Os Leaks colocaram a Justiça na ribalta de todas as atenções, pelo que advogados, procuradores, juízes e investigadores criminais não podem continuar calados.
Muito por força da cidadania, designadamente da acção de Ana Gomes, entre outros, os homens e as mulheres da Justiça têm sido obrigados a dar o seu contributo para o debate público depois das fugas de informação que nos mostram ainda melhor o mundo em que vivemos.
E até não têm faltado doutas opiniões sobre o que permite, e não permite, a nossa Lei, resultando por vezes numa confusão que mais parece um branqueamento desastrado.
Chegamos ao ponto de assistir à defesa dos direitos individuais para certamente melhor poderem ser esmagados no silêncio dos corredores do poder.
Não, não são necessários mais justiceiros, mas têm faltado testemunhos sobre como tem sido possível tolerar o actual ambiente hediondo que, agora, podemos ver ainda com mais clareza.
E se o "Estado de direito irrita", como escreveu Manuel Soares, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), os cidadãos têm o direito de clamar que a impunidade irrita ainda mais.
Os enfermeiros e os médicos, por exemplo, com as denúncias das condições de trabalho, bem como os casos criminosos de falta de assistência na Saúde, despertaram a sociedade civil e obrigaram o poder político a estar mais atento à tal impunidade mais do que irritante.
Podemos esperar que os agentes judiciários desçam do pedestal para denunciar que a acção da Justiça está a roçar a farsa – favorecendo os mais poderosos –, obedecendo na prática ao princípio de oportunidade quando deveriam observar o princípio constitucional da legalidade?
Já não é aceitável que os processos "adormeçam" anos a fio rumo à prescrição, sem que haja uma palavra de alerta ou uma explicação transparente.
Aliás, o poder político já percebeu, com a sagacidade habitual, que o elo mais frágil é de quem não faz, não apresenta resultados, leia-se os responsáveis que têm a competência para administrar a Justiça em nome do povo.
António Costa encontra assim respaldo público para continuar a lavar as mãos, tanto mais que foi buscar ao Ministério Público uma ilustre magistrada para liderar a pasta da Justiça.
Se é verdade que há quem reme firmemente contra esta maré podre do deixa andar, também é verdade que não pode bastar prender um primeiro-ministro, um juiz, um procurador ou um investigador criminal para deixar os cidadãos sossegados.
É preciso muito mais do que a Justiça do caso ou da pena exemplares.
A política da cabeça enfiada na areia – ignorando as consequências da adjudicação directa, da comissão de serviço, do bilhetinho para a bola ou de um par de luvas para aquecer a vida –, acabará por cair sobre a cabeça de todos os protagonistas do universo judicial.
E que não haja a menor dúvida: a subserviência da Justiça à política de Estado é uma traição à Democracia.
A cada dia que passa, a cada leak que vier a público – e eles não faltarão! – a Justiça também estará na berlinda da suspeita do intolerável frete, da inimaginável capitulação face aos mais poderosos e da monstruosa denegação de justiça.
E não será mais possível que um qualquer magistrado se venha desculpar com a Lei e com a falta de meios, depois de todos começarmos a perceber que paira no ar a cumplicidade e a promiscuidade que bastem no Estado de Direito a que chegámos.