quinta-feira, 9 de junho de 2011

Presidente da República versus opinião livre

O presidente da República sentiu-se ofendido e o procurador-geral da República, Fernando Pinto Monteiro, avançou com um processo contra o director da revista Sábado, Miguel Pinheiro, acusado do crime de ofensa à honra do chefe de Estado.

Não conheço pessoalmente o jornalista, e sou daqueles que não tinha lido a coluna de opinião 'Sobe e Desce', de 27 de Janeiro, mas depois de a ler não consegui identificar qualquer ofensa grave.

Por ser um caso de interesse público, importa recordar as 24 palavras que incomodaram SEXA: «Tal como Fátima Felgueiras e Isaltino Morais, Cavaco Silva acha que uma vitória eleitoral elimina todas as dúvidas sobre negócios que surgem nas campanhas».

Ora, o que está em causa, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, não é um qualquer juízo de valor sobre a idoneidade do presidente da República.

A afirmação reflecte a falta de esclarecimentos suficientes sobre os negócios privados do cidadão Aníbal Cavaco Silva e uma opinião ancorada numa percepção generalizada de que as vitórias eleitorais parecem ungir de tal forma os eleitos que mais parecem divindades intocáveis.

Aliás, não é por acaso que o Ministério Público tem sido criticado por, em investigações da maior sensibilidade, não ter constituído como arguidos personalidades investidas nas mais altas funções executivas do Estado.

A hipersensibilidade consequente a propósito do Estado de Direito seria bem mais útil ao país do que a reactividade litigante contra a opinião de um jornalista, tanto mais que a reeleição do presidente não apagou da memória dos portugueses a célebre declaração ao país sobre a vigilância a Belém, entre outras.

Mas isso implicaria, e ainda que seja uma opinião subjectiva, uma nova cultura institucional ao mais alto nível do Estado.

Sejamos claros: os jornalistas têm o direito e o dever de investigar, e até de opinar, sobre este como outros casos que envolvem dirigentes políticos, quer eles gostem ou não.

Porém, para gozar de máxima liberdade, o Jornalismo tem de assumir a máxima responsabilidade, pelo que é aconselhável a todos os profissionais da comunicação social a leitura do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O lado paradoxal da derrota da esquerda


Numa primeira análise dos resultados eleitorais, a derrota à esquerda é muito mais séria e paradoxal do que era possível de imaginar.

Em primeiro lugar, é uma derrota séria porque a esquerda passou a ser globalmente minoritária.
PSD e CDS passaram a pesar mais do que PS, PCP e BE.

Em segundo lugar, é uma derrota paradoxal porque a esquerda, a verdadeira esquerda, não transferiu o voto para os comunistas e bloquistas, como era previsível.

Ou seja, o partido supostamente de esquerda, que governou à direita nos últimos seis anos, foi despedido pelo voto do centrão e não pelo voto da verdadeira esquerda.


Ou dito ainda de uma outra forma, a maioria de direita acabou por ser eleita pelos eleitores do centrão (tanto votam PS como PSD), para quem Sócrates piscou o olho, nos dois últimos anos, com o maior descaramento.

Haverá maior paradoxo eleitoral do que este?

Ainda é cedo para tirar conclusões, mas urge uma explicação sócio-política para este fenómeno eleitoral.

Como se não fosse suficiente, outro argumento pode ainda adensar mais as dúvidas numa primeira leitura dos resultados.


De facto, a campanha milionária do PS acabou por conseguir estancar a previsível transferência de votos para a sua esquerda, isto é, o marketing político acabou por condicionar o voto dos intelectuais mais à esquerda, enquanto o eleitor tipo não foi em cantigas e demais folclores.

As eleições de 5 de Junho podem ser resumidas assim: a Maria, o António, o comerciante da esquina, o reformado da guerra colonial, o empresário do carro desportivo e o senhor da vivenda ali ao lado foram votar e correram com Sócrates; por sua vez, a maioria dos intelectuais do PS e dos jovens irreverentes do Bloco de Esquerda optaram por ficar em casa; por último, os comunistas provaram mais uma vez que assim se vê a força do PêCêPê.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A surpresa eleitoral

Sem poder esconder que está refém dos compromissos assinados com a Troika, os últimos trunfos deste PS têm sido centrados na campanha do medo e num apelo lancinante ao consenso e/ou ao Bloco Central.


Este PS, cada vez mais isolado, deixou de contar para qualquer tipo de cálculo pós-eleitoral, tanto para a esquerda como para a direita.


Na recta final da campanha eleitoral, a grande interrogação é a seguinte: qual vai ser o voto do eleitorado verdadeiramente de esquerda?


Com a previsível eleição de uma maioria de direita, que elimina qualquer vantagem do voto útil no PS, os indefectíveis de Sócrates, incluindo o próprio, entraram em pânico com a perspectiva do ressurgimento de um sentimento capaz de dar maior expressão eleitoral à esquerda fiel aos seus compromissos e ideais.


É que a verdadeira esquerda está desiludida com a governação de Sócrates pelo que pode concentrar o apoio no Partido Comunista e no Bloco de Esquerda, garantindo uma oposição forte e determinada a enfrentar um governo de maioria PSD/CDS-PP.


O comportamento do eleitorado de esquerda, da verdadeira esquerda que não se revê em José Sócrates, António Costa, António Vitorino, Augusto Santos Silva e Francisco Assis, entre outros, vai ser o principal ponto de interesse da noite eleitoral do próximo dia 5 de Junho.


segunda-feira, 30 de maio de 2011

Cinco dias para mudar

A situação política portuguesa continua refém de um abandalhamento extraordinário do debate público, num tempo de "salve-se quem puder".

Sustentada por operacionais e especialistas que mais parecem mercenários da informação, a propaganda tem conseguido manipular, esconder e até adulterar os factos, condicionando a percepção da realidade de uma forma impressionante.

Como nunca tinha sido visto, o país é confrontado com uma agenda em que nada é esclarecido com rigor e até ao fim, em que a responsabilidade morre solteira.

Num momento dramático, o que resta da imprensa plural, e dos jornalistas livres, já não é suficiente para inverter o curso desastroso da informação.

Em Portugal, o que é, já não é. E o que nunca foi, talvez ainda possa vir a ser.

Neste ambiente, em que nada é transparente, o líder da equipa responsável pela pior crise portuguesa continua ainda a discutir, pelo menos nas sondagens, o resultado das eleições de 5 de Junho.

Por isso, a cinco dias de poder contribuir para a mudança, é fundamental mobilizar quem tem estado calado e tem obrigação de falar, quem ainda está indeciso, mas tem o dever de escolher.

E que não haja qualquer dúvida: A falsa "união nacional" que nos querem impor apenas visa tentar branquear a governação politicamente criminosa e perpetuar a corrupção que continua a beneficiar o sistema que domina a seu belo prazer políticos e dirigente iníquos.

O que está em jogo, agora, é tão importante que não é possível ser um cúmplice passivo da crise que Portugal está a atravessar.

O exemplo de quem não tem medo de enfrentar o poder do presente é essencial para o país poder ter esperança num futuro melhor.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Por portas travessas

O debate entre Paulo Portas e José Sócrates foi esclarecedor. Muito mais esclarecedor do que a evidência da responsabilidade de Sócrates no estado de bancarrota em que atolou o país.

O líder do CDS/PP estava preparado para a cassete de Sócrates, mas não estava devidamente preparado para prestação de Judite Sousa, designadamente para uma pergunta incisiva.

E qual foi a pergunta a que o líder do CDS/PP não respondeu, taxativamente, como é seu timbre, sobretudo quando não tem nada na manga?

Num cenário de vitória eleitoral do PS, com maioria simples, o líder do CDS/PP está disponível para governar com o líder do PS?

A resposta foi hábil: sem nunca dizer "Não", taxativamente, Portas deu a entender, com argumentos verdadeiros e factuais, que nunca fará governo com José Sócrates.

Mas, por incrível que possa parecer, ou não, nunca disse a palavra "Não".

Quem conhece Paulo Portas, sabe que se ele recusa dizer, taxativamente, que "Não" formará governo com José Sócrates, então é caso para tentar saber o que está a acontecer nos bastidores, quiçá, por portas travessas.

E das duas uma: Ou Portas esclarece qual vai ser a sua posição sobre uma eventual aliança com Sócrates, ou Sócrates esclarece o que eventualmente sabe (insinuou, mas não disse!), durante o debate, sobre os submarinos.

Tempo e campanha não faltam.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Carta aberta a Pedro Passos Coelho

Exmo. Senhor
Pedro Passos Coelho,
Face à tragédia em que o país vive, e no âmbito da candidatura que protagoniza a primeiro-ministro de Portugal, eis algumas questões de um cidadão que está farto de assistir a uma sui generis e impune governação/campanha/propaganda.
Assim, e ainda mais importante do que apresentação do programa de governo do PSD, pode V. Ex.ª garantir aos portugueses que, sob a S. liderança, o futuro governo:
1. Não perseguirá cidadãos/jornalistas no exercício do direito constitucional de escrutínio, crítica e/ou opinião?
2. Não pressionará as empresas de comunicação social, entre outras, para afastar este ou aquele cidadão/jornalista incómodo?
3. Assume o compromisso de propor nomes credíveis e profissionalmente reconhecidos, sujeitas a posterior validação em sede parlamentar, para liderar os órgãos de comunicação social públicos?
4. Está disposto a indicar, desde já, um nome para a liderança do Ministério Público capaz de, inequivocamente, garantir o princípio da legalidade?
5. Assume o compromisso de não tentar condicionar, directa e/ou indirectamente, juízes, procuradores e investigadores criminais mesmo que estejam em causa investigações sobre actos, políticos e/ou pessoais, de membros do governo ou outros com notória e pública relevância e influência nacionais?
6. Não enxameará a Administração de boys, apenas por terem um determinado cartão partidário?
7. Não se servirá dos mais sensíveis departamentos de Estado para vigiar, condicionar e/ou perseguir críticos e adversários políticos?
8. Prescindirá da capacidade de nomeação de altos dirigentes, para organismos de escrutínio e de controlo, para acautelar interesses diversos e insondáveis, em detrimento da legalidade e do interesse colectivo?
9. Procederá a uma reestruturação dos organismos de controlo e de escrutínio de forma a garantir que estão ao serviço da comunidade e não ao serviço das estatísticas favoráveis ao governo?
10. Procederá a uma revisão das nomeações para as comissões parlamentares, evitando que estas mais pareçam associações de defesa de sectores e/ou de interesses destas ou daquelas empresas privadas?
11. Procederá a uma avaliação da legislação, em sectores vitais da Economia e das Finanças, entre outros, promovendo uma transparência que permita eliminar todos os alçapões legais que favorecem e/ou rendem fortunas a privados?
12. Eliminará qualquer suspeita de que a legislação em vigor, que confere ao Estado um poder de discricionariedade na aprovação de negócios/empreendimentos, tenha como objectivo, entre outros, o financiamento partidário ilícito?
13. Denunciará as grandes transacções de armamento, em que Portugal intervém como país terceiro e /ou de trânsito?
14. Procederá à avaliação de todas as operações contabilísticas do Estado, criativas e/ou virtuais, que permitiram que o país tenha chegado ao actual Estado de desastre?
15. Determinará uma política externa assente no respeito pela soberania nacional e pelo Direito Internacional, em detrimento de um falso pragmatismo e de operações negras, clandestinas e/ou criminosas com a cumplicidade, por acção e/ou omissão, de entidades públicas nacionais?
16. Respeitará a fiscalização da Assembleia da República, cumprindo o dever de informação e de resposta às questões de todos os Deputados?
17. Não usará os dinheiros públicos como se fossem recursos partidários para atingir fins pessoais e eleitoralistas ?
18. Determinará uma ampla reforma em sectores vitais como a Justiça, a Fiscalidade, a Saúde e a Segurança Social de forma a garantir o Estado Social e evitar os actuais estrangulamentos estruturais?
19. Não condicionará empresas/empresários por manifestarem divergências políticas?
20. Está disponível para revelar os rendimentos e património pessoal antes e depois de ocupar o poder?

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O português chico-esperto

Depois do primeiro embate provocado por medidas de austeridade avulsas, os portugueses ainda não assimilaram a verdadeira amplitude da crise económica e financeira, aliás, de dimensões ainda não totalmente conhecidas.

A falta de verdade no discurso político pode servir como justificação para esta atitude pautada pela indiferença, até cegueira nalguns casos, que tem levado à crescente e manipuladora tentativa de desvalorizar a responsabilidade de José Sócrates no buraco em que meteu o país, de mentira em mentira, de truque em truque.

Não é por acaso que as negociações do governo com o FMI continuam mansamente, deixando ainda muito espaço para o debate político em clima de pré-campanha eleitoral.

A explicação para o ambiente surrealista que o país atravessa é bem mais prosaica do que muitos têm tentado propalar, pois está sustentada num caldo explosivo que está aí à vista de todos:
1.    O Estado omnipresente que, apesar de todo o esbanjamento criminoso, ainda é visto como a última tábua de salvação;
2.     O primeiro-ministro que já deu provas de que é capaz de tudo, inclusive comprometer o futuro do país, para manter o poder;
3.     A máquina de propaganda do poder que continua a convencer a sociedade que não há limites para uma assistência eterna;
4.    A falta de exigência da opinião pública em relação a uma comunicação social cada vez mais refém;
5.    A atitude colectiva, ao jeito do chico-esperto, de que somos capazes de dar a volta aos nossos credores num piscar de olhos.


A simbiose entre estes cinco elementos é bem mais perigosa do que a eventual incapacidade colectiva para enfrentar com realismo e determinação o actual estado de pré-falência.

As eleições legislativas antecipadas de 5 de Junho são a última oportunidade para provar que somos capazes de quebrar esta lógica infernal, de assumir uma atitude responsável e de encontrar uma solução governativa capaz de liderar o país com verdade, competência, e rigor.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O fim de Sócrates

A entrevista do primeiro-ministro à RTP marca um ponto de viragem na actual crise.

Num par de minutos, ficou bem patente o perigoso fosso que separa a realidade do chefe do governo.

De facto, Portugal continua nas mãos de um primeiro-ministro barricado nas suas próprias mentiras, contradições e ilusões.

Por melhor que seja o estilo e o calibre da capacidade de negação, não há dúvida: estamos onde estamos porque o governo não conseguiu criar o consenso necessário para salvar o país do risco da bancarrota.

A evolução das taxas de juro do dinheiro que temos de pedir emprestado ao estrangeiro para sobreviver é de tal forma alucinante que só não vê quem não quer ver.

Enquanto o presidente do BCP, Santos Ferreira, em entrevista na TVI, fazia um apelo lancinante a um rápido pedido de ajuda internacional, o primeiro-ministro assegurava do alto da sua leviandade e irresponsabilidade políticas que Portugal não precisa da intervenção do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF).

Será que o país pode continuar a ser arrastado, diariamente, para um abismo por causa da táctica politiqueira do primeiro-ministro limitado a funções de gestão?

Não.

Se é inquestionável que o voto é a única forma de ultrapassar uma crise em Democracia, também é verdade que as instituições têm de funcionar de forma a colocar um ponto final nesta vertigem.

O presidente da República não pode ficar parado a assistir a um primeiro-ministro que fala de prestígio do país às segundas e passa o resto da semana de mão estendida para obter financiamento externo a qualquer preço.

Aníbal Cavaco Silva tem de agir rapidamente, garantindo que o futuro não está a ser definitivamente hipotecado por quem já perdeu toda a credibilidade e sentido de Estado.

Portugal não pode continuar a ser arrastado para uma espécie de roleta russa por causa do aventureirismo de um líder político que recusa aceitar que chegou ao fim da linha.

terça-feira, 8 de março de 2011

Portugal sem tempo


António Barreto tem sido uma das vozes mais esclarecidas da República.

Uma das suas últimas declarações constitui uma síntese perfeita do momento político: «Sócrates resiste porque quer ser vítima: De Cavaco, de uma moção de censura ou do estrangeiro».

Hoje, já ninguém tem a menor dúvida que José Sócrates já percebeu que vai ser apeado do poder, por causa de uma governação politicamente indecente, cujos limites ainda não são totalmente conhecidos da opinião pública.

Aliás, o primeiro-ministro já não governa ou sequer tenta reconquistar a confiança dos portugueses.

A única prioridade de José Sócrates é adiar o inevitável despedimento político por justa causa, de forma a melhor preparar o futuro como cidadão e político.

No meio do turbilhão em que o país vive, com as taxas de juro do dinheiro que o país pede ao estrangeiro a atingirem diariamente novos recordes, há limites para tudo, sobretudo para a tolerância com quem só tem como argumento o agitar do fantasma dos inimigos internos e externos, dos especuladores internacionais e da crise mundial para tentar disfarçar uma governação eleitoralista que atirou o país para o abismo financeiro.

Obviamente, não faltam as vozes da corte do costume, com mais ou menos barões do regime à mistura, a pedirem estabilidade, a clamarem por mais tempo para o governo.

Mais tarde ou mais cedo, vai ser necessário pedir contas a estes "senadores" da República que são sistematicamente cúmplices do poder, por ingenuidade, cálculo político ou por manifesto interesse partidário, quiçá por causa da própria vidinha.

Em Democracia, há momentos que exigem clarificação e confiança no voto dos portugueses, e não complacência com o extraordinário abandalhamento da vida pública, que está a liquidar a esperança dos portugueses num futuro melhor.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A luz ao fundo do túnel


O estado de decomposição do governo está a contaminar o país.

Portugal não pode continuar num estado de ilusionismo que está a liquidar a economia, o emprego, a justiça, a juventude e até a comprometer o futuro.

Hoje, a maioria considera que chegou o tempo de dizer basta a José Sócrates, que passou a fazer parte da crise.

Com um governo desfeito, de anúncio em anúncio, alguns deles a roçar a demência política, tal o nível de negação, chegou o momento da clarificação e de confrontar a liderança da governação com o actual estado do país.

José Sócrates poderia ter tomado a iniciativa, apresentando uma moção de confiança no Parlamento, enfrentando de frente uma crise de legitimidade crescente e evidente.

O primeiro-ministro, num gesto de cobardia política, fugiu às responsabilidades e preferiu o caminho da ilusão, da negação e do estafado argumento da estabilidade para tentar, a todo o custo, manter o poder, na esperança de que novos ventos europeus disfarcem a crise em que o país está profundamente mergulhado.

A situação chegou a um tal ponto de surrealismo que o Bloco de Esquerda, ainda ferido de uma derrota estrondosa nas eleições presidenciais, avançou com inegável sentido de responsabilidade: colocando em cima da mesa uma moção de censura.

Em Democracia, é assim: a hora da verdade chega sempre, mais tarde ou mais cedo.

Já sabemos de que lado estão Francisco Louçã e Jerónimo Sousa, e até podemos antecipar qual é a posição de os portugueses.

Agora, só falta Paulo Portas e Pedro Passos Coelho assumirem as suas responsabilidades, manifestando a disponibilidade para enfrentar eleições e, quiçá, assumirem a governação num dos momentos mais graves da história portuguesa.

No dia 10 de Março, Portugal tem uma nova oportunidade para apear, enquanto ainda tem futuro, o pior primeiro-ministro da história da Democracia.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Roleta russa


A crise que invadiu o país é cada vez mais perceptível nas conversas do dia-a-dia.

Os encontros de circunstância, o desabafo entre vizinhos e o reencontro de amigos acabam invariavelmente no assunto da actualidade: a crise.

Longe dos bastidores do poder e dos corredores frequentados por uma espécie de casta privilegiada, os portugueses começam a fazer contas à vida enquanto são bombardeados, diariamente, por discursos contraditórios.

Entre o discurso delirante do primeiro-ministro e afins e as críticas contundentes ao governo da parte do candidato presidencial Cavaco Silva, a única certeza é mesmo o clima de incerteza.

Suspenso por operações financeiras que deveriam ser de mera rotina, mas que passaram a ser de inquestionável sobrevivência, o cidadão começa a perceber que a política aventureira, irresponsável e suicida, pontuada por truques e mais truques, tem um limite incontornável: o tempo.

A cada emissão de dívida pública, o país inteiro tem de suster a respiração até ficar a saber qual a taxa de juro alcançada.

Aliás, o estreitamento da taxas de juro entre as colocações de dívida pública a curto, médio e longo prazo reflectem o impasse em que nos encontramos.

E coloca a dúvida fundamental: como vai ser possível viver a este ritmo de incerteza, durante 2011, com a necessidade de pedir emprestado mais de 45 mil milhões de euros

Ao fim de quase seis anos de liderança de José Sócrates, os portugueses estão confrontados com uma escolha decisiva: a racionalidade ou o jogo de roleta russa.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

BPN: Elite escondida com banco de fora


O caso não é só uma fraude de milhares de milhões de euros.

Nem tão pouco é possível reduzi-lo às acções do actual presidente da República que teve o engenho e a arte de realizar mais valias chorudas, enquanto outros cidadãos perderam fortunas acumuladas ao longo de uma vida.

Com mais ou menos escrutínio da comunicação social, ninguém ignora que o BPN era tratado em privado, à boca cheia, como um caso de polícia.

Seguramente, também ninguém ignora que as instituições de controlo, regulação e investigação criminal nunca demonstraram particular interesse em incomodar atempadamente o banco ligado ao antigo Conselheiro de Estado, Manuel Dias Loureiro, que pairava sobre a instituição como uma espécie de certificado de solvabilidade.

Mais do que a eventual protecção a uma facção de ilustres e poderosos, também ninguém pode ignorar que desde o anúncio da privatização dos prejuízos do BPN, ordenada por José Sócrates, em Novembro de 2008, um novo manto de opacidade tombou sobre a gestão do banco que passou a ser do regime, à custa de mais de 3,5 mil milhões de euros a pagar pelos contribuintes.

O caso do BPN reflecte a imagem de um país em que uma elite influente e informada enche os bolsos enquanto faz de conta que não sabe o que se passa à sua volta.

Mas é mais, muito mais, que também deveria merecer um debate aprofundado.

É a prova que os portugueses continuam a tolerar que uma determinada nomenclatura beneficie da alta corrupção, da informação privilegiada e do favorecimento pessoal.

Só assim é possível aceitar que um presidente da República, um primeiro-ministro ou qualquer outro governante recusem dar explicações sobre o seu património pessoal.

Afinal, este e outros casos, em Portugal, explicam por que razão uma verdadeira lei contra o enriquecimento ilícito continua a ser uma miragem.