sábado, 7 de julho de 2012

Que gente é esta?

      Passos Coelho não pode continuar a massacrar os portugueses ao mesmo tempo que poupa as clientelas e os amigos.

      Os portugueses não mereciam esta desilusão, sobretudo porque muitos acreditaram que uma nova geração de políticos seria capaz de consolidar a mudança, de combater a corrupção, de enfrentar o tráfico de influências, de prescindir das nomeações partidárias, de fomentar uma cultura de rigor e exigência, de dar o exemplo de seriedade e credibilidade e de devolver a esperança num futuro melhor.

      Há limites para a arrogância. Após a última extraordinária decisão do Tribunal Constitucional, a declaração que deixou implícita a ameaça velada de futuros cortes nos subsídios de férias e de Natal para o universo dos trabalhadores, públicos e privados, é uma violação flagrante do contrato estabelecido com os portugueses durante a campanha eleitoral.

      Há limites para a desonestidade política. As reacções dissimuladas não abafam a actuação impune de Miguel Relvas, a guerra surda no seio do governo, as negociatas de Estado, os tachos para os amigos e companheiros de partido, entre outras barafundas, mais ou menos secretas, que estão a manchar a governação a um ritmo vertiginoso.

      Os portugueses não podem aceitar pacificamente mais aumentos de impostos antes do governo fazer o que prometeu e tem de ser feito sem demora:

1. Acabar com o regabofe das fundações públicas e privadas, cuja decisão já começa a tardar;

2. Concluir a renegociação das PPP's, mais uma vez adiada;

3. Combater a promiscuidade ao mais alto nível (por exemplo: no conselho consultivo do Banco de Portugal têm assento personalidades com interesse na banca privada);

4. Batalhar contra o potencial tráfico de influências entre Estado e interesses privados (por exemplo: os mais importantes ex-ministros das Obras Públicas são actualmente altos responsáveis das maiores empresas do sector);

5. Moderar a prática degradante de deputados que de manhã trabalham em empresas privadas e à tarde lideram comissões parlamentares que as fiscalizam (por exemplo: os dois últimos presidentes da Comissão de Defesa - José Mattos Correia e José Luís Arnaut - pertencem ao mesmo escritório de advogados, cujo principal sócio, Rui Pena, foi ministro da Defesa);

6. Combater a corrupção ao mais alto nível e a economia paralela, começando por fiscalizar os 13740 organismos públicos, dos quais só 1724 apresentam contas?

7. Enfrentar o triângulo formado por presidentes de câmara, promotores imobiliários e banqueiros que são responsáveis por uma bolha que está à beira de rebentar;

8. Romper com os oligopólios, com mais ou menos energia e combustível, que obrigam os portugueses a mais e mais sacrifícios;

9. Extinguir entidades que só têm servido para gerar confusão e desresponsabilização nos mais diversos sectores;

10. Reduzir os 9 mil milhões de euros de euros gastos em juros da divida pública.

      Aumentar impostos? Ainda mais? Antes de avançar com medidas essenciais para atacar o "monstro" que tem condenado os portugueses à miséria?

      Afinal, que gente é esta?

      Já não dá para pactuar com as falsas promessas, com as ameaças do custe o que custar, com as fugas pelas traseiras para escapar aos protestos e com os discursos medíocres e vagos.

      O diagnóstico está feito, sobretudo por quem tem opinião livre e dispensa chafurdar na manjedoura do Estado.

      Basta começar por rever o último programa "Negócios da Semana", que passou na SIC Notícias, moderado por José Gomes Ferreira.

      Nunca é tarde para reconhecer os erros e ter vergonha na cara.

sábado, 30 de junho de 2012

O que não mudou em Portugal


Passos Coelho está a gripar. 

A poucos dias do debate do Estado da Nação, importa fazer o balanço sobre o que não mudou em Portugal:
 1. O bloco central de interesses;
 2. A falta de transparência e os negócios de Estado, com todos os olhos na TAP;
 3. As nomeações para cargos da maior relevância que potenciam o tráfico de influências;
 4. O favorecimento dos mesmos grupos económicos constituídos durante os governos PSD e reforçados pela governação do PS;
 5. A falta de determinação no combate à corrupção;
 6. A irresponsabilidade política dos titulares de cargos públicos;
 7. A burocracia e a imensa carga fiscal;
 8. A falta de um quadro claro de captação de investimento estrangeiro;
 9. O esmagamento dos pensionistas que vivem com rendimentos miseráveis;
10. Os cortes que afectam os mais necessitados, designadamente no SNS. 

Para quem considerou que o país já tinha batido tão no fundo que só poderíamos melhorar, os dez pecados mortais de Passos Coelho são tristes revelações.

Está tudo a correr mal?
Não!

Tal como o Estado, alguns cidadãos foram obrigados a uma atitude de maior contenção e racionalidade nas suas despesas e capacidade de endividamento.

Mas será que é suficiente?
Não!

Com a recessão instalada, os portugueses começam a duvidar que tanto sofrimento valha a pena.

E porquê?

Porque a governação continua a ser opaca; porque a distribuição dos sacrifícios não é equitativa; porque o descontrolo orçamental permanece apesar do esforço exigido aos cidadãos.

Se comparáramos as manchetes dos jornais de hoje com as do ano passado, constatamos que a promiscuidade continua ao mais alto nível, que as queixas dos cidadãos são iguais e que a liberdade continua no fio da navalha, como comprovam amplamente os casos das secretas e de Miguel Relvas.

Ninguém entende a poupança brutal e forçada se não existirem sinais reais de uma luz ao fundo do túnel.

Não admira que os cidadãos comecem a desconfiar da seriedade do governo, duvidem da determinação dos ministros para fazer o que tem de ser feito e questionem a capacidade do primeiro-ministro em aguentar o mandato de quatro anos.

Não basta recorrer às receitas do passado, papagueando slogans para mostrar que o governo está a trabalhar. O povo precisa é de ver e sentir que estão a ser alcançados resultados positivos no equilíbrio das contas públicas, no desenvolvimento da economia, nos serviços de saúde, ensino e justiça e na criação de um ambiente que permita às empresas criarem postos de trabalho e gerarem lucros.

Com a incerteza instalada, com mais ou menos remodelação à vista, ninguém aceitará, pacificamente, sobretudo os jovens, a manutenção da condescendência em relação às impunidades e iniquidades que estão na origem do empobrecimento do país.

A contestação popular, à beira de se transformar em agitação social, não é uma ameaça à estabilidade governamental, mas sim uma reacção legítima de quem já não ignora o impasse em que mergulhámos nem aguenta mais impostos.

Em síntese: A tolerância em relação ao governo passou a ser inversamente proporcional ao aumento das dificuldades da população no dia-a-dia.

As decisões da última cimeira europeia representam uma última oportunidade para evitar o desastre. Mas por mais ventos europeus favoráveis, o país só será capaz de mudar se estiver mobilizado colectivamente, se acreditar que o governo é liderado por um primeiro-ministro que não falha nos momentos decisivos, não pactua com os mais poderosos, não cede aos interesses particulares e não contemporiza com a mentira.

sábado, 23 de junho de 2012

ERC e a vidinha continua

            A deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre o caso Relvas/Público é um tratado sobre o estado a que chegou o país e a comunicação social.

            Sob a capa dos factos e da ponderação do enquadramento legal não obstante algumas observações que abrem a porta a equívocos perigosos (ponto 174) , a deliberação obedeceu a uma única prioridade: salvar a face do poder.

 Em primeiro lugar, tentou salvar a face do ministro. A averiguação a propósito das pressões "ilícitas" de Miguel Relvas sobre o jornal Público abriu a porta ao branqueamento. O que estava em causa, e continua a estar, é apenas saber se existiu um ataque à liberdade de imprensa, se existiram pressões inaceitáveis sobre uma jornalista e se é possível a um detentor de um cargo público usar informação privilegiada para condicionar a actividade de um jornalista através da ameaça da divulgação de dados da sua vida pessoal.

Em segundo lugar, tentou salvar a face da direcção do "Público". Em todo o texto da deliberação, até parece que quem foi ameaçada foi Bárbara Reis, directora, e não Maria José Oliveira, jornalista. O descaramento é tal que basta verificar que o regulador abdica de fazer qualquer recomendação, ficando por vagas considerações que começam por aceitar a tese conspirativa do ministro Relvas.

Em terceiro lugar, tentou salvar a face da ERC. Quem conhece a história de Carlos Magno, presidente da reguladora, não podia esperar outra coisa, ou melhor, presume-se que não terá sido pela sua independência que foi escolhido para liderar a ERC. Aliás, a leitura cuidadosa do documento revela bem o estilo do seu primeiro signatário: reverencial com o poder, preocupado em parecer isento e cuidadoso com os detalhes.

Numa apreciação mais nua e crua, a deliberação é um hino à hipocrisia que está à altura de uma comunicação social mais vulnerável e dependente, que aprecia menos o trabalho do jornalista e valoriza mais a imagem de independência e distanciamento dos poderes institucionais e instituídos.

Para quem tivesse dúvidas basta atentar que é o próprio presidente da ERC que assume uma tentativa desesperada de «cozinhar ou manipular a deliberação», até ao último minuto, para conseguir a unanimidade no Conselho Regulador, ou seja para manter a fachada de independência da ERC.

Neste universo de todo o tipo de golpes de rins não podia faltar uma ponta de cinismo. Ao mesmo tempo que transborda de cuidados em salvar o ministro, a ERC consegue a suprema ironia de reabrir o caminho para o segundo funeral político de Miguel Relvas, ao admitir que sexa teve um comportamento «objecto de um juízo negativo no plano ético e institucional».

A deliberação da ERC é uma fraude pelo simples facto que apenas pretendeu consolidar a situação de precariedade que se vive há muito tempo nos órgãos de comunicação: a defesa do poder editorial da hierarquia. Não as condições de trabalho dos jornalistas, neste caso da jornalista, em relação ao poder político; não o do Público em relação ao governo; mas o da direcção do Público em relação aos seus jornalistas.

A ERC nunca defendeu a liberdade de imprensa e os jornalistas. Foi assim com Sócrates. Ficamos a saber que também assim é com Pedro Passos Coelho.

Agora, só falta saber o essencial: qual vai ser o futuro de Maria José Oliveira?

Certamente, a jornalista não vai passar pelos jardins de Belém e de São Bento, nem tão-pouco corre o risco de ser nomeada para presidir à ERC.

Falta pouco para todos se calarem.

A vidinha continua.

sábado, 16 de junho de 2012

O regresso ao passado


Há um frémito no ar, que se sente a léguas, por causa da ameaça grega, da iminente implosão do euro, da recessão económica e do desemprego.

Ao mesmo tempo, o impasse interno começa a fazer fluir a pré-desagregação do Estado, seja ele social ou do mínimo denominador comum dos valores democráticos, ao ritmo da entrada de capitais estrangeiros lavados pela extrema necessidade. Não é por caso que cada escolha pesa toneladas sobre os ombros de quem tem e não tem poder.

Ao longo dos últimos meses foi visível o início de uma espécie de mudança que sucumbiu ao primeiro grande desafio.

 Com o chão a fugir debaixo dos pés de pobres e ricos, anónimos e poderosos, cidadãos e governantes, o fosso cavado entre aqueles que teimaram em lidar com o nome próprio das coisas e aqueles que se continuam a esconder na ficção das generalidades voltou ao ponto de partida.

E o que vemos, quando queremos ver livremente?

Cavaco Silva está politicamente fragilizado e incapaz de assegurar o regular funcionamento das instituições, como atestam as críticas de vários partidos políticos e até algumas sondagens.

Passos Coelho, que começou bem e prometeu muito, está paralisado e condicionado por incoerências insanáveis, quiçá refém de um ministro que mente no parlamento e de altos funcionários que têm escapado aos órgãos de fiscalização. 

Paulo Portas mais parece um caixeiro-viajante (sem ofensa para o ministro e para os caixeiros-viajantes), exibindo um punhado de investimentos estrangeiros enquanto perdura a opacidade sobre os extraordinários negócios dos submarinos.

Os idosos com mais de oitenta anos percorrem quilómetros para aceder a uma consulta médica, sem a certeza de poderem pagar os tratamentos ou de comprar os medicamentos.

O direito à justiça passou a ser quase um privilégio dos poderosos, sendo que os restantes mortais têm de se contentar com as sobras do que resta do estado de direito.

Bancos e banqueiros encaixam empréstimos de um Estado falido e generoso com o sistema e impotente face às dificuldades dos cidadãos.

Muitos outros exemplos poderiam ser apontados para ilustrar esta fatalidade genética salazarenta que empata o presente e corrói o futuro. Por isso impõe-se a pergunta: regressamos à governação do passado, que encheu os bolsos de alguns ao ritmo que esvaziou os cofres do Estado? 

A sucessão dos últimos escândalos atesta que as mudanças não beliscaram o olímpico salve-se quem puder desde que não seja apanhado ou não dê nas vistas.

O mais grave é que não se vislumbra alternativa. No momento em que todos começam a olhar para a esquerda, lá veio a estafada estabilidade política, o velho argumento daqueles que não vivem, pois estão sempre à espera que a vida lhes bata à porta.

Eis a principal razão porque continuamos a viver no pântano, de crise em crise, de falência em falência, sem que sobrevenha uma alternativa, uma nova classe política, uma nova cidadania.

Este bloco central de interesses, que nos tem atirado para o abismo, com uma regularidade espantosa, continua vivo e sólido, contando com a influência serviçal  da corte do costume e com a cumplicidade de uma comunicação social que lá lhe vai abrindo as portas quando são atirados borda fora do poder.

Assim, não há alternativa que vingue. Até ao dia em que os portugueses comecem a perceber os custos da corrupção e a desconfiar destes "anjos" da democracia que se eternizam à medida dos seus jogos políticos, mais ou menos sujos, mas sempre à socapa.

Quem fica a perder?

O país e os portugueses.





sábado, 9 de junho de 2012

Exigência e excelência


Acabou a condescendência em relação ao governo de Passos Coelho, que alguns têm insistido em baralhar com estado de graça, passividade ou paciência.

O caso das secretas, que se confunde com o caso Relvas, ou vice-versa, foi a gota de água que fez transbordar o copo cheio de más notícias.

A auréola de Passos Coelho caiu face ao primeiro grande embate da governação: quando o país esperava a firmeza inquebrantável, digna de quem valoriza os valores democráticos, multiplicaram-se as hesitações, as cumplicidades, as ameaças, as mentiras e os ziguezagues.

Os resultados do último barómetro da Universidade Católica provam que o clima político está a mudar. E não foram os indicadores desastrosos, nomeadamente o desemprego, que provocaram esta mudança no estado de espírito geral. Muito pelo contrário. Na origem da descrença está a constatação que o governo por incapacidade, compromisso ou cobardia política não está a cumprir a verdadeira mudança prometida.

Não obstante a tentativa de desvalorizar as sucessivas revelações, que atestam a promiscuidade ao mais alto nível até à náusea, os próximos tempos comprovarão o rombo na credibilidade do governo. Há rótulos que se colam aos governantes para sempre, determinando o seu futuro, justa ou injustamente.

Resta saber como Passos Coelho vai tentar sair do atoleiro em que se meteu, voluntaria ou involuntariamente, mas seguramente por culpa própria.

Não vale a pena invocar a honra, a família e as intenções reformistas, nem tão-pouco tentar condicionar os jornalistas e os colunistas de opinião para tentar mascarar os próprios erros. O silenciamento das vozes críticas, de uma forma mais ou menos indirecta, é uma saída indigna de quem prometeu fazer a diferença.

Basta olhar para o passado para perceber que este tipo de ardil, ainda que com apoios no seio da bafienta nomenclatura, não tem qualquer viabilidade. Nunca tem futuro. Mais tarde ou mais cedo, a realidade impõe-se, expondo quem nunca olha a meios para atingir os fins.

Em democracia não há maiorias, estrelas e serviçais suficientes para apagar os factos, sejam eles económicos, financeiros, sociais ou de Estado. Por isso os cidadãos passaram a ter todas as razões para suspeitarem dos serviços de informações. E se o governo não pôde, ou não consegue, resolver o problema, então os portugueses também têm toda a legitimidade para desconfiar de quem os governa, a começar pelo primeiro-ministro, já que Miguel Relvas passou à condição de cadáver político ambulante. E não colhe quem tenta confundir a determinação do número dois político do governo em privatizar um canal da RTP (que sempre elogiei) com as trapalhadas em que se enredou, ou foi obrigado a enredar (que continuo a criticar).

Sacrificar as liberdades individuais às mãos de interesses particulares e de estratégias inexplicadas, quiçá por rendição a influências que não têm rosto nem nome, pode ser o artifício usado para servir de exemplo num momento em que se advinha um crescendo da contestação. Mas como a história já demonstrou, por diversas vezes, há caminhos que conduzem, inevitavelmente, a um beco sem saída e sem glória.

O país não tem tempo para novos impasses, que ontem nos conduziram ao estado de emergência e hoje nos colocam à beira do abismo.

Nos momentos críticos, os governantes têm de servir no poder em vez de se servir do poder, sejam quais forem as suas circunstâncias políticas e particulares.

No dia de Portugal a situação é tão séria que só pode ser enfrentada com exigência e excelência.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Passos à beira do abismo


Ao desistir de assumir uma atitude transparente e firme em relação à nebulosa que invadiu os serviços de informações, Passos Coelho revelou uma enorme falta de sentido de Estado, para a qual, aliás, contribuiu o calculismo político de três cúmplices.
O primeiro chama-se Aníbal Cavaco Silva. Quando o Presidente da República considera um dos momentos mais graves da história dos serviços de informações como uma “questão político-partidária”, então temos de concordar que institucionalmente o país bateu no fundo.
O segundo chama-se Paulo Portas. O alheamento público do ministro dos Negócios Estrangeiros contrasta com a sua expedita decisão de contribuir para o afastamento de Bramão Ramos e Heitor Romana do então SIEDM, em 2002, por causa de notícias sobre a vigilância ilegal a personalidades da vida política portuguesa.
O terceiro chama-se António José Seguro. A reacção de indignação mole e formal é a melhor prova da má consciência dos socialistas em relação ao que se passou nas secretas nos últimos dois governos de Sócrates.
A um par de semanas de cumprir um ano de liderança no governo, Passos Coelho ficará para sempre associado à sua paralisia em relação ao descontrolo nos serviços de informações, que continua a enxovalhar o país. E a procissão ainda vai no adro.
Passos Coelho desperdiçou uma grande parte do capital de credibilidade política que lhe tinha permitido marcar a diferença com o seu antecessor, não obstante algumas explicações tão esforçadas quanto pífias, sempre a reboque dos acontecimentos e das notícias.
Por isso a governação entrou numa nova fase em que se impõem duas questões: quem pode continuar a acreditar num líder do governo que segura um ministro apesar de todas as evidências? Quem pode continuar a confiar num primeiro-ministro que renova a confiança política no chefe dos serviços de informações e ao mesmo tempo confessa a necessidade de reforçar a sua fiscalização?
Quem adia uma urgente reestruturação, para não lhe chamar limpeza geral, até pode dizer que não cedeu a quaisquer pressões, mas corre o risco de ser acusado de não o ter feito por estar condicionado ou por não estar à altura das responsabilidades.
De hesitação em hesitação, e contrariamente ao que apregoou em Janeiro de 2011, quando pediu a demissão imediata de Rui Pereira por causa das trapalhadas eleitorais nas presidenciais, o mais grave é que Passos Coelho deu uma machadada num dos pilares da democracia: a responsabilidade política dos titulares de cargos públicos.
O agravamento da desconfiança dos cidadãos nas instituições é um desastre para Portugal. E não há selecção de futebol, por mais êxitos esperados e desejados, capaz de disfarçar o actual pântano e a enorme descrença que graça pelo país, de norte a sul, da direita à esquerda.
Os serviços de informações estão moribundos, interna e externamente. Ou a nebulosa vence, pelo que é de esperar a recusa do direito de defesa aos três arguidos constituídos pelo Ministério Público, ou então Passos Coelho, o primeiro responsável pelos serviços, enfrenta o problema, doa a quem doer, e assume os custos políticos e as consequências de dez meses de gestão desastrada de um escândalo com proporções ainda desconhecidas.
O levantamento do segredo de Estado é a última saída para dissipar as dúvidas sobre a actividade das secretas.

Crescimento e emprego

O país aparece dividido entre os “bons” e os “maus”, entre os “sensíveis” da esquerda e os “insensíveis” da direita.
O grotesco da argumentação justifica a clarificação do que está a montante desta controvérsia política estéril e medíocre.
Em primeiro lugar, é preciso não esquecer que foi a esquerda no poder, os tais “sensíveis”, que atiraram o país para a assistência internacional e para a austeridade imposta pelos credores externos.
Em segundo lugar, e ao contrário do que afiançaram os mesmos que agora vociferam contra Angela Merkel, importa recordar que a criação da União Monetária, iniciada em Maastricht em 1992, serviu mais os países ricos do que a coesão económica e social.

Em terceiro lugar, é preciso afirmar que, hoje tal como ontem, os governantes continuam a adiar as reformas estruturais, quiçá por continuarem capturados pelas suas clientelas e outros interesses difusos.
Chegados aqui, a conclusão impõe-se: se o tresloucado endividamento foi politicamente criminoso, actualmente é impossível ignorar o desemprego, a miséria e o desespero dos jovens.
Com a Grécia com um pé dentro e outro fora da zona euro, o sonho europeu está em risco. E das duas uma: ou Portugal fica à espera da bonança entre os 27 e de uns trocos para camuflar os seus problemas, ou começa a arrumar a casa para estar preparado para enfrentar qualquer cenário.
Neste momento, acreditar que todos os problemas internos se resolvem com mais fundos europeus é um suicídio colectivo.

Mesmo que se chegue a acordo para utilizar as obrigações destinadas a projectos específicos (os chamados “project-bonds”) em países que precisam de investimentos como pão para a boca, como a Grécia, Portugal, Espanha e Itália, é preciso asseverar, inequivocamente, que, mais uma vez, os países mais poderosos e os seus bancos e empresas serão os principais beneficiários, em detrimento das pequenas e médias empresas nacionais.
Ou metemos mãos à obra para resolver internamente o que já deveria ter sido resolvido há décadas, ou continuaremos totalmente dependentes do que vier a acontecer em termos europeus e mundiais.
As cenas ultrajantes a que continuamos a assistir não se cingem às secretas, existem outros episódios para provar que ainda há muito, mas mesmo muito para mudar: em vez de um quadro institucional regular, o Presidente da República e o procurador-geral da República paralisaram quando confrontados com a notícia de um crime público por parte de um governante; em vez de um sistema financeiro sólido, uma rede de lavagem de dinheiro, com indícios de ligação à banca e à política, chegou à luz do dia; em vez de uma administração exigente e competente, foram contratualizados investimentos públicos da ordem dos 10 mil milhões de euros porque um ex-governante não deu a informação toda ao Tribunal de Contas; por último, em vez de um quadro claro e estável para atrair investimento, andamos a vender vistos de residência VIP por um punhado de euros.
Assim, e por mais promessas dos líderes dos partidos do arco da governação, não há crescimento capaz de arrancar ou de subsistir, com mais ou menos “bonds”.

Um ano depois da troika

Em primeiro lugar, o primeiro-ministro continua sem reagir ao desmoronamento das secretas, desde logo por causa da inexplicada manutenção da confiança política em Júlio Pereira, secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP).
Em segundo lugar, este escândalo, de proporções ainda difíceis de descortinar, acabou por envolver, justa ou injustamente, um dos mais influentes membros do governo.
A audição parlamentar de Miguel Relvas, que oscilou entre o visível ne
rvosismo e a digna assunção de responsabilidades, confirmou as relações pessoais entre o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e Jorge Silva Carvalho, ex-director do Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), e permitiu descodificar a promiscuidade entre espiões e empresas, empresários, políticos, partidos e até certos sectores do Estado, tais são as revelações sobre as actividades paralelas dos serviços de informações.
Aos olhos da opinião pública, a ligação entre o ex-espião e o braço direito de Passos Coelho é agravada, obviamente, pelo facto do governante já ter assumido, publicamente, que tem interesses pessoais e empresariais em Angola e no Brasil, precisamente dois dos países em que o SIED desenvolve as suas actividades.
A consequência política é evidente: a manutenção de Miguel Relvas no governo passou a ser um fardo para Passos Coelho, não obstante o ministro ter promovido iniciativas reformadoras, ainda que polémicas, entre as quais merecem referência o combate ao despesismo na RTP e a privatização de um canal da estação pública.
Em terceiro lugar, as cedências em relação aos lóbis mais poderosos têm vindo a reforçar todas as dúvidas em relação à capacidade do governo em avançar com as reformas estruturais.
O corte nas rendas excessivas do sector da energia é positivo, sem dúvida, mas fica muito aquém do esperado em relação à EDP, comprovando que o afastamento de Henrique Gomes, ex--secretário da Estado da Energia, ocorreu pelas piores razões, isto é, para proteger interesses de uma empresa privada. Como se não bastasse, começa a existir a percepção que Portugal corre o risco de se transformar numa lavandaria de dinheiro duvidoso, tendo em conta a extrema urgência em atrair capitais estrangeiros.
Estes exemplos, entre outros, estão a esboçar um padrão de governação que está a fazer medrar a desconfiança interna, desde logo por permitir que esteja a acontecer o que nunca deveria acontecer, pois esta maioria foi eleita para evitar a repetição de escândalos ocorridos no passado.
Os portugueses já deram provas de estoicismo em relação aos sacrifícios e ao aumento galopante dos números do desemprego. Todavia, esta atitude de complacência pode mudar, sobretudo se persistir o espectáculo degradante de cumplicidades ao mais alto nível.
Um ano após a assinatura do memorando com a troika, o balanço da governação é positivo, mas os sucessivos escândalos internos podem deitar tudo por terra.
Os elogios dos parceiros comunitários e a reconquista do benefício da dúvida dos mercados internacionais são estímulos consideráveis, mas começam a ser insuficientes para travar a onda claramente carregada de desilusão e inquietação, cujo crescimento é difícil de prever e travar.

Cidadania mais forte

A tensão entre o governo e o PS regressou à agenda mediática. As diferentes receitas para salvar o país e uns quantos papéis enviados para Bruxelas, sem o conhecimento do parlamento, explicam esta agitação política. Todavia, este clima pesado também não deve ser alheio a outras questões da maior sensibilidade: por um lado, os estilhaços provocados pela acusação no caso das secretas, que resultou, por ora, na constituição de três arguidos, dois ex-espiões e um empresário; por outro, as conversações que estão a decorrer nos bastidores para substituir Fernando Pinto Monteiro, procurador-geral da República, e Júlio Pereira, secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), bem como para encontrar os novos juízes que o parlamento vai voltar a indicar para o Tribunal Constitucional.
O PS está determinado a participar nestes processos, pelo que o crescendo de radicalização da oposição a Passos Coelho poderá permitir a António José Seguro aspirar a marcar pontos nestas e noutras frentes.
Com o governo a dar sinais evidentes de desgaste, o líder do PS aparenta estar tão empenhado em dissimular os erros da anterior governação socialista, de forma a pacificar internamente o partido, como obrigado a forçar o regresso ao poder no mais curto prazo, através de um acordo com a maioria ou de eleições antecipadas.
Esta estratégia tem pela frente dois obstáculos de monta: por um lado, uma parte do Ministério Público, independentemente de mais ou menos meios, quer reaparecer de cara lavada aos olhos dos cidadãos, recusando qualquer complacência em relação aos políticos e governantes; por outro, existem sinais de uma cidadania mais forte que não está disponível para participar no branqueamento do passado, que vai obrigar o país a anos e anos de grande austeridade.
A competência e a credibilidade de Maria José Morgado, que lidera o DIAP de Lisboa, garantiam à partida o fracasso de qualquer tentativa para abafar o escândalo das secretas, que, aliás, não merecia o inexplicável silêncio presidencial. Por sua vez, a iniciativa do ACP (Automóvel Clube de Portugal), que apresentou uma queixa-crime por causa da renegociação dos contratos das antigas Scut, constitui a prova de que um grupo de cidadãos pode baralhar o tradicional silenciamento cúmplice do bloco central de interesses.
Existindo suspeitas públicas sobre três antigos governantes (Mário Lino, António Mendonça e Paulo Campos) de não terem defendido o interesse público deliberadamente, sendo por isso passíveis de responsabilização por um prejuízo da ordem dos vários milhares de milhões de euros, Carlos Barbosa, presidente do ACP, prestou um enorme serviço ao país: provou que os cidadãos podem evitar que seja passada uma esponja sobre os negócios, quiçá negociatas, dos últimos anos.
Para já, António José Seguro está a ganhar o controlo interno do PS, mas não está a ganhar o país, porque está a falhar a prioridade das prioridades: ocupar a primeira linha do combate à corrupção e ao desperdício dos dinheiros públicos, independentemente de qualquer tipo de responsabilidades poderem ser assacadas a camaradas de partido.
É preciso estar muito condicionado para menosprezar a indignação colectiva. Os portugueses não só têm direito a saber toda a verdade como também têm a expectativa de poder contar com o PS na consolidação de uma democracia exigente, transparente e madura, e por isso não abdicam do apuramento de responsabilidades, sejam elas mais ou menos secretas.

O espectro do falhanço

A eleição do presidente da República francês depende de 6,5 milhões de eleitores que votaram na primeira volta em Marine Le Pen, líder da Frente Nacional. Na Grécia, dois anos após o pedido de assistência internacional e dois resgates financeiros, os dois partidos que dominaram a cena política nos últimos 38 anos, Pasok e Nova Democracia, devem perder a maioria, abrindo espaço à balcanização do parlamento e à instabilidade governamental.
Mais do que ao perigo do regresso das ideologias totalitárias, este sentido de voto está ligado ao cansaço das populações em relação aos partidos tradicionais que têm alternado no poder. Aliás, como provou o superdebate que colocou Nicolas Sarkozy e François Hollande num frente-a-frente durante três horas, a discussão pré-eleitoral ficou marcada por mais do mesmo: de um lado, a austeridade e os cortes laborais e sociais; do outro, as promessas fantasiosas de crescimento através de mais endividamento e despesa pública.
O esgotamento do discurso político não é um exclusivo dos franceses e dos gregos. Por cá, a maioria no poder e o maior partido da oposição também têm desperdiçado demasiado tempo em discussões estéreis.
Face ao desnorte dos governantes europeus de direita e de esquerda, importa sublinhar que Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, reafirmou uma mensagem crucial: o rigor orçamental não é incompatível com a política de crescimento económico.
Em Portugal, muita coisa ainda tem de mudar para se prosseguir este caminho alternativo e realista para sair da crise. Desde logo, o governo de Passos Coelho tem de reforçar o ataque aos desperdícios que absorvem recursos que poderiam ser fundamentais para fomentar o emprego e o crescimento.
Como sublinhou Paulo Morais num artigo de opinião intitulado “Há alternativa”, se o governo eliminasse os privilégios dos mais poderosos e alterasse a estrutura das despesas do Estado, ou seja, se combatesse implacavelmente a corrupção, seguramente não seria necessário impor tantos sofrimentos aos cidadãos e às pequenas e médias empresas.
As contas são fáceis de fazer; o que é difícil é ter vontade política para concretizar as alterações estruturais que tocam nas clientelas, invariavelmente mais ou menos poupadas, porque estão ligadas umbilicalmente aos sucessivos executivos.
O que está em cima da mesa é claro: ou o rigor serve para apostar na economia real ou o país corre o risco de ceder ao radicalismo e à demagogia.
As medidas duras têm de obedecer à universalidade. O exemplo da notável determinação de Miguel Relvas em privatizar um canal da RTP é um padrão de actuação contra o desperdício ou é apenas um exemplo de acerto de contas?
É impreterível controlar o “monstro” através do corte ou da reestruturação do lado negro da despesa pública, dos milhares de milhões de euros esbanjados anualmente em rendas excessivas, entre as quais se destacam as das parcerias público-privadas.
Os discursos na COTEC e o sofismo dos apelos ao reforço da imagem do país já não são suficientes para adiar o inadiável.
A salvação já não vai lá com um pingo doce. A tolerância tem limites, mesmo para aqueles que, compreendendo a necessidade dos sacrifícios, estão a ser cada vez mais empurrados para o desespero porque têm de pagar a crescente tibieza de Passos Coelho e a irresponsabilidade da governação anterior.

Os esqueletos no armário


Os discursos positivos surgirm no preciso momento em que o país está a ser varrido por críticas pessimistas sobre a execução orçamental e avassalado por informações que decorrem de progressos nas investigações de casos de polícia que envolvem ex--governantes e os mais poderosos.

Os portugueses têm razão para estarem estarrecidos com os últimos exemplos do estado a que o país chegou: Isaltino Morais, de recurso em recurso, vai escapando à prisão decretada pelos tribunais; a teimosia da indicação de Conde Rodrigues para o Tribunal Constitucional, por parte do PS, choca com a descoberta de que o juiz tem pouco mais de um ano de experiência como magistrado; os testemunhos em audiências de julgamento de dois dos processos judiciais que envolvem o nome de José Sócrates (licenciatura na Universidade Independente e Freeport) têm reforçado a percepção de que o ex-primeiro-ministro foi protegido pelas cúpulas da justiça; as espectaculares buscas policiais a departamentos do governo regional da Madeira, por suspeita de encobrimento de dívidas, antecipam as marcas da confusão na administração; os progressos das investigações relativas à actividade das secretas, que apontam para indícios de corrupção entre o mundo dos espiões e dos empresários, corroboram a falta de liderança e fiscalização naqueles serviços de informações; por último, e como corolário deste estado infame a que chegámos, fica a notícia da disponibilidade para a constituição da X comissão parlamentar de inquérito a Camarate, após ter sido divulgada a extraordinária declaração escrita de Francisco Farinha Simões em que assume a autoria do atentado que vitimou Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e mais cinco passageiros do avião que caiu no dia 4 de Dezembro de 1980 e envolve explicitamente os serviços secretos norte-americanos e diversos nomes de personalidades, entre as quais se destacam Francisco Pinto Balsemão, ex-primeiro-ministro do VII e VIII governos constitucionais, e Frank Carlucci, ex-embaixador dos EUA em Portugal, entre outros.

Na sequência destas notícias que têm sacudido o país e de alguns temores mais ou menos expressos em relação ao risco de desagregação do Estado em tempos de crise económica e social, os titulares de dois órgãos de soberania sentiram a obrigação de vir a terreiro para tentar salvar o que resta da credibilidade do país, da classe política e do Estado de direito.

Afinal, em política não há coincidências. O Presidente da República e o primeiro-ministro visaram acalmar a indignação crescente dos portugueses em relação à impunidade. Mas os apelos pomposos, as reformas anunciadas e as promessas de um amanhã melhor não disfarçam a realidade subterrânea que tem escapado ao escrutínio das entidades competentes.

A imagem do país não muda com a propaganda voluntariosa, mas sim com a cara lavada de que falava Miguel Portas, com a disponibilidade colectiva para enfrentar, de uma vez por todas, os esqueletos que o Estado tem mantido escondidos nos armários.

Portugal está a mexer, mas ainda estamos a meio caminho de poder garantir que tudo não vai ficar na mesma.

Faroeste à portuguesa

O caso tem contornos rocambolescos: Rui Martins, ex-líder de uma claque de Alvalade e colaborador da empresa de segurança do dirigente sportinguista, ter-se-á deslocado ao Funchal, antes do jogo entre o Marítimo e o Sporting, para fazer um estranho depósito de dois mil euros na conta bancária de José Cardinal, um dos árbitros escolhidos para aquele jogo da Taça de Portugal.
Na sequência das investigações e das buscas policiais, o ex-inspector da Polícia Judiciária pediu imediatamente a suspensão do seu cargo directivo no Sporting. Mas logo a seguir decidiu voltar atrás, tendo conseguido impor, surpreendentemente, o seu regresso, após uma reunião do conselho directivo leonino que durou mais de nove horas.
As causas deste caso grotesco, que mais parece o pico de um iceberg, ultrapassam a chafurdice em que alguns clubes de futebol estão atascados.
Em primeiro lugar, é preciso afirmar que o caso Cardinal é o espelho do país, que julgou que podia vencer à custa de truques; em segundo, é a demonstração da existência de uma cultura de gangsterismo nos mais diferentes sectores de actividade; em terceiro, é um sintoma inquietante de que algo vai muito mal no universo da segurança privada, em que empresas e profissionais credíveis são obrigados a conviver com cowboys disponíveis para todo o serviço, quiçá para fazer o que até está vedado aos serviços de informações; em último lugar, é mais um exemplo da habilidosa tentativa de confusão entre a presunção de inocência e a assunção da responsabilidade ética, uma prática que tem contribuído para o aviltamento desconcertante do funcionamento do regime democrático.
A conclusão só pode ser uma: é tão urgente combater este cancro, que nasce do tráfico de influências e se espalha através da corrupção, como arrumar as contas públicas.
A politização da justiça e a falta de meios no Ministério Público e nos órgãos de polícia criminal têm favorecido um extremo laxismo que tem resultado em flagrantes exemplos de impunidade, legitimando a percepção generalizada de que há uma casta superior que vive numa espécie de faroeste à portuguesa.
Certamente, não é por acaso que as inexplicáveis carreiras meteóricas e as fortunas instantâneas deixaram de ser motivo de espanto, ou melhor, que a suspeita da prática de crimes graves já não é um ónus para quem ocupa altos cargos privados ou públicos.
De facto, o défice não é tudo, tanto mais que não há futuro para um país que olha para o lado quando um qualquer notável, eleito ou não, é protegido em nome da sacrossanta dignidade das instituições ou do estafado interesse nacional.
É evidente que isto já não vai lá só com a defesa das aparências, por vezes alicerçadas em investigações que duram uma eternidade, em julgamentos que se arrastam durante anos e anos a fio, em compadrios mais ou menos encapotados e até em declarações desastradas do procurador-geral da República que descredibilizam a justiça.
Nunca é demais repetir que a tarefa do governo não se esgota no equilíbrio das contas públicas. A mudança também passa pela escolha dos mais competentes e com provas dadas para travar quem tem alimentado o polvo de interesses difusos e instalados através de métodos repugnantes, seja no desporto ou em qualquer outra área.
Subestimar a capacidade de compreensão, escrutínio e reacção dos portugueses é muito mais do que um erro colossal, é um falhanço histórico sem perdão.