O clima de euforia que foi
criado nas últimas semanas, artificialmente, não conseguiu abafar o estrondoso
chumbo do Tribunal Constitucional ao regime de convergência das pensões.
Por maior que seja a evidência, é
preciso tentar compreendê-la, desde logo colocando a questão principal: por que
razão Pedro Passos Coelho insiste num caminho que o povo não quer seguir e que
o Tribunal Constitucional não vai permitir que seja percorrido?
A resposta é simples: O
primeiro-ministro já não manda.
Só assim é possível interpretar, racionalmente, a estratégia de perdedor que o chefe do governo
teima, teima, teima em tentar levar por diante, por mais tombo em cima de
tombo, qual líder esgotado e sem soluções que insiste em bater com a cabeça contra
a parede.
A tentativa de ganhar tempo é
evidente. Porém, há uma outra razão a montante deste comportamento
politicamente suicida que não deve ser escamoteada: Pedro Passos Coelho já
percebeu que não vai conseguir reformar o país pelo ataque aos privilégios de
uma corte demasiado poderosa e habituada a estar sentada à mesa do orçamento.
Por isso, arrepiou caminho e optou por rapar o mais possível nos mais pobres e reformados, criando a ficção
que os sacrifícios são para todos.
É verdade que o
primeiro-ministro já afrontou alguns poderes instalados, mas quedou-se pelos
cortes de algumas migalhas nas despesas que alimentam um enorme bando de sanguessugas
que ora clamam por menos despesa, ora reivindicam mais e mais apoios e
subsídios nos corredores do poder.
Obviamente, o povo não é parvo.
E sabe que as cócegas aos mais ricos e poderosos não são suficientes, desde
logo por não respeitarem a mais elementar regra de equidade.
De facto, por melhor que seja a
intenção do primeiro-ministro –
e por que não presumir que ela é verdadeira? –, ele ainda não conseguiu estar ao nível da emergência que herdou.
O país já não se contenta com um líder político que insiste numa
política de remendos para deixar tudo mais ou menos na mesma, em disfarçar os
benefícios atribuídos a uns quantos para massacrar os mesmos do costume.
Não chega, senhor primeiro-ministro. E já nem lá vai com mais truques de comunicação, portas
abertas ao dinheiro sujo dos criminosos e controlo da imprensa. Aliás, para
este tipo de embuste, do presente e do passado, não faltam outros políticos.
O limite da tolerância está no fim. O país está no limiar de manter a confiança
na actual maioria. Não basta prometer, é preciso agir; não basta propalar a
equidade, é fundamental começar por cima, demonstrar que os mais fortes e ricos
estão a contribuir mais do que os mais fracos e pobres para ajudar a sair da
crise.
A mudança não pode ser cosmética. Nem pode seguir, mutatis mutandis, o exemplo desastroso do último governo, com mais
ou menos fuga em frente e pé no acelerador, que acabou em negociatas diversas e
na condenação à miséria de várias gerações.
Não há dinheiro para continuar a sustentar a corrupção, o favorecimento,
a incompetência e a falta de estratégia de futuro. E, já agora, a transparência
não se decreta com formalismos.
Ou se tem vontade para levar por diante as reformas estruturais, ou se
não tem. A questão não é de tempo, mas sim de substância; não importa se leva
mais ou menos ano, o fundamental é que ataque os problemas diagnosticados há
décadas.
E se o primeiro-ministro de Portugal não tem a força e a capacidade para
as levar por diante, então o melhor serviço que pode prestar ao país é devolver
a voz ao povo, enquanto guarda o mínimo de dignidade que lhe assiste.