segunda-feira, 31 de maio de 2021

RIO ACIMA, RIO ABAIXO


Carregando um partido com de décadas de poder, corrupção e nepotismo, Rui Rio sabe que tem pouco para enfrentar António Costa e ainda menos para oferecer na actual conjuntura.

Nos próximos anos, o país vai continuar a sobreviver à custa da caridade, em versão de solidariedade europeia, e o povo não se importa com isso, muito pelo contrário, até se sente confortável com mais Estado e menos cidadania.

Rio já percebeu que não se pode passar do inferno ao céu num par de anos, enquanto Pedro Passos Coelho não o percebeu quando foi primeiro-ministro – e ainda não o consegue perceber.

A estratégia do PSD tem sido, logicamente, estancar as perdas do partido e tentar uma colagem ao poder que lhe permita garantir algumas migalhas e ao mesmo tempo iniciar algumas reformas.

 Chama-lhe "centro"...

Ora, se é verdade que os "EuroBonds" e a "Bazuca" são "milagres" inesperados também não é menos verdade que não se pode ter sol na eira e chuva no nabal.

O que resta?

Usar André Ventura para dizer o que o PSD não pode nem tem autoridade para afirmar, como ocorreu no congresso do Chega, ou seja, usá-lo como um catalisador de protesto para ensaiar um discurso de mudança.

É o jogo possível, mas perigoso, porque o agitar o fantasma do fascismo ainda consegue atormentar quem o viveu na carne e no osso.

É a única alternativa?

O líder do (ainda) maior partido da oposição bem pode ter que navegar rio acima, rio abaixo, e até pode ter razão na estratégia, mas passividade, seriedade e honestidade não têm casado com a conquista do poder.

E o grande desafio, que está longe de estar cumprido, é convencer os portugueses que se ganhar as eleições não vai condená-los a mais miséria para cumprir as metas da União Europeia.

O que falta?

A paciência – de que Rio não se pode gabar –, uma "qualidade" com que António Costa carrega e descarrega o Bloco e o PCP à medida dos interesses do PS.

A união do PSD à volta do líder e de um projecto concreto e claro de futuro.

Tempo, mais tempo, de que não dispõe.

Por isso está cada vez mais acantonado.

Em 1997, Rui Rio bateu com a porta a Marcelo.

Agora, tem pela frente a mesma muralha que o derrubou há quase 25 anos, com o primeiro-ministro a manter o poder pelo poder e o presidente que se basta com o fazer de conta e a popularidade fácil.

Vai voltar a bater com a porta?


segunda-feira, 24 de maio de 2021

TRANSPARÊNCIA DE CIRCUSTÂNCIA E FACHADA


Já lá vão os tempos em que a consulta de uma declaração de rendimentos era uma espécie de missão impossível junto do Palácio Ratton.

Mas a importância da transparência ainda está longe de ser uma mais-valia em Democracia.

A prova está à vista.

Por um lado, não é por acidente, ou por causa da pandemia, que a "Entidade para a Transparência no Exercício de Cargos Públicos" ainda não saiu do papel mais de dois anos depois da sua aprovação no Parlamento (PS, PSD e BE).

Por outro, ainda há quem a entenda como uma espécie de «polícia dos políticos» (PCP, CDS/PP e PEV).

Depois do “Conselho de Prevenção da Corrupção”, começa a ser evidente que a nova instituição pode resultar em mais fazer de conta, o que, aliás, poderá ter explicado uma tão pronta promulgação.

Se a lentidão do processo é grave, então o que dizer da manutenção da nova instituição na alçada do Tribunal Constitucional, quando a mais elementar lógica aponta para que transitasse para o Tribunal de Contas.

Afinal, o que está em causa é a riqueza e os dinheiros públicos, é o escrutínio de autarcas, deputados, gestores, governantes, magistrados e políticos.

A já decidida instalação da sede em Coimbra também prenuncia uma liderança entregue a um jurista e académico sem preparação para o combate ao crime de colarinho branco de um ponto de vista operacional.

Até parece que tudo foi pensado ao detalhe, desde logo ao mais alto nível dos partidos do Bloco Central, para garantir uma medida para encher o olho, mas sem qualquer hipótese de eficácia.

E não fora o arraso do GRECO, a 25 de Março passado, o assunto continuaria no típico deixar andar quando está em causa o combate à corrupção.

Nesta matéria, além dos truques, já pouco ou nada se espera de Marcelo, Costa e, sobretudo, do actual PS.

E a cedência do PSD, certamente circunstancial, não deixa de ser extraordinária.

Bem pode Rui Rio continuar a apregoar a necessidade de uma "limpeza".

Não haverá ninguém que o leve a sério enquanto continuar a desvalorizar tão olimpicamente um tal arrastamento que só contribui para reforçar a suspeição sobre o universo da administração pública.

Aliás, em boa verdade, se o líder do PSD estivesse determinado numa verdadeira mudança então já teria elevado a voz contra a dispersão de meios no âmbito do tão limitado quanto pomposamente apelidado "pacote da transparência".

Escasseia o tempo para Rio arrepiar caminho.

O combate à corrupção é uma prioridade, não pode ser uma moeda de troca após uma qualquer nomeação falhada ou para garantir umas migalhas no aparelho de Estado.

A afirmação de princípios é tão importante quanto o escrutínio da governação, sendo que ambos têm de anteceder e sustentar quaisquer negociações de bastidores.

Portugal merece mais do que uma transparência de circunstância e fachada.


domingo, 16 de maio de 2021

MÉDIO ORIENTE (CONTINUA) A ARDER

 

As imagens da guerra são sempre brutais, por muitas que sejam repetidas.

E quando se fala do Médio Oriente, então a banalização é ainda mais gritante e perigosa desde os fins do século XIX.

Dos 17 países que compõem esta zona do mundo, os mais ricos continuam a ser os mesmos e os mais pobres crescem em número.

Entre os mais ricos, Israel, Irão e Turquia continuam a prosperar e a mandar, enquanto os mais destruídos — Iémen, Iraque, Líbano, Palestina e Síria — continuam a empobrecer e a vergar aos interesses das grandes potências.

Não há nada que não tenha já sido dito sobre a necessidade de paz numa das regiões mais flageladas pela guerra.

E não faltaram iniciativas e acordos internacionais para tentar acabar com a carnificina a céu aberto. 

Mas tem faltado vontade política em acabar de vez com este confronto secular e religioso.

E tardam políticas de desenvolvimento para a região.

Quanto maior for o subdesenvolvimento e a pobreza, maior será a possibilidade de eternização desta economia da guerra, que alimenta as indústrias de armamento, sacrificando sucessivas gerações.

Como sublinha Yair Wallach, no The Guardian, «Os palestinianos permanecem no controle do lugar mais sagrado do país para muçulmanos e judeus, não por meio de força militar ou negociações diplomáticas, mas simplesmente por continuarem lá, com a autoridade moral que isso confere».

A generalizada indiferença, perante um conflito que se tem perpetuado nos tempos, traduz o desrespeito pela História e um insuportável falhanço da Humanidade.

E não se diga que a barbárie não é conhecida de todos.

Hoje, com a Internet, é possível seguir, quase em tempo real, ao fanatismo e ao belicismo das partes, bem como ao número de mortos e feridos inocentes que tombam, diariamente, às mãos de carrascos sem perdão.

Com Portugal a presidir ao Conselho da União Europeia, a 27, e António Guterres a liderar a ONU, aparentemente nada mudou em relação ao Médio Oriente que continua a arder.

É preciso fazer a diferença e lutar com imaginação para abrir os canais da civilização.





segunda-feira, 10 de maio de 2021

AGORA É ÀS CLARAS


Em Janeiro passado, o país foi sacudido pela notícia da vigilância a dois jornalistas a mando do Ministério Público.

Dois meses depois, o Conselho Superior de Magistratura, com dois votos contra (Maria João Antunes e José Manuel Mesquita), arquivou a investigação aberta às duas mandantes, Andrea Marques e Fernanda Pego, procuradoras do DIAP de Lisboa.

Agora, sabemos: dois jornalistas são acusados de violação de segredo de justiça; e Pedro Miguel Fonseca, coordenador da PJ, foi acusado de abuso de poder, violação de segredo de justiça e falsidade de testemunho.

Temos de passar a admitir o que alguns já sabiam há muitos anos: os jornalistas deixaram de ter condições para garantir a confidencialidade das suas fontes, ou seja, não podem exercer a sua profissão com liberdade e rigor.

A missão está cumprida para este tipo de "vigilantes" do regime, e certamente será premiada na primeira oportunidade, tal e qual como outros foram parar aos "cheques carecas" por investigarem o que não convinha ao poder político.

Surpresa?

Nenhuma, basta lembrar Assange Manning e Snowden.

E Rui Pinto?

Isso é uma conversa que ainda não terminou.

Felizmente, o que todos ficámos a saber da "Operação Lex", "e-Toupeira" e "emails do Benfica", notícias de inquestionável interesse público, continua publicado para quem quiser ler.

E provar que um encontro casual serviu para passar informação protegida pelo segredo de justiça é matéria delirante que se deixa para os tribunais, porque lhes caberá julgar.

Mas perseguir um crime à custa de um outro crime é seguramente uma cobardia revoltante.

Aparentemente, já não são precisos reformados, polícias que se confundem com assaltantes e agentes secretos, sobretudo depois do último "trabalhinho" de escutas ilegais ter corrido mal.

Agora, nesta Democracia de todas as esquerdas, a liberdade de imprensa é perseguida às claras.

E o que fazem presidente e primeiro-ministro?

Telefonam, tomam posição, criticam?

Não, calam!

A eleição de alvos individuais já não é suficiente.

À cautela todos passam a levar com o que resta desta Justiça cada vez mais injusta.

E, quando se esperava uma censura firme, eis que o insulto público é apenas "suscetível" de constituir uma ameaça.

Entretanto, agora como no passado, as empresas de comunicação social, de joelhos em relação ao Estado, lá vão despedindo, liquidando a informação e até dando uma no cravo outra na ferradura quando agridem os jornalistas.

A tese de que vale tudo quando a imprensa chega perto e incomoda, sobretudo quando estão em causa os podres do Estado, está a ser validada no dia-a-dia, mesmo à nossa frente.

Ainda não mandam matar jornalistas, só lhes batem e humilham, mas ficaremos por aqui?

A porta passou a estar aberta para jornalistas curiosos em relação a outros encontros, desde que, obviamente, ocorram na esquina da rua, na soleira do escritório, em frente a um prédio.

Ainda vamos ter de voltar a engolir papel, enquanto os filmes vão passando.

P. S. O comunicado da direcção de informação da RTP é uma excepção à regra por ser exemplar.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

E TANTO “CAPO” POR AÍ


Há um Portugal que ainda considera que ameaças, caneladas, chapadas, empurrões, insultos e humilhações não é nada de mais.

Afinal, a agressão ainda é para alguns, seja no recato do lar ou à porta de um estádio de futebol, coisa que só importa se for um espancamento brutal ou um homicídio.

É o mundo de Pinto da Costa.

E de uns poucos meliantes que se passeiam pelos corredores do poder e do regime, com direito a passadeira vermelha na comunicação social.

O seu sucesso tem sido alcançado à custa da conivência ao mais alto nível, desde uma parte da justiça aos órgãos de soberania.

O silêncio de Marcelo e Costa, após a investida miserável contra Francisco Ferreira, jornalista, diz tudo sobre o deliberado apagão institucional e político.

E a ausência de um comunicado clarificador da PGR, colocando um ponto final no branqueamento esboçado, até por quem menos se esperava, é apenas uma lamentável colateral da captura do Estado.

Das imagens que correram o mundo, colocando o futebol português abaixo do lixo, só falta destacar um instante, aquele último olhar, no derradeiro segundo, que anuncia a barbárie.

Imediatamente, recordei o olhar de que falava Antonio Di Pietro, entre outros, para caracterizar o modus operandi da máfia para corromper, extorquir, intimidar e liquidar: a ordem silenciosa, mais uma prova indirecta...

Na Itália da "Operação Mãos Limpas" também reinavam um presidente qualquer, a Democracia Cristã, o Partido Socialista, o Partido Social-Democrata e o Partido Liberal.

Passados 29 anos e tanto "capo" por aí.

Não, não é preciso recordar o "Apito Dourado", as machadadas por um punhado de terra ou o súbito "despertar" para a realidade mafiosa de todos conhecida há muito tempo em Odemira e por esse país fora.

Faz falta enfrentar os cúmplices das mãos nos bolsos, da dissimulação do tom de voz, da participação em qualquer acto vil e soez.

Afinal, cada português ser Portugal é apenas para entreter a malta.