sábado, 22 de setembro de 2012

Crise, submarinos e PGR


O golpe do líder do CDS-PP, o anúncio atabalhoado da TSU e a grande manifestação do passado dia 15 resultaram num despertar extraordinário da consciência cívica dos portugueses.

A sociedade portuguesa, qual panela de pressão à beira de rebentar, não aguentou e foi para a rua, civilizadamente, manifestar o protesto por anos e anos de atropelos e desrespeito pelas mais elementares regras do jogo democrático.

Infelizmente muitos confundiram o silêncio e a resignação dos portugueses com sinais de passividade. Outros até querem, à viva força, reduzir os protestos a uma mera reacção ao anúncio da subida da TSU. Mas não é por acaso, certamente, que a contestação se demarcou de todos os partidos políticos, beneficiando da ampliação cirúrgica dos órgãos de comunicação social desesperados por mais vendas e audiências.

Com mais ou menos conclave de líderes da maioria, reunião partidária de barões partidários, debate parlamentar ou maratona do Conselho de Estado, a verdade é que a situação já escapou ao controlo das instituições.

Acabou o tempo dos discursos habilidosos de um lado e do outro, pois os protestos estão a visar muito mais do que a austeridade brutal.

Se o poder político quiser sobreviver tem de evitar encenações institucionais ridículas e rituais de autoridade patéticos.

A descredibilização da presidência, a demagogia da oposição parlamentar e os sucessivos erros de Passos Coelho, a propósito das nomeações de boys, da privatização da EDP, da polémica das secretas e da manutenção de Miguel Relvas em funções, entre muitos outros, criaram um rastilho suficiente para fazer deflagrar a bomba da indignação.

Os portugueses estão a dar sinais visíveis e audíveis de que não estão dispostos a fazer mais sacrifícios enquanto permanecerem as suspeitas de corrupção, de nepotismo, de mentiras descaradas e de negociatas de Estado, enfim, de distanciamento do poder em relação aos cidadãos. As avaliações positivas da troika já não são suficientes.

Pela primeira vez, o habitual paleio daqueles que usam e abusam da dicotomia da esquerda e da direita foi por água baixo. Afinal, não é só Passos Coelho que está à beira de se afogar. É o todo o espectro político que passou a navegar em alto mar à beira do desastre.

Chegados aqui, resta perguntar: qual vai ser o epílogo deste despertar dos portugueses?

Neste momento, ninguém sabe.

Todavia uma coisa é certa: acabou o tempo em que os portugueses se limitavam a votar ordeiramente quando eram chamados às urnas.

Chegou a hora da governação com sentido de proximidade.

As últimas manifestações têm de ser olhadas com a atenção. É fundamental provar aos portugueses que os problemas que estão há décadas a montante das questões económicas e financeiras, como a Justiça, serão abordados com seriedade.

Não é de admirar que os portugueses concentrem as atenções, por exemplo, na triste novela dos submarinos e do desaparecimento dos contratos, entre outros escândalos judiciais que são atirados para debaixo do tapete com um descaramento inaudito.

Por isso também acabou o tempo do benefício da dúvida concedido a Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça.

A escolha do próximo procurador-geral da República pode ser o último balão de oxigénio desta democracia formal, que já perdeu há muito tempo o respeito por si própria.

A escolha de um nome que resulte apenas de mais um mero entendimento partidário, institucional e sindical pode ser o passo irreversível em direcção ao abismo.

A hora da mudança também chegou, finalmente, a Belém e a São Bento.

sábado, 15 de setembro de 2012

A lição do aumento da TSU



A razão venceu a demagogia na última entrevista do primeiro-ministro à RTP.

Com uma serenidade impressionante, Passos Coelho explicou as medidas anunciadas, desmontando as críticas que têm atingido um volume tal que, rapidamente, se estão a virar contra quem as tem proferido.

No entanto, o brilhantismo com que o primeiro-ministro enfrentou as perguntas dos dois jornalistas, que demonstraram uma intranquilidade desnecessária, foi suficiente?

Não.

O mal já estava feito. E o erro persistiu, ao não dar a mão à palmatória, quando não teve coragem de assumir, claramente, que o anúncio do aumento da Taxa Social Única foi precipitado pela necessidade de apresentar uma solução de último recurso para evitar qualquer risco de um eventual chumbo da troika.

Certamente, ao assumir o risco do falhanço, as críticas teriam chovido de todo o lado, mas teria usufruído dos benefícios de ter conseguido chamar os portugueses para o lado da emergência nacional, para o posterior sucesso da quinta avaliação positiva da troika e para a necessidade de travar o aumento do desemprego a curto prazo.

O resultado de não falar toda a verdade aos portugueses está aí à vista de todos. Os principais responsáveis pela crise desabriram em palpites sobre uma medida que, pasme-se, ainda ninguém sabe como vai ser aplicada, chegando ao delírio de contabilizar quantos salários os portugueses vão perder por ano.

O disparate repetido à exaustão, por uma comunicação social que não quis ou não conseguiu escrutinar a verdadeira motivação do timing do anúncio da medida, resultou numa instabilidade com repercussões ainda desconhecidas.

Ainda que mantenha a preocupação em informar os portugueses da gravidade da situação, Pedro Passos Colho ficou, mais uma vez, a meio caminho do seu indeclinável dever.

A hesitação em assumir as responsabilidades no falhanço das metas anunciadas, que o deixaria debaixo de fogo político, abriu as portas aos seus inimigos, a quem ainda não deixou de sonhar com voos mais altos e, sobretudo, a todos aqueles que estão a ver em perigo todo o tipo de mordomias que atiraram o país para a dependência de credores estrangeiros, sejam eles trabalhadores ou patrões, parceiros políticos ou adversários partidários.

É sempre reconfortante ouvir um primeiro-ministro reafirmar que ouve as partes, mas que é ele o último responsável e decisor. Todavia, para governar pela própria cabeça, sem obter previamente os améns dos senadores, banqueiros, empresários, sindicatos, lobbistas e intermediários dos grandes interesses, Pedro Passos Coelho não pode dar o flanco. Tem de apresentar resultados e não pode colocar o governo refém de um ministro que já devia ter sido demitido há muito tempo, e que, ainda por cima, insiste em falar do além.

Num momento decisivo para Portugal, Passos Coelho não tem que se preocupar com as quezílias com Cavaco Silva, ou com as tentações políticas de Paulo Portas, ou com a sofreguidão que alguns demonstram em regressar ao poder, ou mesmo com as crises políticas mais ou menos encenadas.

O maior inimigo do primeiro-ministro é ele próprio, quando teme ser o que prometeu ser, quando treme no momento de fazer os mais ricos pagar a crise, quando vacila em enfrentar os lóbis e os grandes interesses, quando coloca o interesse nacional refém das suas amizades e clientelas.

A margem de manobra do governo só estreita quando o primeiro-ministro se distrai do essencial: falar toda a verdade aos portugueses.

sábado, 8 de setembro de 2012

Brincar com o fogo



Pedro Passos Coelho já conseguiu modificar uma parte das práticas e das mentalidades que conduziram o país ao desastre, mas a verdade é que ainda sabe a muito pouco, continua por consolidar a verdadeira mudança prometida.

No essencial tudo permanece na mesma. Os ricos escapam à crise, os poderosos esmagam os mais fracos, a justiça não trava os arbítrios, a burocracia permanece imperial, os abusos confundem-se com a segurança, os lucros particulares sobrepõem-se ao interesse nacional, os negócios de Estado transformam-se em negociatas privadas.

Por isso, e numa análise serena ao último discurso de Pedro Passos Coelho, temos de admitir que o país está a atingir um patamar que nos pode trazer mais problemas do que vantagens.

Com a coligação governamental paralisada por chicanas e com a oposição cada vez mais crispada, o anúncio de mais um aumento de impostos constitui uma rampa de lançamento para uma nova etapa da contestação social.

É neste ambiente pesado que vai ser anunciada a quinta avaliação da troika, mas começa a ser cada vez mais evidente que os nossos verdadeiros problemas estão a montante dos modelos, das estatísticas, dos indicadores e até do financiamento externo.

O país continua a viver de farsa em farsa, como revelam as últimas semanas: a propaganda do bom aluno convive pacificamente com os sucessivos falhanços dos objectivos; o governo que devia ser de salvação nacional continua encalhado em Miguel Relvas; Paulo Portas submerge nas profundezas de novas suspeitas sobre os submarinos; face a mais um apertão fiscal, lá veem os boys garantir que não há aumento de impostos; enquanto os cortes afectam o serviço público de saúde, educação, justiça e segurança, a corte do costume enche a boca com a RTP.

Está a faltar qualidade, estratégia e seriedade. Certamente, não é por acaso que o investimento estrangeiro que está a chegar vem de Angola e da China, sabe-se lá em que condições.

Numa época em que o país está a ser consumido pelos incêndios, é caso para dizer que os maiores pirómanos estão no governo.

O governo não pode continuar a prometer que vai fazer para depois recuar quando estão em jogo os grandes interesses; a coesão da coligação não pode estar dependente de tricas partidárias e do ritmo de investigações judiciais; a repartição dos sacrifícios tem de ser mais justa.

Os portugueses estão a começar a ficar fartos de quem está sempre disponível para engolir a dignidade, desde que estejam em causa os seus próprios interesses particulares.

Já não bastam as habituais encenações e os estafados truques da pose de Estado, do corpo às balas e do punhado de sound bytes para alterar a enorme desconfiança em relação ao governo a perder gás e à oposição cada vez mais delirante.

A questão também já não são só os fumos de iniquidade, corrupção e fadiga fiscal, o que está verdadeiramente em causa é a sobrevivência do regime democrático.

É que uma nova maioria está ressurgir, sem uma clara definição política e doutrinária, manifestando abertamente o repúdio por esta democracia formal que não se dá conta do imenso ridículo em que está a mergulhar, com mais ou menos senador à mistura a debitar um discurso instrumental e incendiário.

Há cada vez mais vozes a desejar uma nova crise política, quiçá a escolha de um governo minoritário ao jeito italiano. Pode ser que Aníbal Cavaco Silva o receie. E esperemos que Pedro Passos Coelho o evite, custe o que custar, colocando a governação nos eixos.

Até para quem anda a brincar com o fogo tem haver sempre mais uma oportunidade.

sábado, 28 de julho de 2012

Que se lixe Passos Coelho



      Depois dos cortes e sacrifícios brutais, lá temos de voltar a erguer as duas mãos aos céus e esperar por um milagre na próxima avaliação da troika em Setembro.

      Face a este cenário factual – com a agravante da crise espanhola legada pelo socialista Zapatero –, a arrogância e a teimosia do primeiro-ministro, que mais não são do que uma enorme insegurança, só prejudicam a mobilização colectiva para ultrapassar a crise. Não, ainda não é igual a Sócrates, e esse ainda continua a ser o seu maior trunfo para sobreviver politicamente.

            No meio desta loucura só faltava mesmo um q.b. de ego e vertigem. É cada vez mais evidente que Paulo Portas aproveitou o pior momento do primeiro-ministro para o desafiar com uma singela carta aos militantes do CDS-PP, em que baliza publicamente o futuro da governação.

      As variantes de hosanas aos sacrifícios, de alertas para novas dificuldades e de apelos ao consenso têm um prazo de validade curto. Está na hora de acertar o passo. O governo não pode insistir nas cedências selectivas e na distribuição injusta dos sacrifícios, que chegaram ao cúmulo de:
a) Tratar mais severamente os pensionistas que vivem na miséria do que os mais ricos;
b) Salvar a banca ao mesmo tempo que asfixia as empresas, sobretudo as PME's;
c) Pactuar com os oligopólios e as rendas excessivas;
d) Manter os privilégios das fundações;
e) Eternizar excepções escandalosas;
f) Prosseguir a ilusão de um país sustentado pelas exportações, sem olhar para o mercado interno;
g) Correr o risco de matar o turismo.

      Também está na hora de afastar a tralha, a instalada e a que está na sombra. Aliás, como tudo estaria a ser diferente se tivesse sido evitado o penoso arrastamento dos casos das secretas e de Relvas, entre outras negociatas e nomeações vergonhosas, que perduram na memória.

      Dar cobertura aos abusos, que continuam a inquinar o país, é uma infantilidade política e contribui para desbaratar uma parte do que já foi feito, como por exemplo o equilíbrio da balança comercial, no preciso momento em que o governo precisa de surgir sem mácula aos olhos dos portugueses.

      De facto, quem governa assim, com mais ou menos barriga a empurrar as principais reformas estruturais para as calendas, arrisca a ser tratado na praça pública como irresponsável ou corrupto.

      Já todos percebemos que pactuar com a opacidade, o clientelismo e os jogos de poder apenas serve para comprometer ainda mais o futuro.

      Com o inquilino de Belém fraco e isolado, o país está no limiar das grandes opções pelo que não pode adiar o escrutínio constante da governação. E tem de estar preparado para todos os cenários, incluindo eleições antecipadas, de forma a garantir um futuro melhor, com um governo credível e limpo, liderado por um primeiro-ministro competente, sério e que não vacila ao primeiro conflito de interesses.

      Com o país em estado de pré-colapso, Passos Coelho tem de afinar a receita, sob pena de cair num beco sem saída.

      Já todos sabemos que os políticos também são humanos e que governar nestas condições é extremamente difícil. Mas poupem-nos a mais confusões entre o interesse público e as lealdades espúrias, enfim, a mais lenha para a fogueira, a começar pelos discursos de improviso do chefe do governo.

      Os cerca de 1,2 milhões de desempregados não merecem mais tiques messiânicos e mais metáforas indigentes.
                 
      As nuvens no horizonte estão longe de se dissipar. O  annus horribilis começa em 2013. E se não houver mudanças na governação, então que se lixe Passos Coelho. 

sábado, 21 de julho de 2012

Igreja: a voz que tem faltado


     O topo da hierarquia da igreja católica tem mantido um silêncio cúmplice em relação à degradação da qualidade da democracia portuguesa, optando por manter as boas relações com os governos instituídos em detrimento de uma palavra firme pela defesa da verdade.

     Esta constatação resulta da percepção de que até as elites da igreja estão mais rendidas aos interesses materiais e terrenos que giram à sua volta do que cumprir os seus mais elementares deveres numa sociedade moderna.

     Sem prejuízo da assistência social, tem faltado a voz da igreja, fora do púlpito, num momento em que aumentou o fosso entre os ricos e os pobres e regressou o espectro da fome ao país.

     Desde 2007 têm sido acentuados os sinais de injustiça social, com os pobres ainda mais pobres e os ricos ainda mais ricos, sublinhando o vazio da falta do alerta em tempo oportuno e da palavra ponderada de orientação da parte dos mais altos dignatários da igreja.

     Neste cenário pautado pelo mutismo em relação às iniquidades e impunidades ao nível dos mais poderosos, algumas excepções têm servido para confirmar a regra pautada pela tradição salazarenta das relações da igreja com o Estado.

     As vozes isoladas e sempre inconformadas de D. Manuel Martins, bispo resignatário, de D. Manuel Clemente, bispo do Porto, e de D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, têm sido um oásis refrescante no meio do deserto do discurso oficial da igreja.

     O bom senso está do lado de quem alerta e denuncia os perigos da corrupção e os riscos da eminente explosão social.

     As intervenções públicas destes três sucessores dos apóstolos têm tornado ainda mais nítido o inexplicável conformismo, quiçá tacticismo, dos seus pares. Aliás, se alguma dúvida houvesse, basta recordar a reacção oficial da igreja às declarações do bispo sem papas na língua, que acusou o governo de Passos Coelho de ser «profundamente corrupto».

     Em menos de 24 horas, o padre Manuel Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, veio a terreiro tentar sossegar o governo, garantindo que aquelas afirmações foram proferidas a «nível individual».

     Por sua vez, a reação crispada de Aguiar Branco, um ministro de segunda linha, diz tudo sobre a intranquilidade que tomou conta do primeiro-ministro. O mais caricato é que nem sequer foi capaz de ser consequente, ou seja, apresentar uma queixa-crime contra o bispo, não vá o Ministério Público ser tentado a investigar com determinação e firmeza.

     O mérito da intervenção de D. Januário Torgal Ferreira é inquestionável. Neste pântano de silêncios, omissões e cumplicidades, a demarcação de uma fronteira clara entre quem está e quem não está do lado do combate contra a corrupção é o mínimo esperado da parte das elites da igreja.

     A posição oficial da igreja, neste como noutros casos, comprova que não é por acaso, seguramente, que a instituição vive uma crise grave de vocações religiosas. Porventura, a hierarquia da igreja ainda não percebeu que muitos católicos têm olhado em vão para os seus mais altos dignatários, sobretudo para o Cardeal D. José Policarpo, nestes momentos de aflição.

     A mensagem da igreja não pode estar reduzida a Fátima e aos seus negócios multimilionários. Tem de ser mais, tem de ser o exemplo de coragem, o alimento do inconformismo e a atitude contra os vendilhões do templo.

     A caridade cristã nunca foi politicamente alinhada e cobarde. Muito pelo contrário. Esteve sempre na primeira linha da defesa dos mais fracos e dos oprimidos.

sábado, 14 de julho de 2012

Passos para o desastre



      O primeiro-ministro deixou cair a máscara cândida e bem-intencionada ao assumir um discurso crispado e arrogante no debate do Estado da Nação.

      Todos sabemos que a governação é difícil, o que justifica alguma indulgência, mas em qualquer democracia consolidada já teria caído o Carmo e a Trindade se um primeiro-ministro tivesse desvalorizado de uma forma tão imprudente a contestação popular.

      Por isso importa perceber o que terá levado Passos Coelho a dar-se ao luxo de ser tão politicamente irresponsável ao ponto de menosprezar a indignação dos cidadãos.

      Afastando a tese aparentemente esdrúxula de quanto maior for a contestação mais facilmente será possível convencer a troika a facilitar algumas metas acordadas, resta apenas outra explicação: Passos Coelho é feito de uma massa e cultura políticas em que, não obstante vários alertas, muitos não acreditaram, mea culpa.  Esta espécie de mal-amanhado remake de Tatcher mais Cavaco, numa versão modernaça, até pode resultar de um lapso, mas a síntese acabou por chegar à superfície.

      O branqueamento da turbo-licenciatura de Miguel Relvas é apenas mais um episódio que traduz a indiferença do primeiro-ministro em relação ao sentimento generalizado da população.

      A agravante é que a passagem do tempo nem sempre apaga uma nódoa, sobretudo quando outras manchas ainda estão frescas, designadamente os últimos casos das secretas e do jornal Público.

      Passos Coelho está convencido que pode governar sem prestar atenção ao juízo que os portugueses fazem da governação.

      O autoconvencimento que vai permanecer à frente do Executivo nos próximos quatro anos, também custe o que custar, explica a incapacidade do chefe do governo para aceitar que o debate do Estado da Nação não começa e nunca acaba numa discussão parlamentar anual. Aliás, este é o mesmo tipo de sobranceria que o leva a ignorar que o escrutínio dos cidadãos e os sinais que emanam da sociedade, na rua ou fora dela, têm redobrado significado.

      A arrogância com os mais desfavorecidos, enquanto finge que não percebe o que se passa ao seu lado e no país, está  a dar resultados desastrosos. Pouco mais de um ano após assumir funções, e numa conjuntura que obriga até os mais críticos à contenção, poucos se atreveriam a imaginar uma censura tão avassaladora quanto generalizada.

      Ninguém tem dúvidas, hoje, que Passos Coelho é um líder dependente de pelo menos um dos seus acólitos. E por isso tem termo antecipado. Seguramente, não foi por acaso que a oposição parlamentar o advertiu para «descer à terra», para «não se iludir com as palmas da maioria» ou até «para ir embora».

      Até Paulo Portas, compreendendo a vulnerabilidade do primeiro-ministro, desferiu a sua última estocada política, marcando claramente a fronteira dos termos da austeridade futura.

      São cada vez menos aqueles que confiam num primeiro-ministro que ameaça constantemente os mais desfavorecidos com cortes e mais cortes, ao mesmo tempo que pactua com as PPP's, as fundações públicas e privadas, as rendas excessivas, as negociatas de Estado, a impunidade, a opacidade e o boyismo militante.

      No momento em que o país precisa de um governo forte e credível, a arrogância e a fraqueza de Passos Coelho até podem continuar a escapar às avaliações trimestrais da troika. Mas se não arrepiar caminho, imediatamente, os portugueses que o elegeram serão os mesmos que a qualquer momento podem usar do legítimo direito à manifestação e ao protesto para o forçar a ir à sua vida, mais cedo ou mais tarde, a bem ou a mal.

sábado, 7 de julho de 2012

Que gente é esta?

      Passos Coelho não pode continuar a massacrar os portugueses ao mesmo tempo que poupa as clientelas e os amigos.

      Os portugueses não mereciam esta desilusão, sobretudo porque muitos acreditaram que uma nova geração de políticos seria capaz de consolidar a mudança, de combater a corrupção, de enfrentar o tráfico de influências, de prescindir das nomeações partidárias, de fomentar uma cultura de rigor e exigência, de dar o exemplo de seriedade e credibilidade e de devolver a esperança num futuro melhor.

      Há limites para a arrogância. Após a última extraordinária decisão do Tribunal Constitucional, a declaração que deixou implícita a ameaça velada de futuros cortes nos subsídios de férias e de Natal para o universo dos trabalhadores, públicos e privados, é uma violação flagrante do contrato estabelecido com os portugueses durante a campanha eleitoral.

      Há limites para a desonestidade política. As reacções dissimuladas não abafam a actuação impune de Miguel Relvas, a guerra surda no seio do governo, as negociatas de Estado, os tachos para os amigos e companheiros de partido, entre outras barafundas, mais ou menos secretas, que estão a manchar a governação a um ritmo vertiginoso.

      Os portugueses não podem aceitar pacificamente mais aumentos de impostos antes do governo fazer o que prometeu e tem de ser feito sem demora:

1. Acabar com o regabofe das fundações públicas e privadas, cuja decisão já começa a tardar;

2. Concluir a renegociação das PPP's, mais uma vez adiada;

3. Combater a promiscuidade ao mais alto nível (por exemplo: no conselho consultivo do Banco de Portugal têm assento personalidades com interesse na banca privada);

4. Batalhar contra o potencial tráfico de influências entre Estado e interesses privados (por exemplo: os mais importantes ex-ministros das Obras Públicas são actualmente altos responsáveis das maiores empresas do sector);

5. Moderar a prática degradante de deputados que de manhã trabalham em empresas privadas e à tarde lideram comissões parlamentares que as fiscalizam (por exemplo: os dois últimos presidentes da Comissão de Defesa - José Mattos Correia e José Luís Arnaut - pertencem ao mesmo escritório de advogados, cujo principal sócio, Rui Pena, foi ministro da Defesa);

6. Combater a corrupção ao mais alto nível e a economia paralela, começando por fiscalizar os 13740 organismos públicos, dos quais só 1724 apresentam contas?

7. Enfrentar o triângulo formado por presidentes de câmara, promotores imobiliários e banqueiros que são responsáveis por uma bolha que está à beira de rebentar;

8. Romper com os oligopólios, com mais ou menos energia e combustível, que obrigam os portugueses a mais e mais sacrifícios;

9. Extinguir entidades que só têm servido para gerar confusão e desresponsabilização nos mais diversos sectores;

10. Reduzir os 9 mil milhões de euros de euros gastos em juros da divida pública.

      Aumentar impostos? Ainda mais? Antes de avançar com medidas essenciais para atacar o "monstro" que tem condenado os portugueses à miséria?

      Afinal, que gente é esta?

      Já não dá para pactuar com as falsas promessas, com as ameaças do custe o que custar, com as fugas pelas traseiras para escapar aos protestos e com os discursos medíocres e vagos.

      O diagnóstico está feito, sobretudo por quem tem opinião livre e dispensa chafurdar na manjedoura do Estado.

      Basta começar por rever o último programa "Negócios da Semana", que passou na SIC Notícias, moderado por José Gomes Ferreira.

      Nunca é tarde para reconhecer os erros e ter vergonha na cara.

sábado, 30 de junho de 2012

O que não mudou em Portugal


Passos Coelho está a gripar. 

A poucos dias do debate do Estado da Nação, importa fazer o balanço sobre o que não mudou em Portugal:
 1. O bloco central de interesses;
 2. A falta de transparência e os negócios de Estado, com todos os olhos na TAP;
 3. As nomeações para cargos da maior relevância que potenciam o tráfico de influências;
 4. O favorecimento dos mesmos grupos económicos constituídos durante os governos PSD e reforçados pela governação do PS;
 5. A falta de determinação no combate à corrupção;
 6. A irresponsabilidade política dos titulares de cargos públicos;
 7. A burocracia e a imensa carga fiscal;
 8. A falta de um quadro claro de captação de investimento estrangeiro;
 9. O esmagamento dos pensionistas que vivem com rendimentos miseráveis;
10. Os cortes que afectam os mais necessitados, designadamente no SNS. 

Para quem considerou que o país já tinha batido tão no fundo que só poderíamos melhorar, os dez pecados mortais de Passos Coelho são tristes revelações.

Está tudo a correr mal?
Não!

Tal como o Estado, alguns cidadãos foram obrigados a uma atitude de maior contenção e racionalidade nas suas despesas e capacidade de endividamento.

Mas será que é suficiente?
Não!

Com a recessão instalada, os portugueses começam a duvidar que tanto sofrimento valha a pena.

E porquê?

Porque a governação continua a ser opaca; porque a distribuição dos sacrifícios não é equitativa; porque o descontrolo orçamental permanece apesar do esforço exigido aos cidadãos.

Se comparáramos as manchetes dos jornais de hoje com as do ano passado, constatamos que a promiscuidade continua ao mais alto nível, que as queixas dos cidadãos são iguais e que a liberdade continua no fio da navalha, como comprovam amplamente os casos das secretas e de Miguel Relvas.

Ninguém entende a poupança brutal e forçada se não existirem sinais reais de uma luz ao fundo do túnel.

Não admira que os cidadãos comecem a desconfiar da seriedade do governo, duvidem da determinação dos ministros para fazer o que tem de ser feito e questionem a capacidade do primeiro-ministro em aguentar o mandato de quatro anos.

Não basta recorrer às receitas do passado, papagueando slogans para mostrar que o governo está a trabalhar. O povo precisa é de ver e sentir que estão a ser alcançados resultados positivos no equilíbrio das contas públicas, no desenvolvimento da economia, nos serviços de saúde, ensino e justiça e na criação de um ambiente que permita às empresas criarem postos de trabalho e gerarem lucros.

Com a incerteza instalada, com mais ou menos remodelação à vista, ninguém aceitará, pacificamente, sobretudo os jovens, a manutenção da condescendência em relação às impunidades e iniquidades que estão na origem do empobrecimento do país.

A contestação popular, à beira de se transformar em agitação social, não é uma ameaça à estabilidade governamental, mas sim uma reacção legítima de quem já não ignora o impasse em que mergulhámos nem aguenta mais impostos.

Em síntese: A tolerância em relação ao governo passou a ser inversamente proporcional ao aumento das dificuldades da população no dia-a-dia.

As decisões da última cimeira europeia representam uma última oportunidade para evitar o desastre. Mas por mais ventos europeus favoráveis, o país só será capaz de mudar se estiver mobilizado colectivamente, se acreditar que o governo é liderado por um primeiro-ministro que não falha nos momentos decisivos, não pactua com os mais poderosos, não cede aos interesses particulares e não contemporiza com a mentira.

sábado, 23 de junho de 2012

ERC e a vidinha continua

            A deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre o caso Relvas/Público é um tratado sobre o estado a que chegou o país e a comunicação social.

            Sob a capa dos factos e da ponderação do enquadramento legal não obstante algumas observações que abrem a porta a equívocos perigosos (ponto 174) , a deliberação obedeceu a uma única prioridade: salvar a face do poder.

 Em primeiro lugar, tentou salvar a face do ministro. A averiguação a propósito das pressões "ilícitas" de Miguel Relvas sobre o jornal Público abriu a porta ao branqueamento. O que estava em causa, e continua a estar, é apenas saber se existiu um ataque à liberdade de imprensa, se existiram pressões inaceitáveis sobre uma jornalista e se é possível a um detentor de um cargo público usar informação privilegiada para condicionar a actividade de um jornalista através da ameaça da divulgação de dados da sua vida pessoal.

Em segundo lugar, tentou salvar a face da direcção do "Público". Em todo o texto da deliberação, até parece que quem foi ameaçada foi Bárbara Reis, directora, e não Maria José Oliveira, jornalista. O descaramento é tal que basta verificar que o regulador abdica de fazer qualquer recomendação, ficando por vagas considerações que começam por aceitar a tese conspirativa do ministro Relvas.

Em terceiro lugar, tentou salvar a face da ERC. Quem conhece a história de Carlos Magno, presidente da reguladora, não podia esperar outra coisa, ou melhor, presume-se que não terá sido pela sua independência que foi escolhido para liderar a ERC. Aliás, a leitura cuidadosa do documento revela bem o estilo do seu primeiro signatário: reverencial com o poder, preocupado em parecer isento e cuidadoso com os detalhes.

Numa apreciação mais nua e crua, a deliberação é um hino à hipocrisia que está à altura de uma comunicação social mais vulnerável e dependente, que aprecia menos o trabalho do jornalista e valoriza mais a imagem de independência e distanciamento dos poderes institucionais e instituídos.

Para quem tivesse dúvidas basta atentar que é o próprio presidente da ERC que assume uma tentativa desesperada de «cozinhar ou manipular a deliberação», até ao último minuto, para conseguir a unanimidade no Conselho Regulador, ou seja para manter a fachada de independência da ERC.

Neste universo de todo o tipo de golpes de rins não podia faltar uma ponta de cinismo. Ao mesmo tempo que transborda de cuidados em salvar o ministro, a ERC consegue a suprema ironia de reabrir o caminho para o segundo funeral político de Miguel Relvas, ao admitir que sexa teve um comportamento «objecto de um juízo negativo no plano ético e institucional».

A deliberação da ERC é uma fraude pelo simples facto que apenas pretendeu consolidar a situação de precariedade que se vive há muito tempo nos órgãos de comunicação: a defesa do poder editorial da hierarquia. Não as condições de trabalho dos jornalistas, neste caso da jornalista, em relação ao poder político; não o do Público em relação ao governo; mas o da direcção do Público em relação aos seus jornalistas.

A ERC nunca defendeu a liberdade de imprensa e os jornalistas. Foi assim com Sócrates. Ficamos a saber que também assim é com Pedro Passos Coelho.

Agora, só falta saber o essencial: qual vai ser o futuro de Maria José Oliveira?

Certamente, a jornalista não vai passar pelos jardins de Belém e de São Bento, nem tão-pouco corre o risco de ser nomeada para presidir à ERC.

Falta pouco para todos se calarem.

A vidinha continua.

sábado, 16 de junho de 2012

O regresso ao passado


Há um frémito no ar, que se sente a léguas, por causa da ameaça grega, da iminente implosão do euro, da recessão económica e do desemprego.

Ao mesmo tempo, o impasse interno começa a fazer fluir a pré-desagregação do Estado, seja ele social ou do mínimo denominador comum dos valores democráticos, ao ritmo da entrada de capitais estrangeiros lavados pela extrema necessidade. Não é por caso que cada escolha pesa toneladas sobre os ombros de quem tem e não tem poder.

Ao longo dos últimos meses foi visível o início de uma espécie de mudança que sucumbiu ao primeiro grande desafio.

 Com o chão a fugir debaixo dos pés de pobres e ricos, anónimos e poderosos, cidadãos e governantes, o fosso cavado entre aqueles que teimaram em lidar com o nome próprio das coisas e aqueles que se continuam a esconder na ficção das generalidades voltou ao ponto de partida.

E o que vemos, quando queremos ver livremente?

Cavaco Silva está politicamente fragilizado e incapaz de assegurar o regular funcionamento das instituições, como atestam as críticas de vários partidos políticos e até algumas sondagens.

Passos Coelho, que começou bem e prometeu muito, está paralisado e condicionado por incoerências insanáveis, quiçá refém de um ministro que mente no parlamento e de altos funcionários que têm escapado aos órgãos de fiscalização. 

Paulo Portas mais parece um caixeiro-viajante (sem ofensa para o ministro e para os caixeiros-viajantes), exibindo um punhado de investimentos estrangeiros enquanto perdura a opacidade sobre os extraordinários negócios dos submarinos.

Os idosos com mais de oitenta anos percorrem quilómetros para aceder a uma consulta médica, sem a certeza de poderem pagar os tratamentos ou de comprar os medicamentos.

O direito à justiça passou a ser quase um privilégio dos poderosos, sendo que os restantes mortais têm de se contentar com as sobras do que resta do estado de direito.

Bancos e banqueiros encaixam empréstimos de um Estado falido e generoso com o sistema e impotente face às dificuldades dos cidadãos.

Muitos outros exemplos poderiam ser apontados para ilustrar esta fatalidade genética salazarenta que empata o presente e corrói o futuro. Por isso impõe-se a pergunta: regressamos à governação do passado, que encheu os bolsos de alguns ao ritmo que esvaziou os cofres do Estado? 

A sucessão dos últimos escândalos atesta que as mudanças não beliscaram o olímpico salve-se quem puder desde que não seja apanhado ou não dê nas vistas.

O mais grave é que não se vislumbra alternativa. No momento em que todos começam a olhar para a esquerda, lá veio a estafada estabilidade política, o velho argumento daqueles que não vivem, pois estão sempre à espera que a vida lhes bata à porta.

Eis a principal razão porque continuamos a viver no pântano, de crise em crise, de falência em falência, sem que sobrevenha uma alternativa, uma nova classe política, uma nova cidadania.

Este bloco central de interesses, que nos tem atirado para o abismo, com uma regularidade espantosa, continua vivo e sólido, contando com a influência serviçal  da corte do costume e com a cumplicidade de uma comunicação social que lá lhe vai abrindo as portas quando são atirados borda fora do poder.

Assim, não há alternativa que vingue. Até ao dia em que os portugueses comecem a perceber os custos da corrupção e a desconfiar destes "anjos" da democracia que se eternizam à medida dos seus jogos políticos, mais ou menos sujos, mas sempre à socapa.

Quem fica a perder?

O país e os portugueses.





sábado, 9 de junho de 2012

Exigência e excelência


Acabou a condescendência em relação ao governo de Passos Coelho, que alguns têm insistido em baralhar com estado de graça, passividade ou paciência.

O caso das secretas, que se confunde com o caso Relvas, ou vice-versa, foi a gota de água que fez transbordar o copo cheio de más notícias.

A auréola de Passos Coelho caiu face ao primeiro grande embate da governação: quando o país esperava a firmeza inquebrantável, digna de quem valoriza os valores democráticos, multiplicaram-se as hesitações, as cumplicidades, as ameaças, as mentiras e os ziguezagues.

Os resultados do último barómetro da Universidade Católica provam que o clima político está a mudar. E não foram os indicadores desastrosos, nomeadamente o desemprego, que provocaram esta mudança no estado de espírito geral. Muito pelo contrário. Na origem da descrença está a constatação que o governo por incapacidade, compromisso ou cobardia política não está a cumprir a verdadeira mudança prometida.

Não obstante a tentativa de desvalorizar as sucessivas revelações, que atestam a promiscuidade ao mais alto nível até à náusea, os próximos tempos comprovarão o rombo na credibilidade do governo. Há rótulos que se colam aos governantes para sempre, determinando o seu futuro, justa ou injustamente.

Resta saber como Passos Coelho vai tentar sair do atoleiro em que se meteu, voluntaria ou involuntariamente, mas seguramente por culpa própria.

Não vale a pena invocar a honra, a família e as intenções reformistas, nem tão-pouco tentar condicionar os jornalistas e os colunistas de opinião para tentar mascarar os próprios erros. O silenciamento das vozes críticas, de uma forma mais ou menos indirecta, é uma saída indigna de quem prometeu fazer a diferença.

Basta olhar para o passado para perceber que este tipo de ardil, ainda que com apoios no seio da bafienta nomenclatura, não tem qualquer viabilidade. Nunca tem futuro. Mais tarde ou mais cedo, a realidade impõe-se, expondo quem nunca olha a meios para atingir os fins.

Em democracia não há maiorias, estrelas e serviçais suficientes para apagar os factos, sejam eles económicos, financeiros, sociais ou de Estado. Por isso os cidadãos passaram a ter todas as razões para suspeitarem dos serviços de informações. E se o governo não pôde, ou não consegue, resolver o problema, então os portugueses também têm toda a legitimidade para desconfiar de quem os governa, a começar pelo primeiro-ministro, já que Miguel Relvas passou à condição de cadáver político ambulante. E não colhe quem tenta confundir a determinação do número dois político do governo em privatizar um canal da RTP (que sempre elogiei) com as trapalhadas em que se enredou, ou foi obrigado a enredar (que continuo a criticar).

Sacrificar as liberdades individuais às mãos de interesses particulares e de estratégias inexplicadas, quiçá por rendição a influências que não têm rosto nem nome, pode ser o artifício usado para servir de exemplo num momento em que se advinha um crescendo da contestação. Mas como a história já demonstrou, por diversas vezes, há caminhos que conduzem, inevitavelmente, a um beco sem saída e sem glória.

O país não tem tempo para novos impasses, que ontem nos conduziram ao estado de emergência e hoje nos colocam à beira do abismo.

Nos momentos críticos, os governantes têm de servir no poder em vez de se servir do poder, sejam quais forem as suas circunstâncias políticas e particulares.

No dia de Portugal a situação é tão séria que só pode ser enfrentada com exigência e excelência.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Passos à beira do abismo


Ao desistir de assumir uma atitude transparente e firme em relação à nebulosa que invadiu os serviços de informações, Passos Coelho revelou uma enorme falta de sentido de Estado, para a qual, aliás, contribuiu o calculismo político de três cúmplices.
O primeiro chama-se Aníbal Cavaco Silva. Quando o Presidente da República considera um dos momentos mais graves da história dos serviços de informações como uma “questão político-partidária”, então temos de concordar que institucionalmente o país bateu no fundo.
O segundo chama-se Paulo Portas. O alheamento público do ministro dos Negócios Estrangeiros contrasta com a sua expedita decisão de contribuir para o afastamento de Bramão Ramos e Heitor Romana do então SIEDM, em 2002, por causa de notícias sobre a vigilância ilegal a personalidades da vida política portuguesa.
O terceiro chama-se António José Seguro. A reacção de indignação mole e formal é a melhor prova da má consciência dos socialistas em relação ao que se passou nas secretas nos últimos dois governos de Sócrates.
A um par de semanas de cumprir um ano de liderança no governo, Passos Coelho ficará para sempre associado à sua paralisia em relação ao descontrolo nos serviços de informações, que continua a enxovalhar o país. E a procissão ainda vai no adro.
Passos Coelho desperdiçou uma grande parte do capital de credibilidade política que lhe tinha permitido marcar a diferença com o seu antecessor, não obstante algumas explicações tão esforçadas quanto pífias, sempre a reboque dos acontecimentos e das notícias.
Por isso a governação entrou numa nova fase em que se impõem duas questões: quem pode continuar a acreditar num líder do governo que segura um ministro apesar de todas as evidências? Quem pode continuar a confiar num primeiro-ministro que renova a confiança política no chefe dos serviços de informações e ao mesmo tempo confessa a necessidade de reforçar a sua fiscalização?
Quem adia uma urgente reestruturação, para não lhe chamar limpeza geral, até pode dizer que não cedeu a quaisquer pressões, mas corre o risco de ser acusado de não o ter feito por estar condicionado ou por não estar à altura das responsabilidades.
De hesitação em hesitação, e contrariamente ao que apregoou em Janeiro de 2011, quando pediu a demissão imediata de Rui Pereira por causa das trapalhadas eleitorais nas presidenciais, o mais grave é que Passos Coelho deu uma machadada num dos pilares da democracia: a responsabilidade política dos titulares de cargos públicos.
O agravamento da desconfiança dos cidadãos nas instituições é um desastre para Portugal. E não há selecção de futebol, por mais êxitos esperados e desejados, capaz de disfarçar o actual pântano e a enorme descrença que graça pelo país, de norte a sul, da direita à esquerda.
Os serviços de informações estão moribundos, interna e externamente. Ou a nebulosa vence, pelo que é de esperar a recusa do direito de defesa aos três arguidos constituídos pelo Ministério Público, ou então Passos Coelho, o primeiro responsável pelos serviços, enfrenta o problema, doa a quem doer, e assume os custos políticos e as consequências de dez meses de gestão desastrada de um escândalo com proporções ainda desconhecidas.
O levantamento do segredo de Estado é a última saída para dissipar as dúvidas sobre a actividade das secretas.