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segunda-feira, 19 de julho de 2021

DESFRUTAR DA ILUSÃO


Num país de carências e atrasos existem frases mil vezes repetidas que revelam a nossa cultura democrática.

É um exercício revigorante anotar o que para aí se vai dizendo a cada momento de tensão política, sobretudo quando o poder é beliscado.

Face ao crescente número de cidadãos que recusa a ser tratado como gado, e que exige informação credível a tempo e a horas, lá vem a resposta: Coitado, não queria estar na pele dele!

Invariavelmente, os que estão sempre de dedo encolhido, face aos que estão sempre com ele esticado, acrescentam: É um génio da política!

Ora, perante este dislate crónico, para o qual ainda não há vacina, a cereja em cima do bolo: É ladrão, mas lá vai fazendo!

A degradação a que assistimos, com tendência a agravar com a crise, é cristalina: por exemplo, há uns anos, uma investigação criminal era fatal, hoje uma pronúncia em Tribunal é um mero acidente de percurso na política.

Portugal divide-se entre insatisfeitos, sempre prontos a criticar, e aqueles que, com cartão partidário, mais ou menos contentes, estão sempre ferverosamente na linha da frente do branqueamento.

Confundindo o bom e o mau, o erro e o vício, o voluntarismo e o oportunismo cavamos ainda mais o pântano.

Nem a combinação milagrosa da desfaçatez e da arrogância políticas, tão bem ilustradas por Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, tem sido suficiente para despertar.

A encenação é tal que o assassinato de um imigrante, o terror de Odemira e o espectáculo dos negócios sujos não nos impedem de darmos lições de Direitos Humanos.

Não reagimos a cada canelada que o poder nos dá, porque vergamos, como se o voto lhes desse o direito de pôr e dispor da vida das pessoas sem explicações, sem responsabilização, sem escrutínio.

Talvez, por isso mesmo, somos capazes de nos quedar pela prisão de um primeiro-ministro, banqueiro ou dirigente desportivo ao mesmo tempo que toleramos a eternização dos compagnons de route.

Cada passo na direcção da civilização não faz uma Democracia perfeita, mas desvalorizá-lo equivale a passar uma esponja por todos os abusos.

Leis restritivas e censórias, mais dívida e propaganda estão a embalar um colectivo desfrutar da ilusão, uns usufruindo, outros gozando e os mesmos de sempre punidos pela falta de alternativa.