Aparentemente, Rui Rio alcançou que o silêncio na oposição mata.