segunda-feira, 5 de julho de 2021

SNS DE CASERNA


A gratuidade e a universalidade do Serviço Nacional de Saúde têm gerado um gigantesco equívoco nas últimas décadas.

Como não implica pagamento imediato, mais taxa menos taxa, o cidadão tem tolerado abusos, desorganização, corrupção e até gritante falta de qualidade.

Como sempre sofre quem é mais pobre e tem menos influência e capacidade de reivindicação.

Em pandemia, a situação agravou-se ainda mais com milhões de consultas e milhares de cirurgias adiadas.

Mas o que era um facto só negado pela propaganda oficial passou a ser uma política de Estado assumida.

Gouveia e Melo, vestindo a pele do bafiento saudosismo militarista, anunciou o reforço do plano de vacinação à custa da qualidade da prestação do serviço.

O SNS de caserna está em passo de marcha.

Em boa verdade, não é a franqueza do vice-almirante que choca, mas sim o silêncio do presidente, do primeiro-ministro, dos deputados, em suma, da esmagadora maioria dos cidadãos.

Não podemos ir a um centro comercial, a um restaurante, a um bar, e até circular fora de horas, mas podemos ir para uma fila com centenas de pessoas, sujeitos a torrar ao sol, para sermos vacinados.

E, de notar, dizem que o plano de vacinação está a correr bem, ainda que sem divulgação de informação oficial que permita um escrutínio sério e rigoroso.

Agora, por um instante, imaginem se estivesse a correr mal…

A falta respeito pelos cidadãos, no SNS como noutros serviços públicos, é apenas mais um sinal da degradação do regime.

A constatação faz parte de todos os relatórios independentes, mas é preciso recordar que o SNS não é borla nem oferecido pelo Estado liderado pela Esquerda, é pago com os impostos dos portugueses.

O pior que nos podia acontecer, como tem acontecido com ou sem pandemia, é a confirmação de um SNS para os pobrezinhos agradecidos que comem, calam e lá vão cantando, rindo e morrendo.

Também vamos ter militares, com camuflados, de armas em punho, à porta dos centros de vacinação?

segunda-feira, 28 de junho de 2021

CUL-DE-SAC


Se relermos as notícias de 2001 somos levados a concluir que estamos em 2021, ou vice-versa. 

Há 20 anos era a corrupção, a impunidade, o nepotismo, a falta de longo prazo, tal como hoje, com a diferença que a Covid acelerou a percepção dos cidadãos

A demissão de António Guterres certamente não se repetirá com António Costa, mas o pântano nunca foi tão fácil de enxergar como agora.

Até a alternativa a Guterres – Durão Barroso –, confirmada em 2002, gerava então tanto entusiasmo como a possibilidade de Rui Rio suceder ao actual primeiro-ministro.

Dez anos depois, com Passos Coelho, os portugueses ainda acreditaram que a mudança era possível com a troca do líder, sem transformar o país.

Ora, PS e PSD continuam iguais ao que sempre foram, para desgraça dos portugueses.

Duas alterações vieram cavar ainda mais o abismo.

A primeira pode resumir-se à banalização de Belém a partir de 2016, caindo a tradição da Presidência ser a última referência, para o bem ou para o mal.

Actualmente, tudo mudou com o brutal branqueamento presidencial ao serviço de António Costa e do regime de opacidades.

A segunda também está à vista: o fenómeno do Chega.

Depois de engolida a Esquerda mais radical, a táctica rasteira de engordar a Direita mais extremista continua a avançar.

Nem mesmo a consolidação da dinastia Le Pen e a irrelevância do PS francês bastaram para demover o cinismo político em curso.

Em 2015, António Costa conseguiu dissolver o azeite na água, abastardando a tradição parlamentar, com os resultados que enfrentamos no presente.

E se, em 2023, Rui Rio, ou qualquer outro líder do PSD, seguir a mesma fórmula oportunista, então as consequências são imprevisíveis.

No início do século escolhemos o mal menor, sem entusiasmo e convicção, por falta de cidadania e porque o país não tinha nada de diferente para oferecer.

Em 2023, ou antes, se a fuga para Bruxelas de 2004 se repetir, a mesma falta de cidadania, a mesma opção sem futuro, pode obrigar a outras tantas décadas perdidas.

Se não mudarmos, se o país não mudar a tempo, voltaremos a enveredar por becos sem saída (cul-de-sac).


segunda-feira, 21 de junho de 2021

PARAR, PENSAR E... CONTINUAR A FAZER DE CONTA


A erosão provocada pelo poder deveria ser um dos motores da mudança.

Mas para a alternativa vingar é preciso muito mais do que erros acumulados pelo poder e o cumprimento de um calendário eleitoral: são necessárias propostas competentes, mobilizadoras e coerentes.

É evidente o desgaste do governo, mas continua a faltar o resto.

Vale a pena recordar a recente intervenção de Manuel Costa Andrade em que acusou Lucília Gago, procuradora-geral da República, de «agente encoberto à revelia da Constituição».

As palavras do juiz mais político de Portugal podiam ter sido o combustível necessário para a oposição explodir de credibilidade junto dos eleitores.

Mas no mesmo discurso, o jurista lembrou também os perigos das propostas dos partidos na luta contra a corrupção.

De uma penada, ficaram à vista os problemas, mas também a falta de uma alternativa credível.

Como se não bastasse, passados uns dias, os juízes (ASJP) arrasaram o que restava da contribuição do PS e do PSD.

Num momento em que de António Costa já se espera pouco ou nada e são cada vez menos aqueles que levam Marcelo Rebelo de Sousa a sério, Rui Rio sai em maus lençóis para almejar liderar uma alternativa.

Quando os dois maiores partidos se concertam para simular uma espécie de legislação que pode acabar por resultar numa cobertura aos corruptos também pouco ou nada se pode esperar da alternativa.

Para manter o poder ou para assumir a liderança de uma alternativa é preciso muito mais do que parar, pensar e... continuar a fazer de conta.

Por isso arrastam-se durante décadas estrangulamentos nos mais diversos sectores decisivos para o desenvolvimento, acumulando-se erros e compadrios dignos de gente mesquinha e incompetente que assaltou o país há muito tempo.

A culpa não é só dos boys também é dos líderes que não sobreviveriam sem eles.

O espectáculo de Fernando Medina é apenas mais um exemplo tão lamentável quanto as críticas justas de Rui Rio à recandidatura de Rui Moreira que caem por terra por causa do caso Silvano, deixando mais um enorme vazio à mercê de todos os radicalismos.

Os protagonistas são o que são, mas muito pior é a falta de cultura de exigência e escrutínio capaz de alavancar a mudança.


segunda-feira, 14 de junho de 2021

PRESIDENTE, LEGITIMIDADE E DEMISSÃO


Não é Pedrógão, mas é Tancos.

Não é a corrupção endémica, mas é a factura milionária dos Bancos falidos.

Não é a gigantesca máquina de propaganda, mas é a dívida pública galopante.

Não é a ocultação da realidade, mas é o SNS impotente a deixar a morrer.

Não é a falsa promessa de apoios, mas é a reconstrução de um palácio.

Até mesmo quando é pública a divulgação de dados pessoais pela Câmara Municipal de Lisboa, liderada por Fernando Medina, a palavra presidencial é de branqueamento grotesco.

Num dia, temos que proteger os estrangeiros porque somos um país de emigrantes; no dia a seguir, cidadãos israelitas, palestinianos, russos, venezuelanos são colocados em risco.

E numa primeira reacção presidencial: Acontece!

O caricato é que ninguém assume a responsabilidade, mesmo quando o nome de Portugal é internacionalmente arrastado na lama.

O branqueamento presidencial sistemático é um cancro que está a liquidar o regime democrático, dando origem a fenómenos de mais e mais radicalização.

E, como se não bastasse, até Francisco Louçã, na pele de Estado, tem o atrevimento político de afirmar, sem se rir, que «os pedidos de demissão de Fernando Medina são uma espécie de brincadeira».

Cresce a convicção de que isto só lá vai com mão forte, autoritarismo, quiçá mais um ditador.

Entretanto, o primeiro-ministro faz-de-conta que não é nada com ele, acantonado no seu gabinete e até aborrecido quando é interpelado.

Como se fosse possível esquecer que foi edil de Lisboa, que a política externa é uma manta de servilismos.

Afinal, o "orgulho" no português que lidera da ONU não o impede de assistir em silêncio, nos últimos meses, ao espezinhar dos Direitos Humanos.

E, até entre os das esquerdas, há ainda o dislate para invectivar contra quem, com mais ou menos passado democrático, denuncia este pagode de insensibilidade e irresponsabilidade.

Todos os cuidados são poucos, quando a palavra presidencial vale menos do que uma selfie.

E não admira que a crescente indignação, desde a rua ao hipermercado, tarde em chegar aos gabinetes do poder e aos centros de sondagens.

Se depois de mais este aviltante atropelo tudo continuar na mesma, enquanto o presidente acena, sorri e vai à bola, então não há respeito que perdure, não há confiança que resista.

A legitimidade do presidente nas urnas (menos de 1/4 dos eleitores) não valida a participação no apodrecimento do regime.

A dignidade da função não pode continuar a calar a crítica do branqueamento impune.

– Demita-se!