segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

NÃO PODE VALER TUDO


Um dia depois do processo de infracção contra Portugal, por atraso na transposição da Directiva da União Europeia que define crimes e sanções para o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, o país à beira-mar plantado tremeu: PJ evitou atentado terrorista em Lisboa.

Ainda que o princípio da transparência seja melhor do que a opacidade, salta à vista um comunicado conjunto da PJ e do MP em que surge uma vaga referência às armas que o alegado terrorista se preparava para eventualmente utilizar.

Se é verdade que o “massacre” foi fabricado pela comunicação social, não é menos significativa a omissão de umas quantas facas e latas de combustíveis, além da besta, pois tal “arsenal” é pouco consentâneo com a cenarização de uma matança.

No contexto de início de uma nova maioria absoluta é preciso afirmar que não pode valer tudo, pois o medo e a instrumentalização não vencem a razão nem o tempo.

Porque a contradição não podia ser mais flagrante: ao mesmo tempo que se aplica a Lei n.º52/2003 (combate ao terrorismo), que arrasa os direitos individuais e os princípios da investigação criminal, Portugal falha deliberadamente a melhor e atempada prevenção do financiamento do terrorismo.

Um caso isolado, a roçar a fanfarronice juvenil, não pode servir para eventualmente alavancar os argumentos securitários.

E abrir a porta à leitura da acção no timing que mais convém ao “chefe” é um erro, tão surpreendente quanto grosseiro.

Um garoto de 18 anos que se prepara para matar tem ser detido, com ou sem perturbação psicológica, seja em flagrante ou não, mas não tem que servir como instrumento útil para contingentemente preparar o que está para vir.

Nem ser usado para consolidar a moda da confusão entre Justiça e Segurança, tão bem vista por António Costa – a que não será alheia a incessante avidez dos serviços de informações em realizar escutas telefónicas.

Aliás, já basta o espectáculo dos hackers terem descoberto subitamente Portugal.

No próximo dia 23, o país começará a ver melhor o filme.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

UM GRANDE EMBUSTE

 


A informação tem sempre um primeiro responsável: o director editorial.

Uma semana após as eleições, nem uma única chefia dos órgãos de comunicação social apresentou um pedido de desculpa público aos seus leitores, ouvintes e telespectadores pela divulgação de sondagens estrondosamente divergentes dos resultados.

Apresentadas por várias empresas, com resultados idênticos, com critérios certamente objectivos, eis o instrumento da querida manipulação à vista de todos.

Os “clientes” lá continuam a aproveitar para promover a informação de geração espontânea ou fabricada debaixo do tapete.

Um ladrão aqui, uma ladra ali, quiçá, um qualquer empresário ou banqueiro em desgraça acolá, tudo a escorregar sobre notas num exame controlado à partida, mais moita menos moita.

E, certamente, ninguém ficaria chocado se um dia destes o país acordasse com mais um par de buscas.

A história repete-se, eleição após eleição, com a bissectriz traçada pelos mesmos protagonistas, uns mais visíveis do que outros, à boleia da renovada e alindada opacidade da “bolha” política e mediática.

As cambalhotas são tratadas à la carte, como convém à (im)parcialidade de quem é afastado ou colocado atempadamente no sítio mais conveniente.

É o escrutínio, que temos e merecemos, com o mapa das audiências na mão, em que não falta semântica e semiótica para reinar, mas sobra tanto lixo.

Um mercenário, de direita ou de esquerda, ou de ambas, será sempre e apenas mais um mercenário que lá se vai safando, porque serve a “mão invisível” que trata da política, como do futebol, entre outros mercados.

O cidadão, que quer e paga a informação, sente-se enganado.

Mesmo estando a milhas do que se passa, resta-lhe a percepção difusa da falta de transparência.

A crise na imprensa – e de confiança nas instituições! –, é uma mera consequência de mais um grande embuste.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

A GRANDE ILUSÃO

 

A hecatombe do Bloco de Esquerda e do PCP e a explosão do Chega e da Iniciativa Liberal atiraram o país para as mãos de uma governação que havia manifestamente falhado.

Agora, sem a desculpa dos empecilhos à esquerda, com a direita ainda mais radicalizada e varrida a importância de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa vai enfrentar a sua própria aventura.

E se o receio lhe deu a vitória, a realidade obrigá-lo-á a subir penosamente o Gólgota, tais são os erros do passado e os riscos que estão no horizonte.

O medo também foi vencedor das eleições legislativas antecipadas.

A maioria absoluta do PS foi o refúgio que os portugueses consideraram mais seguro no actual tempo de crise excepcional.

O PSD não foi capaz de entender que a hora era de dar mais segurança, deixando-se embalar pela sereia do Bloco Central e por sondagens cuja credibilidade definitivamente morreu.

Rui Rio estava teimosamente preparado para o país, mas os portugueses ainda não estão confiantes numa mudança sustentada em mais rigor.

O caos na Justiça, Saúde e Educação não foram suficientes para mudar, pois a alternativa ancorada em mais exigência foi percepcionada como um risco insuportável.

Mais demérito do PSD do que mérito do PS.

O povo português entendeu colectivamente que devia dar mais uma oportunidade a António Costa.

Fê-lo expressivamente, fazendo baixar a abstenção.

«O povo votou, o PS ganhou».

Foi assim que António Costa sintetizou a maioria absoluta do PS.

Só resta saber se a grande ilusão manterá os mesmos protagonistas e a estabilidade política e social durante quatro anos face à oposição dura e crua do Chega e da Iniciativa Liberal.




segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

E DEPOIS DA CAMPANHA ELEITORAL


É simplesmente aterrador assistir à forma como foi descurado o voto de cerca de um milhão de confinados, desde o presidente (em silêncio) até ao governo e aos deputados.

O levantamento atamancado e tardio das regras sanitárias no dia das eleições, com a bênção do Ministério Público, mas com a oposição dos médicos de saúde pública, vai ter consequências na pandemia, na política e no resultado eleitoral.

Para já, uma única certeza: com menos de uma semana de campanha, o considerável número de indecisos podem determinar a escolha dos novos 230 deputados.

Neste contexto será interessante avaliar a reposta nas urnas às prestações de cada um dos líderes, desde logo às semelhanças perturbantes entre António Costa e José Sócrates: a mesma arrogância, a mesma estratégia de medo, a mesma lógica do vale tudo.

E também aquilatar como foram recebidas as surpresas João Oliveira e Rui Tavares, a coerência de Catarina Martins, a combatividade de Francisco Rodrigues dos Santos e João Cotrim Figueiredo, a lisura de Rui Rio e o calculismo de André Ventura e Inês Sousa Real.

Se o “diabo” de Passos Coelho virou fantasma, mais importante ainda é saber qual vai ser a resposta ao “diabo” de António Costa que está aí vivo e bem rosadinho.

Será que as famílias vão renovar a confiança no partido da governação depois de verem tombar os seus por causa da Covid e da falta de assistência médica?

Será que os milhões de doentes, que não tiveram cirurgias e consultas no SNS, vão aceitar mais do mesmo?

Será que os comerciantes e os pequenos e médios empresários vão apostar na continuidade depois de assistirem impotentes à distribuição do grosso dos apoios às grandes empresas?

O povo vai expressar a sua vontade sobre a governação, a alternativa e também após a atitude presidencial de branqueamento sistemático do governo de António Costa e de precipitação descabelada de eleições antecipadas em plena pandemia Covid.

E, desta vez, os discursos pios e os “fantasmas” dos cadernos eleitorais não serão suficientes para justificar a taxa de abstenção.

Ganhe quem ganhar, nesta espécie de trapalhada democrática, será incontornável estimar o número de cidadãos de carne e osso que não votaram por medo.

Se o próximo governo tem muito para fazer pela frente, Marcelo Rebelo de Sousa tem muitas explicações a dar ao país no dia 31 de Janeiro, depois de um silêncio mais uma vez politicamente cúmplice.