O país aparece dividido entre os “bons” e os “maus”, entre os “sensíveis” da esquerda e os “insensíveis” da direita.
O grotesco da argumentação justifica a clarificação do que está a montante desta controvérsia política estéril e medíocre.
Em primeiro lugar, é preciso não esquecer que foi a esquerda no poder, os tais “sensíveis”, que atiraram o país para a assistência internacional e para a austeridade imposta pelos credores externos.
Em segundo lugar, e ao contrário do que afiançaram os mesmos que agora vociferam contra Angela Merkel, importa recordar que a criação da União Monetária, iniciada em Maastricht em 1992, serviu mais os países ricos do que a coesão económica e social.
Em terceiro lugar, é preciso afirmar que, hoje tal como ontem, os governantes continuam a adiar as reformas estruturais, quiçá por continuarem capturados pelas suas clientelas e outros interesses difusos.
Chegados aqui, a conclusão impõe-se: se o tresloucado endividamento foi politicamente criminoso, actualmente é impossível ignorar o desemprego, a miséria e o desespero dos jovens.
Com a Grécia com um pé dentro e outro fora da zona euro, o sonho europeu está em risco. E das duas uma: ou Portugal fica à espera da bonança entre os 27 e de uns trocos para camuflar os seus problemas, ou começa a arrumar a casa para estar preparado para enfrentar qualquer cenário.
Neste momento, acreditar que todos os problemas internos se resolvem com mais fundos europeus é um suicídio colectivo.
Mesmo que se chegue a acordo para utilizar as obrigações destinadas a projectos específicos (os chamados “project-bonds”) em países que precisam de investimentos como pão para a boca, como a Grécia, Portugal, Espanha e Itália, é preciso asseverar, inequivocamente, que, mais uma vez, os países mais poderosos e os seus bancos e empresas serão os principais beneficiários, em detrimento das pequenas e médias empresas nacionais.
Ou metemos mãos à obra para resolver internamente o que já deveria ter sido resolvido há décadas, ou continuaremos totalmente dependentes do que vier a acontecer em termos europeus e mundiais.
As cenas ultrajantes a que continuamos a assistir não se cingem às secretas, existem outros episódios para provar que ainda há muito, mas mesmo muito para mudar: em vez de um quadro institucional regular, o Presidente da República e o procurador-geral da República paralisaram quando confrontados com a notícia de um crime público por parte de um governante; em vez de um sistema financeiro sólido, uma rede de lavagem de dinheiro, com indícios de ligação à banca e à política, chegou à luz do dia; em vez de uma administração exigente e competente, foram contratualizados investimentos públicos da ordem dos 10 mil milhões de euros porque um ex-governante não deu a informação toda ao Tribunal de Contas; por último, em vez de um quadro claro e estável para atrair investimento, andamos a vender vistos de residência VIP por um punhado de euros.
Assim, e por mais promessas dos líderes dos partidos do arco da governação, não há crescimento capaz de arrancar ou de subsistir, com mais ou menos “bonds”.