O caso
Franquelim Alves continua a alimentar a agenda mediática, mas a polémica
instalada está longe de contribuir para a necessária clarificação.
Uma observação
ponderada sobre este episódio, em que a dignidade pessoal se verga ao enxovalho
público, remete para outros dois: Universidade Moderna versus Paulo Portas e Freeport versus
José Sócrates.
Nos dois
casos, cujas investigações mediaram um período de cerca de oito anos, já tinha ocorrido
o mesmo.
Portas e Sócrates
chegaram ao poder, em 2002 e 2005, respectivamente, cobertos por suspeitas fundamentadas,
sem o mínimo sobressalto de alguns que, agora, enchem a boca com a ética e o
princípio da responsabilidade republicana.
Não faltam
outros exemplos de carreiras fantásticas: Isaltino Morais continuou a ganhar
eleições apesar da sua performance no
mundo dos negócios autárquicos; e Manuel Dias Loureiro conseguiu manter o
assento no Conselho de Estado, com a anuência de o presidente da República, até
ao limite do insulto aos portugueses.
Basta de desculpas
esfarrapadas. O pecado original é antigo. E é preciso enfrentá-lo com realismo e vontade política.
O debate
não pode ficar centrado apenas na fulanização deste ou daquele governante. Tem
de ser alargado à rede de interesses instalados, cujos principais elementos lá
vão sendo pagos e promovidos à medida da alternância na governação.
É preciso
ir mais além, exigir comportamentos à prova de suspeições e responsabilizar os mais
altos responsáveis do Estado, designadamente os da justiça, tanto mais que a semana
foi pródiga em revelações sobre o DCIAP: o relatório internacional da Open
Society Foundations concluiu que Portugal colaborou com a CIA nos voos da
vergonha; por sua vez, Nuno Melo revelou um documento que comprova que o
departamento liderado por Cândida Almeida teve conhecimento, desde 2004, de
indícios fraudulentos no BPN.
Quanto aos sequestros, há muito que estamos conversados; e em relação ao
maior escândalo financeiro português está instalada a percepção geral que os
prejuízos gigantescos, que todos os portugueses estão a pagar, poderiam ter
sido minorados se o universo judiciário tivesse funcionado com independência e
zelo, em tempo útil, em relação aos poderosos.
A raiz do
problema é bem evidente: a falta de meios e a partidarização da justiça.
A mudança está
por cumprir. Resta a impunidade, como atesta a falta de peritos para a investigação de crimes complexos, nomeadamente os de colarinho branco.
O mutismo
de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, não contribui em nada para
a renovação deste ar pestilento que tresanda a silêncios, omissões e
encobrimentos de negociatas e vigaristas que formigam descaradamente aos mais
diversos níveis.
Portugal é
assim: um país cheio de inocentes que chegam ao poder, e que lá se mantêm com
toda a facilidade, beneficiando dessa posição, voluntária ou involuntariamente,
sem o mínimo pejo.
Esta vulnerabilidade
não é genética. Apenas falta uma cultura democrática mais firme e participada.
E, por pior que seja o cenário, há esperança na sociedade civil, como demonstra
a acção da Associação Transparência e Integridade em relação ao cumprimento da
lei de limitação de mandatos autárquicos e o apoio a Rui Moreira para a presidência
da Câmara Municipal do Porto.
O país não
é Lisboa. E tem de estar atento ao combate político autárquico, nomeadamente ao
que se avizinha na Invicta. Rui Moreira não tem margem para fazer o mesmo que
alguns dos seus mais proeminentes apoiantes fizeram, ou seja, baquear nos
momentos decisivos para enfrentar a alta corrupção.