segunda-feira, 20 de setembro de 2021

REVIVER O PASSADO

 

Egos, decisões e corrupção, que recaem no esquecimento do tempo, têm custos extraordinários que estão mesmo ao nosso lado, no dia-a-dia, por mais que a propaganda tente escondê-los.

Da Saúde à Justiça, da Administração à Economia, da Educação à Segurança, Portugal continua mergulhado num tempo de opções avulsas, truques vis e oportunismos descarados que vão custar mais sofrimento e demorar décadas a corrigir.

Os casos de abandono e incúria do Estado, que vão enxameando o espaço mediático – qual ponta do iceberg –, vão rasgando qualquer veleidade de justiça social e até de Estado de Direito.

Uns, chamam-lhe pragmatismo; outros, encolhem os ombros; e alguns ainda confiam na globalização.

Entretanto, mais campanha menos campanha eleitoral, lá surgem as promessas desbragadas, agora sob a forma de PRR para beneficiar os da mesma cor do poder.

O que é feito da memória?

Estamos a reviver o passado que nos atirou para a miséria, com os mesmos interlocutores e métodos, beneficiando do encobrimento e passividades. 

Os mais velhos chamaram-lhe ditadura, recentemente “asfixia democrática”, enquanto os sempre apanhados de “surpresa” lá seguem o chefe.

São poucas as vezes em que é possível identificar o "culpado", anos passados de demagogia e cumplicidades diversas, das pessoais às institucionais.

Ninguém sabia de nada.

Silêncio!

Take 260921.

O povo é quem mais ordena, e à cautela uma câmara de vigilância em cada esquina.

Os homens do poder, com esta espécie de Esquerda a mandar, agarram o pau como podem, numa mão a insensibilidade social e na outra a incompreensão do desespero.

Fazem lembrar a ignomínia de ditadores e comitivas a fazerem compras nas avenidas de luxo das capitais mundiais enquanto os seus povos morrem de fome.

Vai mais uma vacina?


segunda-feira, 13 de setembro de 2021

JORGE SAMPAIO: CIDADÃO


Em 1998, assisti à sua pública preocupação por causa das pressões sobre os jornalistas, uma inquietação conhecida num congresso dos profissionais da comunicação social.

Posteriormente, cruzamo-nos um par de vezes.

A primeira, em Janeiro de 2001, durante a campanha eleitoral da reeleição.

Afastado do buliço das redacções, momentaneamente, lá fui para a estrada, acabando por enviar alguns textos para a sua equipa, obviamente pro bono.

Um instante simbólico.

Numa visita a um mercado, uma peixeira efusiva correu na sua direcção, dando-lhe um abraço tão pegajoso como as luvas cobertas de escamas.

Retribuiu.

Passados alguns momentos, a mesma peixeira, de braços no ar, voltou à carga, mas foi educadamente dissuadida:

– Outra vez, não!

Mas lá saiu mais um abraço, para euforia dos apoiantes, em troca de mais uns restos de peixe.

A um par de metros, não consegui controlar uma gargalhada que, aliás, não lhe escapou, entre um olhar fulminante e depois complacente.

Jornalista ou câmara de televisão nunca foram suficientes para o vergar.

Ao longo da campanha, além da decisiva quanto recatada influência de Maria José Rita, o que mais me impressionou foi a sua convicção, o seu olhar interessado, a forma como via e ouvia as pessoas.

A segunda, foi numa viagem de Estado à Turquia.

A lucidez sobre o papel de Portugal no Mundo impressionou-me ainda mais do que a frieza de Erdogan e a beleza estonteante de Istambul.

Político, sim, estadista também, mas sempre cidadão.

A sobriedade e a profundidade em contraste com o espalhafato e o oportunismo deixaram marca.

A ética, a integridade e a simplicidade faziam parte de o cidadão do Mundo com disponibilidade para o outro, desde o mais “dispensável” português até ao longínquo timorense e refugiado do país mais distante.

O seu mais inesperado erro: o discurso em que comparou os jornalistas a receptadores, a propósito da violação do segredo de Justiça, no auge do processo da Casa Pia.

Foi uma enorme desilusão pessoal que só ultrapassei anos mais tarde, em 2008, num encontro fortuito na Rádio Comercial.

Entre o jornalismo e o poder existe a fronteira.

Intimamente, sempre à distância, admirei o seu discurso limpo e consequente sobre o combate à corrupção.

Nunca o confundi com mais um “senhor” do regime, nem tão-pouco alguma vez reduzi a sua dimensão pública a mais um “homem bom”.

Guardo o seu exemplo de serviço, de abraço a causas e de proximidade genuína.

Nunca lhe agradeci nada, como nunca me agradeceu o que quer que fosse.

Aprendi com Jorge Sampaio que a cidadania não é um favor, e muito menos uma troca.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

A ÚLTIMA OPORTUNIDADE


O país apresentado na comunicação social vai de feição.

Com a aproximação das eleições autárquicas, vale tudo no horizonte político e mediático.

Até estamos, pasme-se, mais seguros, com menos desemprego e o SNS está a conseguir o que nunca atingiu antes e durante a pandemia.

E ninguém põe cobro a esta ficção, nem o presidente às cambalhotas, nem o líder do maior partido da oposição em estado político pré-comatoso.

Ainda a braços com a Covid, os portugueses querem acreditar no canto da velha e anafada sereia socialista.

E para aqueles que ainda não viram a luz, António Costa recorda, sem se desmanchar a rir: «prometer pouco e cumprir muito».

A descodificação dos truques de António Costa, aqui e ali, não perturba a movida socialista.

António Costa está jogar tudo no acto eleitoral de 26 de Setembro, porque é a última oportunidade no caminho para a maioria absoluta.

A vitória dos candidatos do PS deixariam o Bloco de Esquerda e o PCP ainda em piores lençóis, sem contar com a abstenção do PSD ou do CDS/PP como saída de emergência de mais um orçamento.

Nem mesmo as juras presidenciais – valem o que valem! – colocam o país a salvo do El Dorado cor-de-rosa que está mesmo aí ao virar da esquina.

Na conjuntura dada a todas as fantasias, o paraíso do dinheiro a rodos da bazuca, com ordem para gastar desenfreadamente como se não houvesse amanhã, atira o PS para o zénite.

Com os previsíveis tumultos no seio dos social-democratas, a curto prazo, António Costa já tem um pé na margem do Nirvana.

Na rodagem em curso, o embalo dos socialistas é tal que importa recordar Cavaco Silva a vergar a 26 de Novembro de 2015.

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

COSTA E O RESTO


O lembrete a Marcelo Rebelo de Sousa e a filiação de Marta Temido foram os factos políticos mais importantes do XXIII congresso do PS.

O atrevimento político de António Costa – em ambos os casos – tem um significado que ultrapassa o presente.

No primeiro, é um exercício de poder e a tentativa para salvar a Presidência da República, reflectindo as vozes que já não levam o presidente a sério, que de tanto branquear tem menos espaço para cambalhotas.

No segundo, armadilhar o caminho de quem possa ter a leviandade de atrapalhar o momento que mais lhe convier para definir o seu futuro político e pessoal.

António Costa pensa primeiro em si e depois no país, indiferente às ondas de choque de mais um tabu.

Além destas duas questões, a reunião magna dos socialistas foi de uma pobreza confrangedora, continuando a costumeira confusão entre o Estado e o partido.

Ana Gomes, que continua a tentar puxar pelo melhor do PS, fez falta.

Não tardará muito para circular, nos canais do costume, num ou em mais episódios que ou o PS alcança a maioria absoluta ou António Costa põe-se ao fresco.

As promessas anunciadas, outra vez, agora em relação à pobreza infantil, passados seis anos de governação, dizem tudo do clima de impunidade política.

Tal e qual como o discurso triunfal em relação à participação militar portuguesa no Afeganistão.

No momento do balanço, mesmo que delirante, o presidente e o governo não têm uma justificação, nem uma palavra sobre o custo da aventura que culmina em desumanidade e ignomínia políticas.

Os tiques bafientos, que fazem recordar as laudatórias do antigo regime, continuam a fazer parte das conivências pardas e das indiferenças úteis que, aliás, já nos conduziram à Troika.

A dimensão do vazio ficou ainda mais vincada com as referências ao combate à corrupção e ao acidente que envolveu o carro de Eduardo Cabrita, ambas soando a vitupério.

Rui Rio, ainda líder do PSD, apesar de o despertar tardio, continua teimosamente incapaz de perceber a razão pela qual não mobiliza os portugueses.

Bloco e PCP, sempre alerta, estão metidos numa camisa-de-onze-varas.

É Costa e o resto.

Ao nível do momento, rumo à vitória, no partido do chefe, no país adormecido pelo pântano, com a sociedade anestesiada pela pandemia e bazuca, a gracilidade final: “Nessun dorma”.