segunda-feira, 2 de julho de 2018

Marcelo e Costa: uma dupla (im)parável?


Entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa há um universo que os separa, embora tenham em comum a vontade férrea de modernizar o país e até de o civilizar um pouco mais, se possível mantendo o poder de que tanto gostam e procuraram.

Se Marcelo é brilhante, saudavelmente informal e quase sempre tristemente inconsequente, Costa é a cigarra calculista de várias cores que gosta de levar a água ao seu moinho.

O fundamental para o cidadão comum não passa pelo ruído das avaliações infantis da magistratura do presidente da República e do trabalho do primeiro-ministro, aliás mais concentradas na forma do que na substância e que mais parecem recados encomendados.

O que realmente importa aos portugueses é saber se esta dupla, resultante de circunstâncias esdrúxulas, tem a determinação e a consistência para levar o país para a frente e para concluir uma legislatura de máxima importância para o futuro dos portugueses.

E, para já, a coisa está a funcionar, com mais ou menos optimismo e cacetada verbal ou golpe baixo entre ambos.

A negociação do próximo Orçamento de Estado é um dos momentos críticos em que a dupla vai ser colocada verdadeiramente à prova.

Experientes como são na vida partidária e nos bastidores do poder é de esperar que sim, porque nem Marcelo Rebelo de Sousa nem António Costa querem uma crise política ou uma guerra institucional entre São Bento e Belém.

A lição é simples: A antinomia entre o presidente da República e o primeiro-ministro é um dos maiores garantes do sucesso.

Só resta saber se ambos serão capazes de resistir aos seus impulsos típicos dos lacraus, ou seja, será que a maioria da opinião publicada está mesmo enganada?

terça-feira, 29 de maio de 2018

Eutanásia: não votem por mim


A votação na Assembleia da República sobre a legalização da eutanásia é um assalto à Democracia.

À excepção de um Deputado, o que representa os eleitores que votaram no PAN, nenhum outro tem legitimidade para votar em nome dos cidadãos, porque foram eleitos sem claramente indicarem a questão no respectivo programa eleitoral.

Não, não é uma questão formal, mas sim o mais elementar respeito pela vontade popular, por aqueles que ainda acreditam que a Assembleia da República acata e respeita a escolha dos cidadãos, depois de devidamente esclarecidos e auscultados.

Há uma certa classe política que julga que tudo pode sem prestar contas, desde que consiga assento nos bancos do poder.

De igual modo, à esquerda e à direita, também há uma certa espécie de políticos que se consideram tão iluminados, e senhores da razão, que julgam poder prescindir de saber qual é a opinião dos cidadãos em relação às suas propostas.

Como se a autoridade da representação fosse absoluta e inquestionável.

Obviamente, a questão da eutanásia, tal como é colocada agora, só pode ser resolvida através da realização de um referendo.

Somente através deste instrumento democrático é possível saber a vontade dos portugueses.

E, já agora, antes de tratar de um assunto tão delicado como a morte, os Deputados deviam estar mais preocupados com a vida dos portugueses, ou melhor como sobrevivem.

P. S. Eu sou favorável à eutanásia, mas não votem por mim sem me ouvirem.



sexta-feira, 4 de maio de 2018

PS mais forte, Sócrates mais fraco



A nova estratégia de António Costa, Augusto Santos Silva e Carlos César sobre José Sócrates é genuína ou é apenas mero oportunismo? 

O juízo de valor cabe a cada um, mas o certo é que todos concordam que já tardava um julgamento político do PS sobre tudo o que veio a público de Sócrates e afins nos últimos quatro anos 

E que não haja qualquer confusão, estamos apenas a assistir a um julgamento político, pois o julgamento judicial será feito em tribunal. 

É preciso falar claro: bastaram duas declarações de Ana Gomes sobre José Sócrates e Manuel Pinho para o PS cair em si[1]

O desassombro da eurodeputada socialista, a sua autoridade política e a exemplar conduta nas mais diversas e relevantes funções públicas foram suficientes para vergar a actual nomenclatura do partido constituída por segundas figuras do consulado em que Sócrates mandava e reinava perante os ordeiros militantes socialistas. 

Aliás, o que mais espanta não é só a posição tardia do PS a reboque de Ana Gomes, mas sim o silêncio dos restantes partidos políticos, sobretudo aquele que tem imperado no Bloco de Esquerda e no PCP. 

A defesa que Sócrates faz de Pinho não espanta. 

Nem tão-pouco surpreende a sua decisão de abandonar o PS. 

Ambas fazem parte de uma estratégia de defesa, cuja novidade é o acrescentar de mais um passo na sua campanha de vitimização e de fuga para a frente num momento em que ainda é preciso esperar algum tempo para saber o que mais por aí vem. 

O flic-flac colectivo sobre Sócrates é apenas mais um sinal da podridão do regime em que os cúmplices do passado, uns por acção, outros por omissão, tentam a todo o custo salvar a pele e saltar do barco à beira do naufrágio. 

Sócrates e Pinho já são passado, ambos estão politicamente mortos e a contas com a Justiça. 

Agora, o mais importante é não deixar escapar todos aqueles que serviram e se serviram de ambos para benefício próprio, prejuízo do país e de todos os portugueses. 

A alguns dias do realizar o seu congresso nacional, que se realiza na Batalha, entre 25 e 27 de Maio, é caso para dizer: o PS está mais forte e José Sócrates está cada vez mais fraco. 




[1] http://maisactual.blogspot.pt/2017/12/ana-gomes-e-verdade.html

terça-feira, 3 de abril de 2018

Facebook: não há inocentes


Mais de 70 mil milhões de dólares foi o preço que a empresa de Mark Zuckemberg pagou pelo gigantesco "descuido" na protecção de dados dos seus "amigos".

De imediato, alguns dos oportunistas do costume "apagaram" as suas contas e vociferaram contra a nova era digital de "insegurança", armados em vítimas de uma devassa com a qual, aliás, nunca se importaram no passado.

Se não fosse caricato até dava vontade de rir, mas no mundo actual, em que um cone de informação veiculado pelos canais adequados faz lei, tudo é tão etéreo como o mercado global.

É caso para dizer: no passa nada.

Obviamente, esta indignação "colectiva" tem um alvo: Donald Trump.

O que está em causa, verdadeiramente, não é prevenir e reagir contra um dos maiores perigos que a Democracia atravessa, mas sim o combate político ao mais heterodoxo presidente eleitos dos Estados Unidos.

A violação dos direitos individuais dos cidadãos, bem como do seu inalienável direito à privacidade, passou a ser a regra, a política impune da generalidade dos Estados, democráticos e ditatoriais.

Não é o Face que representa o maior perigo.

São os departamentos de Estado, as secretas e as polícias que representam a maior ameaça aos valores democráticos.

Aliás, quem já não se recorda do telefonema que Zuckemberg fez a Barack Obama, em Março de 2014?

O grande Executivo chegou mesmo a dizer que o governo dos Estados Unidos «deveria ser o paladino da Internet, não uma ameaça».

O "protesto" ocorreu depois de documentos secretos revelarem que a Agência de Segurança Nacional (NSA) se disfarçou de um servidor do Facebook para infectar milhões de computadores de usuários suspeitos.

O mais extraordinário é que estes "ataques" com face deram origem a uma extraordinária "aliança": Facebook, Google, Apple, Microsoft, Twitter, AOL, Linkedin e Yahoo formaram a chamada "Reforma da Vigilância do Governo".

Quem ouviu Edward Snowden, nas Conferências do Estoril, em Maio de 2017, não tem quaisquer dúvidas sobre o que está em causa, em termos gerais e também no que diz respeito ao jornalismo.

Apesar da comunicação não ter merecido a cobertura mediática ao nível do que estava (e está!) em jogo – revelando um desinteresse obsceno da parte dos jornalistas e patrões da imprensa –, a verdade é que Snowden colocou o dedo na ferida: como podem os jornalistas investigar, proteger as suas fontes e publicar notícias se são escutados e vigiados?

Neste, como noutros dossiers sensíveis, o papel dos jornalistas assume relevância maior, desde que queiram continuar a ser jornalistas.

No caso da mais recente polémica sobre o Facebook, não há inocentes.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Saúde e os sem perdão


Longe vão os tempos em que alguns políticos assumiram, publicamente, que a Saúde tinha de ser a prioridade, de José Manuel Durão Barroso a António José Seguro.

Custa assistir ao sofrimento e à morte de doentes que confiaram num Serviço Nacional de Saúde (SNS) que se transformou numa farsa do regime.

Ao mesmo tempo que o presidente da República, o primeiro-ministro, o ministro das Finanças e demais partidos políticos exibem o certificado europeu de “bom aluno”, multiplicam-se as notícias sobre o aumento das listas de espera, a falta de médicos, enfermeiros e medicamentos, bem como o caos instalado nos hospitais e urgências.

Nem a extrema esquerda parece estar muito incomodada com a enormidade a que assistimos, hoje, com passividade criminosa.

Se os recursos não são ilimitados, então é necessário redefinir a alocação dos meios financeiros.

Tal como aconteceu no combate à corrupção, ao longo de anos a fio, foi o debate, a imprensa e a pressão da opinião pública que obrigaram governantes, polícias e magistrados a fazerem mais e melhor.

Tarda, por isso, que a Justiça acorde em relação aos crimes perpetrados, diariamente, na Saúde, sem receio de responsabilizar o Estado e os seus agentes, impondo indemnizações pesadas e metendo na cadeia quem não cumpre o seu dever.

Devem investigadores e magistrados do Ministério Público ficarem surdos e mudos perante os aflitivos atropelos na prestação dos cuidados de Saúde?

Os juízes podem continuar a permitir que os médicos justifiquem casos de negligência gritantes com a falta de meios humanos e de diagnóstico, os quais, infelizmente, quando chegam a tribunal, os que chegam, são passados a penas leves e a coimas insignificantes?

Tarda uma explicação cabal para não fazer o que é muito urgente ser feito, pois a questão não é de esquerda nem de direita, é apenas de humanidade e civilização, enfim, de regime.

Os meios do Estado estão identificados, tal e qual como as despesas, por isso é preciso cortar nalgum lado ou ir buscar dinheiro a quem o tem para garantir que o SNS funciona para todos, não apenas para quem tem uma cunha para ser melhor tratado ou ser operado sem ter de estar meses ou anos à espera.

Seja no sector público ou através dos privados, os portugueses, sobretudo os mais desvalidos e idosos, têm o direito de serem respeitados e tratados como seres humanos.

É tempo de acabar com os patéticos exemplos de Paulo Macedo e Adalberto Campos Fernandes, sobretudo pelo seu atrevimento em conviver, pacificamente, para não dizer irresponsavelmente, com a incúria que grassa no sector.

À beira de fazer 39 anos, o SNS só poderá melhorar se os próprios agentes da Saúde assim o exigirem. E a denúncia é uma forma de trazer para a luz do dia o que alguns, e são muitos, infelizmente, querem continuar a varrer para debaixo do tapete.

O exemplo dado pelos enfermeiros, e até por médicos que se demitem para não pactuar com a ignomínia, são actos de civismo e de grande coragem que devem ser escutados com atenção e respeito.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

PSL e segunda oportunidade


Pedro Santana Lopes tem trabalhado e lutado para merecer uma segunda oportunidade.

Apesar de todo o empenho, genuíno ou ensaiado, há dois factores que são determinantes para explicar que ainda não conseguiu justificar essa segunda oportunidade.

Em primeiro lugar, porque o político não mudou nada.

Se alguns admitem que está mais maduro, talvez menos folclórico, mas sem resistir ao outro lado da força, a verdade é que em termos de pensamento, substância e acção continua a ser o mesmo dark precipitado de 2004, como comprova o seu envolvimento indesmentível na tentativa inacreditável da entrada da Santa Casa da Misericórdia no capital de um qualquer Banco falido, aliás, com a bênção politicamente desavergonhada de António Costa.

Em segundo lugar, porque os seus principais apoiantes e colaboradores, os visíveis e os invisíveis, continuam a ser os mesmos de sempre, desde os Pintos ao inefável Machete, excepção feita a Henrique Chaves que dele diz o que Maomé não ousou dizer do toucinho.

Pedro Santana Lopes podia ser mais, podia ter escolhido outro caminho.

Podia ter reconstruído um novo percurso pessoal, profissional e político, com mais nódoa ou menos nódoa de envolvimento do dinheiro dos pobres em aventuras financeiras, deixando a água correr sob as pontes para fazer diluir as trapalhadas, das verdadeiras às fabricadas por inimigos. 

Mas, não, não conseguiu resistir ao ego e ao apelo do poder. 

E lá avançou para a liderança do PSD face a uma alternativa, assumida por Rui Rio, em que se destacam inexplicavelmente alguns rostos do passado corrupto e parolo. 

E esse é um mérito inegável, e não é pequeno, dar um passo em frente para tentar não deixar cair o PSD, outra vez, nas mãos de um par de senadores fora do tempo que fizeram muito mal ao partido e ao país. 

Pedro Santana Lopes pode julgar, sempre jogar, que os militantes do PSD apostam na emoção do mal menor, mas não pode escapar ao raciocínio frio e implacável que domina o pragmatismo dos partidos políticos. 

Porque, em teoria, é verdade que todos, e qualquer um, merecem sempre uma segunda oportunidade. 

Mas também é verdade que é preciso muito mais do que merecer. 

É preciso ser credível, convincente e criar as condições para conquistar uma nova oportunidade aos olhos dos outros, não à luz dos nossos próprios olhos ou da nossa entourage

Na política, na vida real, a impressão que conta é sempre a primeira, sobretudo quando não se conseguiu ao longo dos anos mudar nem os métodos nem os compagnons de route, porque, afinal, é quase impossível mudar a própria natureza. 

Aliás, por mais combativo que possa ser, e tem sido, Pedro Santana Lopes será sempre passado que perdeu estrondosamente.

Em síntese, e apesar de tudo o vento levar: entre Pedro Santana Lopes e Rui Rio, venha o PSD e escolha.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Guida Maria: Inesquecível

Uma mulher incrível, sempre muito à frente da sociedade do seu país.

Uma actriz talentosa, maior do que a cultura balofa e remediada.

Uma cidadã do mundo que procurou, cá dentro e lá fora, sempre mais e melhor.

Incapaz de partilhar os muitos e muitos momentos vividos, dos bons aos maus, porque há tanto e tanto que as palavras não alcançam nem nunca traduzem, fica a memória dos olhos tão lindos, do sorriso muito doce, da fúria temível, da solidariedade inabalável e do inesquecível e terrível último adeus na cama do hospital.

A minha muito querida e grande amiga, sempre, até sempre!


sábado, 16 de dezembro de 2017

Portugal ao espelho



A queda da Associação Raríssimas não é mais nem menos do que um mero exemplo dos tombos que o país de sempre deu, constantemente, há tempos e tempos, basta reler a História.

É o país do manganão, definitivamente, dos farsolas e dos falsos enganados que se alimentam, promovem e bajulam reciprocamente.

E quando rebenta mais um escândalo é vê-los, uns e outros, algozes e supostos impolutos, a arredar o pé.
  
É um exemplo que leva a outra realidade paralela em que o recato e a sobriedade são palavras vazias.

Não há problema, nunca há problema.

Nem que seja à custa do uso e abuso de donativos para assistir crianças ainda mais raras.

E venha uma Rainha...

Custa a acreditar que estas "vítimas" de mais um(a) saloio(a) deslumbrado(a), que nunca se livrou do chinelo no pé e do modus operandi do bairro suburbano, nunca suspeitassem de nada.

Claro, agora, é vê-los com cara de espanto.

Quanta desfaçatez...

No meio desta farsa existe um padrão de actuação mais profundo, resultado dos tempos em que vivemos, em que os valores e os princípios se resumem ao moralismo e voyeurismo dos costumes.

Ai, como é triste tudo isto.

Que exemplo para as futuras gerações tudo deitar fora por um carro topo de gama, por um trapo da moda ou por um prato de marisco...

E como é revoltante assistir a uma elite que sonha e se contenta com o supérfluo, que perde o norte e o sul por um par de mordomias sem importância.

A novela medíocre e grotesca, entre nós nada raríssima, faz lembrar os velhos tempos do cavaquismo e do socratismo em que o brilho falso fazia rodopiar os parolos deslumbrados com o poder e o dinheiro fácil, enquanto os oportunistas e os poderosos de sempre se aproveitavam e rebolavam a rir.

Sim, é isso mesmo, ainda não nos habituámos aos valores da Democracia, ao significado da responsabilidade política e pública, ao imperativo da gestão da coisa pública com ética e desprendimento, de que o Estado não sou eu, mas somos todos nós.

O caso Raríssimas é, mais uma vez, o país a ver-se ao espelho.

É o centrão em todo o seu esplendor.

É o modelo assistencial a mostrar uma parte do seu buraco negro.

É a dança das cadeiras entre o poder político e um rendimento obsceno nem que seja à custa de donativos para tentar salvar crianças ainda mais únicas.

Dizemos que não gostamos! 

Garantimos que não se pode repetir!

E, depois...

Next!

domingo, 19 de novembro de 2017

PSD: o futuro é já ali


O destino do PSD será determinado por dois factores: a herança de Pedro Passos Coelho e a eleição de um líder que assuma o combate por um Portugal mais livre.

Pedro Passos Coelho saiu pelo seu próprio pé, depois de ter enfrentado a fabulosa máquina que José Sócrates criou, e que ainda mexe, dentro e fora do PS.

Nem todos terão dado conta da dificuldade extrema que foi barrar os interesses desta gentalha, dia após dia, mês após mês, ano após ano.

Infelizmente, e apesar de ter tentado algum distanciamento, Pedro Passos Coelho nem sempre usou o mesmo critério em relação à outra gentalha homóloga do PSD, também composta por todo o tipo de gente, desde oportunistas a corruptos do tempo cavaquista.

Esta dicotomia de critérios foi fatal para a percepção dos portugueses em relação ao ainda líder do PSD.

Ninguém compreendeu, e podia aceitar, que a demarcação em relação ao universo de Sócrates não fora consubstanciada por igual atitude em relação aos pares de partido.

A máxima exigência em relação aos portugueses tinha de ter sido acompanhada por uma atitude cristalina em relação a todos, mesmo todos, que marcaram um passado de assalto aos bolsos dos portugueses que levaram o país à ruína.

Isso, sim, teria sido, manifestamente, marcar a diferença.

O mesmo se passou, infelizmente, em relação aos interesses difusos e inconfessáveis de terceiros em países como Angola, Venezuela e Brasil, aos quais Pedro Passos Coelho foi fechando os olhos sob o pretexto de uma alegada política de Estado.

Tal como na economia,  acelerar e travar ao mesmo tempo em política dá mau resultado, seja o projecto mais ou menos liberal.

Pedro Passos Coelho não quis, não soube ou não conseguiu ir mais longe, não arrancou a partilha do sonho de um país com mais transparência e menos corrupção, com melhor e menos Estado.

O seu sucessor vai ter pela frente o mesmo dilema: vai ter que escolher entre os tiques do passado e um projecto de futuro.

Tudo indica que a eleição do novo líder não deverá ser determinada por um projecto sólido, inovador e ousado, mas sim pelo somatório de vontades e interesses dos barões que mandam no partido, devidamente executados pelos instrumentais "boys" do aparelho.

Mas, como sempre, há sempre uma nesga de esperança.

Como Pedro Passos Coelho ainda tem o partido na mão, logo pode influenciar o resultado desta contenda.

Eis a última oportunidade do ainda presidente do PSD ficar na história, ao ajudar a eleger um líder limpo e capaz de fazer face aos interesses instalados.

Pode ser a última contribuição que lhe permitiria ainda aspirar a ter futuro político. 

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Rui Moreira: não voto


O exercício do poder não pode ser a mera combinação da aparência e da legalidade formal.

Tanto no processo Selminho como na alienação do palacete da avenida Montevideu, no Porto, o mínimo que se pode dizer é que Rui Moreira é uma tremenda desilusão cívica e política.

Se em relação ao primeiro caso estamos conversados e mais do que conversados, em relação ao palacete da Foz do Douro, de que Rui Moreira era proprietário com os seus irmãos, o presidente da Câmara do Porto, em exercício de funções, não deveria ter feito o negócio de uma forma opaca.

Tanto mais que teve que envolver a autarquia, tendo em conta que vai dar lugar a um hotel de luxo e sabe Deus que mais.

Rui Moreira não se pode esconder na formalidade, aliás, como no caso da Selminho, de que o assunto foi tratado pelos serviços da autarquia.

E, mesmo numa perspectiva benevolente, se assim o aceitássemos, obviamente que o deveria ter feito com toda a transparência, comprovando que se distingue do sistema sustentado pelos partidos políticos tradicionais de quem diz querer distância, aliás, propósito que chegámos a acreditar ter sido a razão fundamental para ter abraçado a nobre missão de serviço público que é a política e o exercício de funções públicas.

Confesso: Rui Moreira prometia muito mais do que Fernando Medina. 

Os negócios efectuados com contratos de confidencialidade até podem ser legais, mas estão vedados – ou deveriam estar, numa Democracia digna desse nome –, a quem exerce cargos públicos pelas mais óbvias razões. 

E já nem é preciso falar das árvores centenárias, certamente acometidas de súbita doença fulminante.

De facto, não é igual vender uma propriedade a um empresário como Belmiro de Azevedo, ou a um qualquer “PEP” (Politically Exposed Person), ou "Pessoa Politicamente Exposta", nos termos da definição da FATF (Financial Action Task Force), que é uma organização inter­-governamental cujos objectivos são estabelecer padrões e promover a aplicação efectiva das medidas legais, regulamentares e operacionais para combater o branqueamento de capi­tais, entre outros, de que Portugal é membro desde 1991.

Sejam eles, por exemplo, eventualmente, Sindika Dokolo ou Isabel dos Santos.

Se não há crimes perfeitos, também não há segredos acima de qualquer escrutínio.

Como dizia George Orwell, «quando se chega à mesa de voto, não se encontram homens de pistola na mão dizendo-nos como votar».

Ora, precisamente, eis a razão porque não voto Rui Moreira, pois a transparência que tanto prometeu está ferida de morte, independentemente de quaisquer interesses, dos dele, dos meus ou dos de terceiros.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

TANCOS, O ESTADO E A INFORMAÇÃO


Já passaram quase três meses após o anúncio do desaparecimento de armas em Tancos.

Depois das mais estapafúrdias explicações, verdadeiros insultos à inteligência dos cidadãos, tudo continua por apurar, explicar e justificar. 

Roubo?

Desvio de armas?

Exportação clandestina?

Manobra de diversão?

Zero: nada se sabe sobre o que aconteceu.

Já nada surpreende neste Estado de rastos que vai sobrevivendo à mercê das maiorias conjunturais.

O que espanta é o silêncio da generalidade da imprensa, bem como dos opinion makers e especialistas em Defesa, sobre o papel da Polícia Judiciária e da secreta militares.

Nem uma palavra de escrutínio...

E depois admiram-se que os serviços de informações sejam reduzidos pela generalidade da opinião mais ou menos informada à extraordinária "missão impossível" de saber quem dorme com quem... 

Em bom rigor ninguém ainda ousou levantar a questão e/ou abordar com objectividade o que andam (ou não) a fazer as duas instituições: como é possível que armas desapareçam, hoje, ontem ou anteontem, sem que os serviços de informações e a PJ militares saibam o que se está a passar, ou melhor, não façam aparentemente a menor das ideias do que se passou?

Será para não contrariar os comunistas, sempre ciosos de um dos bastiões laboriosamente formados desde o PREC?

Será para não desagradar ao CDS/PP, que se entreteve a tentar fazer uma espécie de coutadinha privada desde o tempo em que Paulo Portas passou pela Defesa?

Será para não irritar PS e PSD, ou melhor, os interesses do Bloco Central?

Será por medo?

Ou será pelo mais gritante servilismo de quem assume responsabilidades editoriais?

Há limites para o descaramento público, pedrão, para o branqueamento da realidade...

Ficar pelo zurzir no (ainda) ministro da Defesa, Azeredo Lopes, que, aliás, se colocou e continua a colocar a jeito, é de uma mediocridade confrangedora.

E não chega, pois é impossível abafar um escândalo de tal dimensão que, pasme-se, até tem o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, refém de nunca vir a ser apurado o que aconteceu.

Sim, uma coisa é pedir o apuramento da verdade.

Outra coisa é, no exercício das suas competências e autoridade constitucional, o presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, dar um murro na mesa e exigir a verdade, o que, espantosamente, ainda não aconteceu, pelo menos de uma forma pública e audível.

O que sobra de Tancos, para já, é a triste e inquestionável realidade, com a cumplicidade de quem tem o dever e a missão de informar: os órgãos de soberania portugueses não respeitam os cidadãos, nem tão-pouco os seus representantes eleitos se dão ao trabalho de revelar um pingo de sentido de Estado.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

OPERAÇÃO MARQUÊS: E O PS?


Mais de quatro anos depois do início formal da intitulada Operação Marquês, que levou à detenção e prisão preventiva de José Sócrates e já constituiu 30 arguidos, não há notícia que o Ministério Público esteja a investigar os cofres do Partido Socialista ou de quaisquer outros partidos políticos portugueses.

No contexto da vida política portuguesa, ninguém ficaria chocado se as investigações começassem por ter sido centradas nas contas do partido que Sócrates liderou.

Mas, para já, nem notícia, nem rumor, nem debate, nem exigência, nem nada.

Por que será?

Por que razão misteriosa, face a todos os indícios e suspeitas que têm vindo a público, com mais ou menos citação de peças processuais, e mais ou menos rigor jornalístico, nunca ninguém se atreveu a questionar a evidência: com tanto roubo de dinheiros públicos, tanta negociata, tanta corrupção, tanta comissão, tanta lavagem de dinheiro, então não terá sobrado nada para o partido do coração de Sócrates?

E com tanta ligação transversal, característica do Bloco Central, também não terá sobrado nem uma migalha para outros partidos políticos, sobretudo aqueles que têm representação na Assembleia da República?

O silêncio sobre esta questão tem sido de chumbo, revelando uma reverência muito especial, quiçá, um carinho ternurento e protector, em relação aos partidos políticos.

Em bom rigor, apenas Nuno Garoupa, na apresentação do livro "Os Três Magníficos", de Rui Verde, na Fnac Chiado, no passado dia 30 de Maio de 2016, ousou abordar esta questão de uma forma competente, descomprometida e cristalina, sem insinuações, mas com o rigor e a força dos exemplos passados na Europa e por esse mundo fora.

E não faltam exemplos, da esquerda à direita, desde Lula da Silva (PT - Partidos dos Trabalhadores) a Helmut Khol (CDU - União Democrata Cristã), sem esquecer o escândalo mesmo aqui ao lado, em Espanha, com José María Aznar e Mariano Rajoy (PP - Partido Popular).

O padrão não pode ser mais gritante: sempre que houve políticos, que ocuparam os mais altos cargos de Estado, envolvidos em casos de corrupção, então as investigações chegaram sempre aos cofres dos seus partidos políticos.

Em Portugal, por ora, tudo parece ser diferente.

Os banqueiros e os bancos já não escapam; nem os grandes empresários e as maiores empresas; nem mesmo os juízes e os procuradores.

Mas os partidos políticos...

A Justiça tem permitido a consolidação de uma cultura de impunidade no funcionamento dos partidos políticos, como comprova o "escrutínio" das suas contas e finanças, ano após ano, eleição após eleição.

Com a aproximação de mais uma data limite para a conclusão do inquérito criminal, resultante da "Operação Marquês", será que o país ainda vai ter uma enorme surpresa?

A Democracia nunca será uma verdadeira Democracia enquanto existir a percepção que os partidos políticos são uma espécie de coutada à parte.