Vítor
Gaspar, não obstante a sua seriedade e competência intocáveis, tem falhado
sucessivamente todas as metas orçamentais anunciadas, mas continua com um rumo
definido.
Face ao
coro de críticas, da esquerda à direita do espectro partidário, das organizações
sindicais às patronais, o ministro continua firme, não vacila, mantém o caminho
duro de mais impostos, indiferente a todas as demagogias, insistindo na
estratégia de aceleração do ajustamento a que o país está obrigado pelos
credores estrangeiros.
Com uma tranquilidade e convicção impressionantes, Vítor Gaspar continua
a apostar num país de plena soberania, não se deixando intimidar por uma das
maiores vagas de contestação de que há memória em Portugal. E passou ao
contra-ataque, não com recurso às medidas fáceis ou à vozearia, mas com um
discurso político subtil e surpreendente.
Debaixo de
fogo cruzado, o ministro das Finanças decidiu fazer um elogio ímpar aos
portugueses. Não a todos os portugueses, mas a uma maioria especial: aos que se
organizaram à margem dos partidos políticos, que chegaram mesmo a recusar a
presença de alguns líderes partidários mais atrevidos, para contestar três
décadas perdidas de Democracia.
O elogio de
Vítor Gaspar aos manifestantes que protagonizaram a manifestação de 15 de
Setembro – «O melhor Povo do mundo» – é muito mais do que um sound byte: É o maior e mais subtil
ataque ao regime controlado por políticos e partidos políticos marcados pela
incompetência, nepotismo e corrupção.
Poucos
governantes se poderiam dar ao luxo de um tão veemente puxão de orelhas aos
barões do regime e a uma classe política que tem enterrado sistemática e
sucessivamente o país na mais profunda depressão.
Não
obstante os pesados sacrifícios que está a exigir, Vítor Gaspar ainda representa
a esperança num futuro em que os governantes não sacrificam o país por uns trocados
numa qualquer offshore ou por um misero
tacho mais ou menos dourado. Aliás, certamente, ninguém dúvida que o ministro
das Finanças tem mais vida além do cargo que exerce.
As escolhas
de Vítor Gaspar podem ser financeira e tecnicamente contestáveis, até podem ser
económica e socialmente criticáveis, mas seguramente representam um caminho
diferente daquele que nos conduziu ao desastre.
É este o
grande trunfo de Vítor Gaspar, o ministro mais político do governo na mais
nobre acepção da palavra, representante de uma nova geração que não se confunde,
que não se quer confundir, com os responsáveis pela actual situação de
emergência nacional.
Será que é
suficiente?
Não!
O estreito
e difícil caminho que o ministro das Finanças está a seguir só será viável
se o governo for credível e conquistar a confiança dos portugueses.
Por isso a
escolha está cada vez mais clara: ou Passos Coelho está à altura do seu ministro
das Finanças e arrepia caminho, retomando a exigência que prometeu aos
portugueses, desde logo avançando com uma profunda remodelação governamental, ou
teremos como "alternativa" mais cenas do filme Relvas & Companhia.
As comemorações
do 5 de Outubro não são um bom prenúncio, pois a classe política já não tem força
nem espaço para acantonar os portugueses a um canto, mas tiveram o mérito de
reforçar a percepção da necessidade de continuar a lutar por uma mudança de mentalidades
e de paradigma de desenvolvimento, em suma, por uma nova República, em que a Constituição
não seja uma caricatura do próprio regime.