terça-feira, 18 de julho de 2017

GENTIL MARTINS NÃO É UM EXEMPLO


O país foi sacudido por um par de declarações avulsas de Gentil Martins sobre a "anomalia" homossexual e a "imoralidade" de um homem solteiro recorrer a uma barriga de aluguer para ter filhos.

O professor Gentil Martins proferiu uma opinião pessoal, não fez uma afirmação como médico, nem o poderia ter feito, desde logo porque nem tem competência, nem argumentação científica.

Urge desconstruir tais boutades, ao nível da conversa de café, sem cair no logro do politicamente correcto ou da intolerância bacoca, sublinhando que as declarações de gentil Martins são tão infundadas como tantas outras que ocupam o debate público, por exemplo, como aquela proferida pelo Presidente iraniano, Mohammed Ahmadinejad, em 2005, quando considerou o Holocausto um mito.

O assunto só assume alguma relevância por causa dos eventuais efeitos colaterais que tais afirmações, gratuitas e falsas, podem ter num jovem adolescente que, hoje, ainda não sente a confiança suficiente para poder viver (sem ter que exibir!) a sua orientação sexual.

Felizmente, o debate já permitiu repor a verdade dos factos.

Aliás, depois de glosada a qualidade de católico de Gentil Martins, seria de esperar uma declaração da Conferência Episcopal da Igreja católica portuguesa para manter a devida distância.

Quanto a Cristiano Ronaldo e ao recurso a barrigas de aluguer, Gentil Martins, sempre ávido pelos holofotes, hoje como ontem, confirmou o seu preconceito e ignorância, acabando por denunciar ao que veio: o insulto vulgar e rasteiro.

Ainda assim continuo a defender a liberdade de expressão e opinião, sem qualquer tipo de censura, mas nunca abdicando do exigível enquadramento jornalístico e editorial em nome do rigor factual.

Era exigível, obviamente, um contraponto da parte de quem o entrevistou e/ou uma edição mais competente que sublinhasse a alarvidade das afirmações de tão ilustre entrevistado, mas isso são contas de outro rosário, muito mais oportuno, sobre o mau serviço público prestado pelo semanário "Expresso", apesar de poder ter vendido mais uns exemplares.

Não sei se Gentil Martins, actualmente, é bissexual, gay ou hetero; também não sei se teve uma vida feliz ou se foi espancado, abusado ou vítima de bullying quando era criança; e também não sei se a sua idade terá avivado algum desvio típico do estereótipo do "macho latino".

Apenas posso opinar que não é um exemplo, nem para mim, nem para um católico, seguramente para ninguém com o mínimo de honestidade intelectual.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Secretas: retrocesso confirmado


Os serviços de informações vão ter um novo secretário-geral: José Júlio Pereira Gomes.

É o fim de um  ciclo desastroso de 12 anos, iniciado a 19 de Abril de 2015, um mês e sete dias depois de José Sócrates ter tomado posse como primeiro-ministro, estigmatizado por escândalos, abusos e demais ataques aos direitos, liberdade e garantias dos cidadãos, como é, aliás, graças ao jornalismo livre, do inteiro conhecimento público.

Mas é mais: é o fim da ficção hipócrita, para não lhe chamar falsidade grosseira, que as secretas operam na mais estrita legalidade se forem lideradas por magistrados.

A indicação de José Júlio Pereira Gomes também tem outro significado de monta: acabou o "sonho" dos serviços serem conduzidos por profissionais da casa, do SIS ou do SIED, com experiência, competência e credibilidade, de forma a dar mais garantias de independência face aos partidos, maiorias e governos.

Com a escolha do embaixador de Portugal na Suécia, abençoada pelos dois maiores partidos portugueses, PS e PSD, as secretas retomam, assim, o seu percurso de comunhão e promiscuidade entre as informações e o aparelho do Estado, com os resultados negativos que já conhecemos no passado.

A conclusão é óbvia: estão garantidas as condições, aparentemente, para que cada partido, cada barão, cada maioria, cada governo, continuem a ter no Sistema de Informações da República Portuguesa alguns dos seus homens, sempre atentos, quiçá, prestáveis.

O retrocesso está confirmado.

Resta a José Júlio Pereira Gomes contrariar a marcha da descredibilização dos serviços de informações.

É que dos cobardes e mentirosos não reza a história.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

ANGOLA E PORTUGAL: ESTADISTAS DE PACOTILHA


Portugal continua a viver assim.

Num pântano político que é sempre pautado por dois momentos: o primeiro, em que os políticos e governantes não olham a meios para defender os seus interesses e de facção, hipotecando o futuro do país; o segundo, em que os mesmos revelam o auto-proclamado sentido de Estado para consertar a situação, qual pragmatismo que tem vendido o país aos pedaços e aberto as portas ao dinheiro sujo da corrupção e das ditaduras sanguinárias.

Da esquerda à direita, de Costa a Marcelo, nada de novo no horizonte, pois o que interessa é captar investimento e vender a qualquer custo a Angola, China, Guiné Equatorial, Venezuela, etc, e, se possível, tentar tapar o buraco na banca, da responsabilidade de bancários incompetentes, com dinheiro venha ele donde vier.

Não há limites para esta triste realidade em que o país se tem afundado, mais e mais, para depois se tentar levantar chafurdando no pior do pior.

A mais recente cena desta novela de má qualidade é o adiamento da visita de Francisca Van Dunem a Angola.

Imposto pelas autoridades angolanas, num curto comunicado, emitido à última hora.

Sem apelo nem agravo. Humilhando a ministra da Justiça e o governo de Portugal.

Já todos tinham percebido que António Costa tinha angariado Francisca Van Dunem essencialmente por causa da sua origem, visando acalmar qualquer irritação do ocupante do Palácio do Futungo, e não para fazer obra na Justiça.

Para já, o trunfo de Costa saiu furado, pois os problemas de Manuel Vicente com a Justiça portuguesa vão arrastar, inevitavelmente, as relações entre Angola e Portugal para um período sombrio.

Mas com estes estadistas de pacotilha tudo se pode arranjar. Quem sabe com mais um investimento angolano ou um par de malas de dólares bem lavadinhos, quiçá com o carimbo da família de José Eduardo dos Santos, tudo se pode compor.

Como serve a Angola e a Portugal, dizem eles, o que lá vai lá vai, até ao dia em que o povo angolano se livrar de uma ditadura corrupta e implacável.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Mário Soares: um par de segundos


Não fui um dos 785355 cidadãos portugueses que votaram Mário Soares em 2006.

Foi no comício de encerramento da campanha presidencial, na FIL, em Lisboa, que me despedi da lenda.

Mário Soares, no palco, derrotado, ficou frente-a-frente com os milhares de socialistas depois das principais figuras do PS terem dado uns passos atrás, já certos que o fundador do PS seria estrondosamente batido por Manuel Alegre, permitindo a eleição de Aníbal Cavaco Silva à primeira volta.

Durante um breve momento, um par de segundos, cruzámos o olhar.

Eu fascinado por assistir ao momento histórico da queda de uma referência da Democracia; ele curioso por causa do meu insistente olhar para quem, sem precisar de provar nada, arriscou, perdeu mas condicionou a História.

Olhos nos olhos, naquele preciso momento, percebi claramente que nem o desaire monumental diminui a Liberdade.

Os erros e as venalidades de Mário Soares nunca diminuíram o Homem que escolheu, lutou e caminhou até ao fim.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Corrupção: faz-de-conta que não


No dia em que é assinalado, anualmente, o Dia Internacional contra a Corrupção, nada melhor do que fazer um balanço sobre a nomeação de Francisca Van Dunem para a pasta da Justiça.

Como é razoável, não se podia esperar que em pouco mais de um ano fosse afinado tudo o que está em desordem.

Também parece admissível que, num sector com gente tão sensível e assuntos tão graves, pequenas reformas feitas com segurança são melhores do que as revoluções em que reina a balburdia.

Mas não há nada que a ministra da Justiça tenha conseguido?

Em boa verdade, Francisca Van Dunem tem andado muito atarefada com a reabertura de um par de tribunais e com uns concursos avulsos para preencher uma parte das necessidades urgentes.

E pouco mais se conhece do trabalho da ministra que tem beneficiado de um estatuto entre pares que tem representado uma espécie de bálsamo corporativo para todas as feridas que ainda estão abertas.

Em síntese, além de tentar gerir com luvas de pelica todos os problemas com que a Justiça vive e convive há muitos e muitos anos, a ministra da Justiça ainda aceitou a capeline da diminuição da verba que é atribuída à Justiça no Orçamento de Estado.

Pode ser muito elegante, mas é francamente medíocre.

Com os problemas da Justiça a serem varridos para debaixo do tapete restam apenas as vozes que não se conformam com esta paz podre, independentemente do senhor A, B ou C serem arguidos, julgados ou presos.

Maria José Morgado e Teófilo Santiago são dois exemplos que merecem ser escutados, fazendo jus a carreiras e intervenções públicas exemplares.

A última declaração da magistrada que lidera a procuradoria Distrital de Lisboa não deixa quaisquer dúvidas sobre a falta de meios existente: «O Ministério Público não tem um único perito informático».


Abrir tribunais sem cuidar dos meios necessários a uma investigação justa e ao respeito dos direitos individuais é no mínimo muito pouco. E, por isso mesmo, é uma desilusão, uma enorme desilusão que só poucos tiveram a coragem de antecipar.

Dos melhores que se limitam a "chutar para canto", como muito bem sublinha Ana Gomes num artigo de opinião, não reza nem nunca rezará a História.

Chegou o tempo, enquanto é tempo, de escolher os melhores que já demonstraram que sabem, querem e não têm medo de fazer, e por isso fazem escola e são respeitados.


domingo, 24 de julho de 2016

Terrorismo: a pedrada no charco



Não há ninguém insensível à carnificina miserável e ao assassinato de vítimas inocentes, desde Nice a Cabul, sem esquecer Munique, para recordar os mais recentes.

Se não podemos pedir muito a quem perdeu num destes atentados, tragicamente, o ente querido, o amigo, o futuro, devemos exigir que governantes e cidadãos não se fiquem pela indignação sentida e mais umas quantas declarações patrioteiras avulsas.

Aliás, a velha conversa fiada dos papagaios do costume que repetem que temos de nos habituar a poder levar com uma bomba, um camião, uma rajada ou um tiro ao virar da esquina é totalmente inaceitável.

Não, não queremos nem podemos conviver com a barbárie, venha ela de onde vier, seja ela perpetrada no ocidente ou no oriente.

Este é o cerne do problema que tem de ser enfrentado, sem demagogia, nem o cinismo do monstruoso terrorismo de Estado.

E não há nenhum coro afinado, com mais ou menos órgão de comunicação social satisfeito por ser um mero eco, que possa disfarçar o mundo que criámos e em que vivemos.

Se continuarmos a insistir em lamentos lancinantes, a assistir ao saltitar de dirigentes e operacionais dos serviços de informações para a política e o poder Executivo e vice-versa e numa resposta securitária e bélica, enquanto a segregação e a desigualdade crescem a um ritmo alucinante por esse Mundo fora, corremos o risco de ver a legitimação da violência mais brutal e gratuita a ganhar terreno.

O artigo de Arnaldo de Matos, intitulado “Resistência Não É Terrorismo!”, que coloca os atentados numa lógica de olho por olho, dente por dente, tem uma mensagem cristalina: «Os actos de resistência dos povos explorados, oprimidos e agredidos não são actos terroristas; são actos legítimos de guerra, sejam praticados na frente de combate, se houver frente de combate, sejam praticados no interior do país imperialista agressor».

Se o artigo tem o único mérito de representar uma pedrada no charco no reino da hipocrisia reinante, também representa a defesa de uma lógica infernal que não podemos aceitar em nenhuma circunstância, pelo que é urgente mudar o paradigma, para não cair no caos, na banalização sanguinária e na ratoeira da resposta musculada.

Face ao que tem sucedido, mesmo à frente dos nossos olhos, urge tomar partido, claramente, cada um de nós, contra todo o tipo de terrorismos e contra os Estados dentro dos Estados que escapam ao escrutínio das instituições democráticas e agem no secretismo dos mais diferentes e difusos interesses.

Não há atentados terroristas bons e maus.





segunda-feira, 11 de julho de 2016

A minha alegre casinha



Anda por aí uma felicidade alucinante que só incomoda quem não tem o mínimo contacto com a realidade dos portugueses, os de cá e os de lá de fora.

E não percebeu, nem em directo, nem agora, a transcendência do momento em que milhares e milhares de emigrantes portugueses em França celebraram a vitória no Euro, o do futebol, está claro, no Stade de France, em Saint-Denis, cantando em delírio "A minha casinha", dos Xutos & Pontapés.

Os craques da selecção conseguiram muito mais do que a taça, libertaram o país, durante um mês, de uns malvados que continuam a ameaçar Portugal com sanções por não sermos capazes de cumprir as regras da União Europeia, consagradas num tratado que foi baptizado, sem ironia, com o nome de Lisboa.

Não faltaram elogios para qualificar os novos heróis da bola e até adjectivos para castigar os diabos azuis, os de Bruxelas comandados pelos alemães, evidentemente.

Até já lhes chamaram terroristas, aos “meliantes” de Bruxelas, inquestionavelmente. Nem mais. Portugal está sob ataque cerrado, mas conseguimos ganhar o Euro 2016, contra tudo e todos.

Também não faltaram outras explicações para condenar os monstros impiedosos, os da Europa insensível, pois claro, à medida que se adivinhava uma espécie de Cavalgada das Valquírias com tons lusos (alemão à parte) na final das finais.

É um escândalo!

Não querem pagar o nosso Estado Social e as nossas aventuras salteadas com muita corrupção.

E ainda nos querem vergar, sobretudo as esquerdas que se juntaram para apoiar um governo que tarda em encontrar a prometida receita mágica do fim da austeridade.

No Euro, o outro, o de futebol, depois de uma prestação sofrida conseguimos a desejada vitória na final.

De Griezmann, Draxler, Giroud e até de Dimitri Payet não reza a História, e a luta continua contra quem ainda não nos venceu: Angela Merkel e Wolfgang Schäuble.

Podemos estar à beira de um novo resgate, de ficar de fora do Euro, o da moeda, manifestamente, mas não precisamos de lições sobre o défice, as contas públicas, os clubes falidos e os estádios abandonados.

Com os novos heróis do Euro, o da bola, pois claro, e José Manuel Durão Barroso na liderança do maior Banco do Mundo, o Goldman Sachs, só há um limite: a memória.

José Saramago escreveu a “Jangada de Pedra” em 1986. No momento oportuno. No preciso momento em que as actuais virgens ofendidas com Bruxelas e com o aproveitamento do futebol se lambuzavam com a promessa de milhões e milhões de ajudas comunitárias. 

 E com a glória do Euro, o da moeda, obviamente.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

CGD: e ainda se riem do Brasil


A "revelação" das contas da Caixa Geral de Depósitos está a provocar um terramoto silencioso.

Não, não é pela iminência da prisão de alguns notáveis, da esquerda ou da direita, pois o regime está minado por políticos corruptos, assente numa Justiça incapaz e sustentado por uma comunicação social que não é livre.

A questão é outra: cheira a fim de festa, pá!

As declarações que se sucedem, à direita e à esquerda – sobre a oportunidade de se saber a verdade sobre as contas da CGD e, pour cause, passar a conhecer os nomes dos ladrões e cúmplices responsáveis por este verdadeiro assalto –, chegam a roçar o grotesco.

E lá vem o problema sistémico...

E lá vem o desfile de promoções e condecorações para premiar bandidos que, por acção e/ou omissão, contribuíram para a presente situação.

E lá vem o coro dos pactos e consensos que, até agora, factualmente, apenas serviram para branquear.

E ainda se riem do Brasil...

Perante os factos conhecidos, não é possível confundir quem denunciou este regabofe e pagou o preço com quem participou no festim e multiplicou vantagens.

Muitos daqueles que discursam na praça pública, quais virgens ofendidas, fizeram e fazem parte deste rolo compressor que tem atirado o país para a miséria.

Entre estes donos da coisa pública e os arautos do discurso político expurgado de qualquer moralidade – como se a imoralidade fosse passível de confusão com a amoralidade – lá estão os pobres coitados que obedecem a ordens e apenas são escolhidos por "não causarem problemas".

Pois é, entre eles, verdadeiros capachos de mandantes sem escrúpulos, lá estão tantos e tantos que têm de pagar as suas contas... 

domingo, 8 de maio de 2016

Estado chroma


Sob a capa de um discurso vistoso e diabolizando quem ainda nos permite ter pão na mesa, literalmente, é caso para dizer que a António Costa está apostado em alimentar um Estado chroma, cavalgando uma sucessão de imagens que ele, e todos nós, sabemos que são apenas e tão-só virtuais, com ou sem túnel à mistura.

O leitor só descobre o chroma quando lhe é permitido ver os bastidores pobres e desinteressantes de uma produção cinematográfica, de um programa de televisão ou de uma sessão fotográfica.

A parede verde no fundo é de estranhar, ao permitir uma diversidade fantástica e uma celeridade inimaginável, mas depois entranha, entranha e até confunde, pois permite a criação da aparência de um mundo perfeito.

Filme a filme, programa a programa, imagem a imagem, take a take, frame a frame, hora a hora, minuto a minuto, segundo a segundo, tudo parece mudar, numa explosão de cores e formas, mas afinal continua tudo na mesma, com a parede verde, sempre verde, no mesmo sítio.

Um par de meses após o regresso da esquerda ao poder, agora sim, de toda a esquerda, o sonho (ingénuo?) de haver alguma diferença em relação à direita que nos tem governado está à beira de virar pesadelo.

O Estado já nem esconde a falência, a corrupção que o mina e, agora, até faz gala em ameaçar não assumir os contratos que assina.

Só faltava o discurso arrogante e típico de quem anda sempre com o povo na boca mas ignora e espezinha os direitos dos cidadãos.

Em nome de uma legitimidade ilimitada da representação política, logo abusiva e falsa, a megalomania parece não ter limites para quem, fazendo de conta que tudo está bem, mantém o discurso de quem tem os cofres cheios, embora saiba muito bem que eles estão, outra vez, cada vez mais vazios.

É a manipulação mais grosseira, quiçá desprezível, ao serviço da táctica política e partidária, ignorando que o iminente falhanço, mais um, pode ter um preço e impacte devastadores sobre a vida das pessoas e das famílias.

Estamos a assistir, novamente, a momentos surrealistas da vida colectiva do país, emparedado entre o passado, marcado por atitudes delirantes e messiânicas (José Sócrates e Pedro Passos Coelho), e o presente sublinhado pela atitude irresponsável (António Costa).

Só faltava ainda outro tipo de atitude: a felicidade dos afectos (Marcelo Rebelo de Sousa).

Tanta encenação!

Os portugueses merecem mais do que este Estado chroma.

A verdade é bem diferente: nos corredores do poder está em curso uma guerra de interesses para manter a sobrevivência de alguns lugares no Olimpo das facilidades.

Indiferentes à vida dos cidadãos, a realidade aí está, tal e qual como é: se o défice aumentar, então o Estado aumenta os impostos; se a dívida continuar a crescer, então o Estado corta nas pensões; se o emprego não florescer, então o Estado ameaça o sector privado e avança com negociatas que permitem comissões chorudas; se a banca abre falência, então o Estado obriga o contribuinte a pagar.

O Estado é apenas o que parece, porque acreditamos no querem que acreditemos, e permitimos que assim seja.

Será coma?

Será carma?


Até pode ser chroma, mas não o pode ser eternamente, porque até no mundo virtual também há limites.

terça-feira, 8 de março de 2016

Governação das esquerdas: 100 dias e um plano B



Começa a ser hora de perguntar: estamos pior 100 dias depois da tomada de posse do XXI governo constitucional?

Sim!

O discurso político mudou – e, em muitos aspectos, ainda bem que sim –, e também é verdade que algumas alterações foram adoptadas em nome de uma maior capacidade de entendimento do sofrimento imposto aos portugueses.

Então, vale a pena, novamente, perguntar: estamos pior?

Sim!

Seja qual for o ponto de vista político ou sócio-económico, o clima de medo em relação ao que vem por aí voltou a imperar em Portugal, minando qualquer confiança no investimento e no crescimento económico.

Não é por acaso, seguramente, que António Costa já começou a tentar, desesperadamente, passar uma mensagem de normalidade, sem conseguir esconder um semblante cada vez mais aflito e carregado.

Não adianta avançar com artifícios que têm a perna curta e um prazo de validade muito limitado.

A oratória parlamentar inflamada e o abrir os cordões à bolsa estão a colocar o país na rota do abismo. Todos o sabem. Quem governa e quem está na oposição. Ricos e pobres. E das duas, uma: ou se alimenta o delírio ou se desce à realidade.

Na política há sempre uma alternativa: ciente da crise económica internacional, do aumento da dívida pública e do atingir do limite do aumento de impostos, mais ou menos camuflado, António Costa poderá ser tentado a precipitar uma crise política, de forma a provocar eleições antecipadas.

Esta crise política anunciada deverá ser preparada com recurso aos melhores truques marketeiros, tudo para que a culpa morra solteira ou possa ser jogada na cara dos adversários políticos, em sentido lato, ou seja, à direita e à esquerda do PS.

É um facto que a governação de António Costa, a manter o actual rumo, não pode correr o risco de ser avaliada, orçamento a orçamento, pois seria um suicídio político para ele próprio e para o PS.

Entre cálculos e jogadas, o país está a passar ao lado de uma estratégia coerente, capaz de consolidar a recuperação e evitar novo resgate.

Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente eleito, aparentemente, percebeu o risco. E, por isso, tem insistido em enviar recados a António Costa, alertando-o que ainda acaba a fritar (q. b.) na cadeira de primeiro-ministro.

Os grandes temas que preocupam os portugueses, desde a economia às finanças, da saúde à segurança social, da justiça à segurança, estão a passar à margem das reformas que estão por aprofundar.

Os portugueses sabem-no, porque têm aprendido que é melhor fazê-las com tempo, gradualismo e inteligência, do que ter de as suportar à pressa, com brutalidade e pouca sensibilidade. E também já não compram a tese da cabala internacional, seja ela atribuída a Bruxelas, aos mercados ou às agências de rating.

É tempo de arrepiar caminho, com toda a naturalidade, de acabar com o silêncio pesado, de por fim ao assalto à Administração, de interromper o revanchismo das reversões e de refrear a arrogância política do quem quero posso e mando.

O país não aguenta a incerteza instalada, acrescida da ameaça real de ter que implementar, a curto prazo, um plano B imposto por Bruxelas, que, aliás, ninguém conhece, porque o governo o esconde e guarda a sete chaves.

No momento em que o país se livra de Aníbal Cavaco Silva, felizmente, só nos faltava que o fundamentalismo racional de Pedro Passos Coelho seja substituído pelo fundamentalismo delirante de António Costa.

Da direita à esquerda paira no ar uma espécie de aviso sério a António Costa: cá se fazem, cá se pagam.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

António Costa: entre o folclore e o abafamento


Quando um génio desaparece apercebemo-nos ainda mais facilmente como a trivialidade impera nos tempos em que vivemos.

Não, não é só o elogio sincero a David Bowie. Nem tão pouco o evocar da memória daquele memorável dia de Junho de 1983 no seizième de Paris, no hipódromo de Auteuil, em pleno Bosque de Boulogne. É sobretudo a constatação que o filme continua a passar mesmo à nossa frente: dissimulado, manso e perigoso.

O guião agrada aos notáveis da República e aos seus criados de luxo, sempre disponíveis para atacar a forma em vez da substância para fugir às responsabilidades, sempre diligentes em apontar o dedo ao acessório para melhor justificar a ausência do escrutínio do fundamental.

Ao mesmo tempo, cresce a tristeza estampada na cara dos portugueses, cada vez mais alheados das instituições e do poder político, como comprova a indiferença em relação à campanha eleitoral para escolher o 20º presidente da República.

Os "tugas", ainda mais pobres, já não se manifestam, nem lêem jornais, cada vez mais condenados ao folclore governamental de uma espécie de tempo novo e a uma informação cada vez menos livre que os entretêm.

E o rei vai nu há demasiado tempo, mas os palacianos ameaçados continuam a apontar a quem resiste, criando uma banda sonora sinistra que acompanha o filme que continua a passar descaradamente mesmo à nossa frente.

Assim, actualmente, até parece verosímil que as revelações que ocorrem durante o julgamento de um ex-espião, que têm permitido atestar as maiores ilegalidades no funcionamento dos serviços de informações, sejam menosprezadas face a um qualquer fait divers, por exemplo a deliciosa dúvida do candidato presidencial sobre se está a trincar um pastel de nata ou de Belém.

E até parece normal que o chefe dos serviços de informações, Júlio Pereira, continue em funções depois de tudo o que tem sido confirmado sobre a barafunda no Sistema de Informações da República Portuguesa, apesar da avassaladora onda de terrorismo.

Face ao penoso silêncio de chumbo do primeiro-ministro, António Costa, será que os candidatos presidenciais nada têm (tinham) a dizer sobre este escândalo, cujos principais contornos continuam a ser atirados para debaixo do tapete?

Eis um assunto de Estado, mais um, que também deveria merecer (não mereceu!) a maior atenção de quem se considera apto para ocupar a Presidência da República e, já agora, um exame mais atento da parte dos deputados, designadamente os do Bloco e os do PCP que, agora, sustentam o governo de António Costa, mas que no passado nunca se furtaram a exigir explicações.

É que Júlio Pereira foi nomeado em Abril de 2005 pelo governo liderado por José Sócrates, em que António Costa, enquanto número dois, desempenhou as funções de ministro de Estado e da Administração Interna.

Só a dissimulação em que estamos constantemente afundados permite que continuemos a viver na mais delirante ilusão, seja ela financeira, económica ou até de respeito pelas mais sagradas liberdades individuais.

Mas ainda mais grave é que nem mesmo quando é confirmado e reconfirmado o inimaginável, em curtos momentos de águas agitadas, se aprende com os erros do passado, pois logo regressa o abafamento politicamente cobarde para melhor poder manipular, defender interesses inconfessáveis, acertar as contas e até matar o mensageiro que ousa enfrentar, aberta e frontalmente, o abuso de poder e a corrupção que têm condenado os portugueses a uma vida de miséria.

No dia 24 de Janeiro, há (houve) uma nova oportunidade para escolher.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Crise: o ego dos presidentes e os truques dos políticos


O país está confrontado com uma monumental produção hollywoodesca, com a assinatura de António Costa e de mais um par de seguidores que querem o poder a todo o custo, não obstante os resultados eleitorais do passado dia 4 de outubro, em que a maioria PSD/CDS-PP obteve uma vitória clara, ainda que sem maioria absoluta.

Mas, para já, mais útil do que aquilatar esta ou aquela deriva de líderes partidários, importa uma análise objectiva ao pecado original dos problemas que o país está a atravessar.

Dois momentos são fundamentais para compreender o actual estado de incerteza:

22 de Julho de 2015: Aníbal Cavaco Silva anuncia as eleições legislativas para 4 de Outubro e deixa implícita a ameaça de não dar posse a um governo minoritário;

30 de Novembro 2004: Jorge Sampaio anuncia a dissolução da Assembleia da República, deitando abaixo o governo de Pedro Santana Lopes que contava com o apoio de uma maioria absoluta na Assembleia da República.

Com um intervalo de um pouco mais de uma década, dois presidentes da República assumem decisões que minaram as fundações do edifício constitucional português.

E deixaram marcas tão profundas que, inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, seriam usadas para legitimar qualquer tipo de truque para a manutenção ou a conquista do poder.

Ainda muito mais grave: a partir destas duas decisões, de Sampaio e Cavaco, os resultados eleitorais ficaram à mercê dos jogos de bastidores e a governabilidade do país ficou ameaçada, pois nem mesmo uma maioria absoluta no Parlamento passou a estar fora do alcance da bomba atómica presidencial.

Não é por acaso, certamente, que a direita exibe declarações dos socialistas, incluindo António Costa, em 2009, para fundamentar a legitimidade de formar um governo minoritário, após a vitória eleitoral do passado dia 4 de Outubro; também não é de estranhar que a esquerda agarre as palavras de Paulo Portas, proferidas em 2011, para defender que o líder do PS tem legitimidade para formar governo, mesmo depois de perder as eleições.

As consequências estão aí, à vista de todos, pois o ego dos dois últimos presidentes e os truques dos políticos não estão à altura de uma Constituição que lhes dê espaço para a usarem à la carte, à revelia da tradição e espírito democráticos.

E provam que a revisão constitucional é imperiosa, devendo apontar para uma clarificação das regras, ao melhor estilo table d'hôte.

A discricionariedade presidencial tem de ter limites claros.

Num momento crítico da vida do país, após um resgate internacional, os portugueses não mereciam estar a passar por mais esta provação, cujas consequências são ainda totalmente imprevisíveis.

As crises em Democracia não são o fim do mundo, mas uma crise de governabilidade, na actual conjuntura, pode ser o princípio do fim da tímida recuperação.

Nada, mas mesmo nada, justifica uma saída para a actual crise que obrigue à repetição do cenário grego.

Depois da inconsciência registada no passado e do aventureirismo reafirmado no presente, é preciso responsabilidade que garanta as condições para um futuro melhor.

Chega de incerteza interna, pois bem basta a turbulência externa que, a qualquer momento, nos pode varrer, a nós, portugueses, sem esquecer esta classe política que deveria mostrar menos ego e mais comprometimento, menos carreirismo e mais serviço público, menos mordomias e mais respeito pelos sacrifícios impostos ao povo, menos ânsia pelo poder e mais dedicação ao exercício da oposição democrática.