O presidente da República tem
pautado o seu mandato pela proximidade, exibindo um estilo informal.
É verdade que o país precisava de
uma lufada de ar fresco e de ânimo, mas promover a auto-estima dos portugueses não
é igual a participar em eventos mais ou menos folclóricos e enviar uns recados
avulsos em dias de comemoração, os quais, quando isolados e desgarrados, apenas
servem para reforçar a sensação de branqueamento generalizado.
E a auto-estima de um povo só
pode ser atestada pela regra, e não pela excepção traduzida na inauguração de
mais uma obra faraónica ou de um momento de exaltação patriótica.
A valorização da auto-estima só
se alcança com verdade, transparência e políticas concretas.
Por ter saneamento básico, mesmo no
mais recôndito lugar do país;
Por ter Saúde, sem ter de estar
horas numa fila de espera ou correr o risco de morrer por causa de uma bactéria
à solta nos hospitais;
Por ter Educação, sem chafurdar nas
conjunturas políticas, partidárias e sindicais;
Por ter acesso à Justiça, sem ter
de pedir dinheiro emprestado para pagar as custas e assegurar advogados com o
mínimo de experiência;
Por ter acesso à Cultura desde a
escola primária, sem ter de pagar umas feiras, uns concertos e umas óperas com convidados
em traje de gala.
Em suma, a apologia da auto-estima
é assumir o pior, sem vergonha, rodeios e paninhos quentes, pois só assim é
possível mudar e progredir.
Por isso é que os negócios,
negociatas e demais falcatruas, que têm assaltado a agenda mediática e o
quotidiano dos portugueses, já deviam ter mobilizado o presidente para o
combate aos ladrões e corruptos.
Na batalha sem quartel que se
está a travar entre as máfias que dominaram o país nas últimas décadas, como
atestam os mais diversos processos judiciais e os livros dados à estampa com
estrondo, Marcelo Rebelo de Sousa tem de escolher entre a equidistância cúmplice e a reprovação activa e mobilizadora.
Portugal só conseguirá sair do pântano com atitudes cristalinas, a afirmação do Estado de Direito, a protecção dos direitos individuais e a defesa da liberdade de expressão.
Apesar de ter interiorizado a
cultura democrática, Marcelo Rebelo de Sousa é o que é, não pisa o risco, continua
a ser o fiel sorridente do sistema, o comentador do regime, o amigo de todos, dos
"doces" aos "salgados".
Mas a vida é como é, desde que os
cidadãos assim o permitam.
E têm permitido tudo, com o
beneplácito de uma elite venal e venial, de uma classe política assolada pela opacidade e corrupção
e de uma comunicação social tão veneranda quanto falida, salvo raras excepções.
Mas Portugal é muito maior do que uma certa canalha minoritária e transitória, hoje como ontem instalada no poder, que
multiplica elogios e estende a passadeira vermelha a quem varre o lixo para debaixo
do tapete como quem dança a valsa.
Mesmo para aqueles que querem
parecer o que não são, nem nunca foram, com a cumplicidade do exército de pardos
pagos principescamente para nada ver, ouvir e saber, a realidade é só uma: a batalha
pela melhoria da auto-estima de um povo é muito mais do que um bailete.
P. S. Esta crónica foi escrita em 19 de Outubro de 2016. Mais de dois anos depois continua MAIS ACTUAL!