sábado, 1 de dezembro de 2012

Portugal: o país sem cultura democrática




Os portugueses já estão habituados à determinação de Pedro Passos Coelho. O que não lhe perdoam é a sua falta de legitimidade eleitoral para prosseguir o rumo traçado.

O líder do XIX governo constitucional continua a desvalorizar o seu pecado original: as falsas promessas eleitorais.

Na última entrevista à TVI, a José Alberto Carvalho e a Judite de Sousa, Pedro Passos Coelho não deu um único sinal de arrependimento.

Decorrido um período de governação de um pouco mais de 17 meses, o primeiro-ministro carrega este peso com crescente desfaçatez política, qual Sísifo que, não obstante ser o mais astuto dos mortais, acabou condenado para sempre a empurrar uma pedra até ao lugar mais alto da montanha.

Começa a ser fatigante assistir ao espectáculo de um primeiro-ministro a tentar camuflar que recorreu aos velhos truques ― quiçá, os mesmos que, noutros tempos, o afastaram da política activa ― através de uma atitude politicamente arrogante, como se fosse possível apostar no tempo para tudo fazer esquecer, como se até o enxovalho público fosse passível de ser ignorado.

Pedro Passos Coelho não é mais nem menos do que o produto do sistema, mesmo que, numa determinada fase, tenha chegado a vestir o uniforme do enfant terrible da política portuguesa.

Mais de 37 anos depois do 25 de Abril, Portugal continua a ser um país atulhado de políticos imbuídos de uma clarividência tal que chegam a considerar normal enganar os portugueses durante uma campanha eleitoral para depois fazerem o que lhes apetece.

As sucessivas gerações de políticos iluminados já se habituaram de tal forma a prescindir de consultar o Povo, sobre questões da maior relevância para o futuro colectivo, que já nem são capazes da mais elementar autocrítica pessoal e partidária.

Os partidos do arco da governação, que afinam pelo mesmo diapasão há mais de 30 anos, sabem que os eleitores não têm alternativas credíveis, contando que tudo continue na mesma com mais ou menos voto nas setas, sejam para cima ou ao centro, e na rosa mais ou menos avermelhada.

Não há nada pior para a saúde da Democracia do que esta simples constatação. Nem a corte do costume, fortuitamente instalada a favor ou contra o poder vigente, consegue disfarçar o incómodo.

Enquanto os cidadãos não romperem com esta armadilha, qualquer líder político pode mentir impunemente, porque sabe que tem uma forte probabilidade de ficar no poder pelo menos quatro anos, contando com a conivência dos seus pares e a passividade colectiva.

Para o bem ou para o mal, o sistema político tem fabricado, acolhido e promovido este tipo de governantes. O que é incompreensível, para não lhe chamar um colossal embuste, é a crítica organizada por senadores que incorreram, sistematicamente, no mesmo erro, pretendendo agora passar por aquilo que nunca foram.

Pedro Passos Coelho pode afirmar a sua coragem. E até pode estar convicto de estar a seguir o caminho inevitável. Mas não pode ter o atrevimento de assumir uma atitude aristocrática, porque não tem estatuto, nem tão-pouco deu quaisquer provas de estadista.

A maioria no poder e o maior partido da oposição parlamentar deviam reflectir, profundamente, sobre os últimos anos de governação. Há limites que já foram largamente ultrapassados.

Não há boys, girls, spin, agências de comunicação a soldo de quem paga mais ou comunicação social mainstream capazes de disfarçar o equívoco que está na origem de todos os males.

Portugal continua a ser um país sem cultura democrática, incapaz de aprender com os erros do passado que nos atiraram para o abismo.

sábado, 24 de novembro de 2012

RTP: atentado ao jornalismo



 O episódio da estação pública de televisão e da PSP vai ter consequências no terreno dos protestos, sejam eles grandes manifestações ou o mais vulgar caso do dia-a-dia. A responsabilidade é de todos aqueles que não se opuseram, terminantemente, à visualização e/ou cedência de imagens em bruto a elementos estranhos ao universo da informação.

Vale a pena analisar a questão através de duas premissas:

1. Quando um jornalista, no exercício de funções, é testemunha ou toma conhecimento de um crime tem o dever de informar o público, não tem que ‘colaborar’ a posteriori com quem quer que seja;
2. A tentativa do poder político inverter o paradigma da justiça versus segurança é um perigo para a Democracia e não pode, qualquer que seja a circunstância, ser menosprezada pelos cidadãos.

Neste pântano em que o país se transformou, em que a crise veio reforçar a máxima que vale tudo para ascender na carreira ou manter o posto de trabalho, até a mais elementar ética e a dignidade profissional estão a ceder. E, já agora, alguém consultou os autores das imagens e das reportagens antes de copiarem os DVD's?

Felizmente, nem todos os órgãos de comunicação social ‘colaboraram’. Por isso é digno de nota o comunicado imediato e cristalino da TVI a que, aliás, a SIC, depois de um estranho silêncio, se associou rapidamente.

Como sublinhou Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, a questão não é legal. E não depende de qualquer parecer do conselho consultivo da procuradoria-geral da República, cujo pedido mais não é do que uma manobra de diversão para desviar as atenções de quem num momento dá ordens para carregar sobre cidadãos indefesos e no momento a seguir fica ofendido se lhe perguntam se autorizou e/ou teve conhecimento das diligências da PSP.

É óbvio que as polícias não têm o poder de exigir a visualização do que quer que seja, nem de acederem a dados protegidos pelo segredo profissional, nem tão-pouco de definirem qual é o limite dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Só uma ordem de um tribunal o pode definir. E nem mesmo uma ordem de um juiz obriga um jornalista a violar o seu código deontológico. Pelo menos foi sempre assim que vivi e entendo o jornalismo, em que nenhuma hierarquia ou entidade se pode sobrepor à consciência profissional de um jornalista. E, aliás, não é por acaso que ninguém se lembrou de consultar imediatamente a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC).

Ninguém pode estar admirado com a atitude desta gente que entre uns almoços, umas festas e umas galas lá vai saltitando entre a informação, o entretenimento e os cargos administrativos, como se tudo fosse uma e a mesma coisa. Se a administração da RTP foi exemplar num momento inicial, de seguida permitiu que tudo retrocedesse a uma certa anormalidade, pois o director-geral, Luís Marinho, passou a acumular interinamente a direcção de informação.

O resultado está à vista. O prejuízo para a imagem da RTP é avassalador. E mais uma vez, o Governo sai chamuscado.

A partir de agora, sempre que uma câmara apontar para uma multidão de manifestantes ou se aproximar de um cidadão, o resultado será imprevisível, a não ser que o cameraman e o repórter ostentem uma espécie de crachá a garantir que não pertencem à estação pública de televisão.

Nas próximas manifestações, os holofotes não vão estar só sob a cabeça dos cidadãos, também vão estar virados para este atentado ao jornalismo, para este inconcebível serviço público da RTP.

sábado, 17 de novembro de 2012

O risco da violência contra os cidadãos





A situação política está a entrar numa nova e perigosa fase precisamente no momento em que os portugueses começam a dar sinais que já não suportam mais esta governação da maioria PSD/CDS-PP.

Depois do custe o que custar, o governo de Pedro Passos Coelho parece ter abraçado a vertigem do vai ou racha.

A conclusão não decorre só do que se passou em frente da Assembleia da República, no passado dia 14, mas também da radicalização do discurso à direita e à esquerda, qual tornado imprevisível a varrer a lucidez de quem tem a obrigação de ultrapassar o excepcional momento de crise.

É preciso dizer com clareza que isto não vai lá com violência, mas sim com mobilização, pedagogia e transparência, pois os riscos de muscular ainda mais o discurso e a governação podem ser contraproducentes.

A violência que está em cima da mesa não é só a bastonada sobre cidadãos indefesos que se manifestaram na última greve geral. Não, essa carga policial é apenas uma das vertentes da violência que se está a abater sobre os cidadãos, em que os excessos de meia dúzia de arruaceiros servem de pretexto para uma exibição indigna de força que só serve para incendiar ainda mais os ânimos.

A violência física pode ser arbitrária, injusta e dolorosa, mas há outra violência muito mais perigosa. Hoje, é possível começar a entender melhor o que se está a abater sobre o país, pois está a emergir um padrão de actuação governamental que é muito mais do que a porrada indiscriminada e a prisão ilegal de cidadãos.

Quando o poder exibe a força dos cassetetes e atropela a legalidade, quando se fecha nos gabinetes sem dar explicações ao país, quando toma decisões opacas para não ter que assumir a verdade, então estamos perante um problema maior protagonizado por um governo estafado, desacreditado e sem soluções.

A falta de cultura democrática começa a assumir laivos aterradores. A arrogância no discurso, por vezes mascarada por ironias insuportáveis para quem vive tempos de extrema dificuldade, está a raiar os limites da indecência política.

É assim que se explica que Miguel Relvas continue no governo e a viajar pelo mundo fora certamente em missões da mais de alta relevância, que infelizmente ainda ninguém conseguiu explicar.

É assim que Miguel Macedo continua a governar, autorizando cargas policiais que são elogiadas pelo sistema político e pela corte do costume, sempre mais interessada em justificar o poder do que em o escrutinar.

É assim que Pedro Passos Coelho renova a confiança em Júlio Pereira que continua a liderar os serviços de informações depois de varrido para debaixo do tapete o funcionamento das secretas em roda livre.

Há muitos mais exemplos, mas estes três são paradigmáticos. De facto, quando não há argumentos que expliquem as decisões, as escolhas e as opções, só resta o silêncio e a força.

Até Vítor Gaspar já percebeu que uma certa flexibilidade, desde que não comprometa o fundamental, faz parte de uma governação responsável e equilibrada, como atesta a diminuição da sobretaxa sobre o IRS.

A prepotência e a violência são os argumentos dos fracos, sejam eles governantes ou manifestantes, que nos vai levar, inevitavelmente, a eleições antecipadas.

O governo da maioria não tem legitimidade para tudo. E a confiança dos portugueses não se manifesta apenas nas urnas, de quatro em quatro anos, como, infelizmente, Pedro Passos Coelho vai ter de compreender, mais cedo do que tarde, se não arrepiar caminho. 

sábado, 10 de novembro de 2012

Portugal é assim: o país palavroso




Continuamos à espera. Sempre à espera de alguma coisa. Nem que seja para desculparmos os nossos erros e eleger um bode expiatório.

Portugal é assim: passivo, pequenino e irresponsável.

A visita de Angel Merkl levanta a turba. O país mediático fervilha para demonstrar o nosso descontentamento à chancelerina alemã. E até as personalidades de primeira linha, que estão fora do poder, saem da sua zona de conforto para surfar a onda da indignação.

Não, não nos conformamos com o pagamento da factura dos nossos desvarios, alguns deles perpetrados por criminosos de baixo coturno que enriqueceram através da grande corrupção favorecida por um Estado falido – com quem, aliás, muitos dos que agora protestam conviveram pacificamente.

Não, não aceitamos ter de assumir a responsabilidade por decisões governamentais eleitoralistas que afagaram todas as ilusões.

É verdade que a dívida é nossa, mas os credores que esperem, que nos emprestem mais dinheiro para poder pagar mais devagar, durante mais anos, e depois logo se verá.

Estamos disponíveis, obviamente, para pagar as nossas dívidas. É claro que temos de reestruturar a despesa pública, mas não podemos tocar no "monstro" que alimenta todo o tipo de clientelas e vigarices em nome de um serviço público ao cidadão que desespera para o poder usufruir.

Não, isto não pode continuar, não podemos assistir ao roubo aos pensionistas, ao obsceno desrespeito pelos mais idosos e pobres, ao aumento da carga fiscal, pois estão a matar o país, a sociedade e a economia. Vamos mudar a Europa, mostrar ao mundo que somos capazes de vencer, mas sentados, bem instalados, e desde que nos desculpem os excessos com mais dinheiro e mais tempo.

Portugal é assim: o país palavroso. Eloquente, redondo e infantil.

E quando passamos do palco das ideias para a realidade, nada muda. A culpa continua a ser sempre dos outros: do capitalismo selvagem que engordou os banqueiros à custa das casas e dos carros que comprámos; dos bancos e dos banqueiros que ganharam fortunas à custa do crédito que nos concederam irresponsavelmente; dos grandes países, como a Alemanha, que engordam à custa dos juros usurários que nos cobram; da União Europeia que está em estado de pré-desagregação, apesar de termos sido os autores do Tratado de Lisboa.

E até quando passamos do colectivo para o individual, também nada muda. É claro que temos de racionalizar a despesa pública, mas os cortes são sempre para os outros. Sim, nós conseguimos, desde que não toquem nos interesses das corporações com mais força, visibilidade e mediatismo. Sim, em frente, mas sem tocar naqueles que são beneficiados com salários e mordomias.

Portugal não está condenado a ser assim, um país de gente de braços caídos, à espera, sempre à espera, sem vontade de escolher o seu caminho e de construir o seu futuro com bases sólidas

Cada português tem de ser exigente consigo próprio para depois poder ser exigente com os outros, desde o governo aos banqueiros e, sobretudo, muito exigente com a justiça para combater a corrupção que nos deixa mais pobres a cada dia que passa.

 Pedro Passos Coelho ainda não percebeu que a mudança não se alcança, exclusivamente, à custa de mais sacrifícios e mais cortes, mas sim de atitudes competentes, de decisões transparentes e de seriedade exemplar.

Portugal não tem de ser sempre o que a nossa História comprova e o nosso presente confirma. Mas isso depende, em primeiro lugar, de cada um de nós, e não dos outros.





sábado, 3 de novembro de 2012

Falsos profetas e vendilhões do templo



Com o governo descredibilizado, contestado pela direita e pela esquerda, minado por ambições mesquinhas e envolvido em negociatas que estão a ser investigadas pelo Ministério Público, o país entrou numa das páginas mais importantes da sua História.

Pedro Passos Coelho, com um ano e meio de atraso, relançou o debate da revisão constitucional, condição sine qua non para o país poder sair do pântano em que está mergulhado e libertar-se dos grilhões impostos pelos credores externos.

Infelizmente, a dramática hesitação do primeiro-ministro – para não começar já a chamar-lhe cobardia política – durou demasiado tempo, comprovando que lidera um governo que é mais do mesmo, manifestando incapacidade para estimular uma verdadeira mudança de paradigma e para enfrentar os poderes fátuos que continuam a atirar o país para a miséria.

O primeiro-ministro perdeu o timing. Já não tem força e credibilidade para liderar nas melhores condições uma revisão constitucional. Os erros cometidos, alguns deles inexplicáveis, fizeram-no refém das amarras que prometeu quebrar. Tal como no passado, o sistema está a vencer, o regime continua a encher a boca com o discurso do Estado Social ao mesmo tempo que promove um capitalismo selvagem para continuar a encher os bolsos dos mais poderosos.

Só um milagre pode salvar Pedro Passos Coelho.

E não há alternativa? Não! O líder do PS deixou-se também acorrentar pelos defensores do regresso ao poder a todo o custo, assumindo todo o tipo de demagogias, que mais parecem infantilidades irresponsáveis.

De um lado, os falsos profetas que prometeram a mudança; do outro, os vendilhões do templo que nunca se preocuparam com os idosos que obrigaram a ter de andar quilómetros para ir ao médico, com os pensionistas a quem diminuíram e congelaram as pensões, com as centenas de milhares de portugueses que atiraram para o desemprego, entre outras inconstitucionalidades pelas quais, do alto da sua arrogância, ainda nem sequer pediram desculpa aos portugueses.


É este trágico impasse que justifica a onda de pessimismo que está a varrer o país de norte a sul, não são os sacrifícios que estão a liquidar a esperança. 

Neste cenário medonho só faltava mais uma desgraça: o súbito despertar dos juízes do Tribunal Constitucional para o Estado de Direito, depois de terem ignorado, durante anos a fio, todos os atropelos ao texto constitucional.

Para quem tivesse dúvidas sobre o papel dos juízes deste tribunal político, no momento em que a crise lhes tocou no bolso, basta verificar a manhosice da extraordinária decisão que considerou ilegais os cortes na função pública.

Nesta roda-viva de falsidades e fatuidades, que alimentam o tráfico de influências, a corrupção institucionalizada e o descaramento de quem conta com a ignorância do povo para melhor o continuar a enganar, ainda há quem acredite que está a ser travada uma guerra sem quartel entre os que querem liquidar o Estado Social e os que o querem defender.

Não tenhamos ilusões: o Estado Social foi ferido de morte pela governação de José Sócrates e restantes apaniguados. E para remediar este crime-político vai ser preciso mudar de vida, rapidamente, pelo que não vale a pena perder tempo com os discursos dos falsos profetas e dos vendilhões do templo.

Chegou a hora de salvar o essencial!

Resta saber quem vai conseguir fazê-lo, pois com este governo e com este PS é, infelizmente, cada vez mais evidente que não vamos lá.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O exemplo de Francisco Louçã




No momento em que classe política afunda e o regime democrático está num impasse terrível, chegou a notícia: o histórico líder do Bloco de Esquerda anunciou a saída do parlamento.

Num tempo em que a política está transformada num imenso pântano de casos iníquos, vale a pena sublinhar um exemplo de excelência, em que a dedicação, a inteligência e seriedade fizeram a diferença para companheiros de partido, adversários de sempre e até jornalistas que tiveram o privilégio de o conhecer e de o entrevistar em sua casa.

Ao fim de 13 anos de carreira política, de cinco mandatos na Assembleia da República, de 1012 intervenções no plenário, entre as quais se destacam os debates frontais com cinco primeiros-ministros, nunca ninguém colocou em causa a sua probidade.

Vale a pena afirmar que a Democracia não criou só "monstros". Também foi capaz de gerar um político competente, com capacidade de defender as suas ideias e que sempre se distinguiu cristalinamente da ralé que tem ocupado o poder com uma mão no peito e outra na massa.

A saída de Francisco Louça da primeira linha do palco do combate político é uma péssima notícia para todos aqueles que acreditam num futuro melhor. Todavia fica o exemplo, como o próprio sublinhou: «Saio exactamente como entrei, com a minha profissão, sem qualquer subsídio e sem qualquer reforma». Só lhe faltou dizer que continua a não gostar de caviar.

No meio de tanta e tanta gente que não hesita em comprometer o país em nome de interesses disfarçados de preocupação social, vale a pena acentuar que nem todos são iguais. E que a esperança na democracia também é sustentada por um percurso ímpar, por um político que nunca se deixou deslumbrar pelas mordomias do poder.

Construiu um partido com base nos escombros da extrema esquerda, o seu trabalho inspirou muita gente e animou muitos daqueles que consideram que já não vale a pena lutar por um regime mais limpo e por um país mais justo.

Quando usava da palavra na Assembleia da República, o silêncio era tumular. Todas as bancadas transbordavam de expectativa, reconhecendo que o líder de um pequeno partido pode fazer a diferença. E que diferença fez Francisco Louçã. O seu contributo foi essencial para denunciar a corrupção e a impunidade que têm condenado o país à miséria. Em muitos momentos, cara a cara com os chefes dos governos da República, o então líder do Bloco esteve à altura da nobre missão parlamentar, criticando, denunciando, propondo, sempre com a mesma autoridade, reconhecida por todos, à esquerda e à direita, independentemente do acordo ou desacordo com as suas ideias políticas.

Francisco Louçã foi o mais brilhante parlamentar desde o 25 de Abril.

Por isso a sua saída da ribalta política é uma prova extraordinária de força e de confiança na capacidade de sobrevivência do partido mais à esquerda no hemiciclo, precisamente no momento em que o governo em funções é liderado por quem está a revelar uma enorme falta de cultura democrática.

A escolha da hora para sair pelo seu próprio pé, demonstrando que nem todos se agarram desesperadamente ao poder, representa a sua última mensagem enquanto líder do Bloco: a confiança naqueles que ficam e nas suas capacidades para fazer mais e melhor.

Quem teve a coragem de dizer a um primeiro-ministro, olhos nos olhos, no momento certo, que os «portugueses sabem o que quer dizer desonestidade», tem toda a legitimidade de prometer que vai continuar a «ajudar a levantar a força deste povo». 

sábado, 20 de outubro de 2012

E quando até o poeta morre




«Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente» 
Manuel António Pina


O momento da apresentação do Orçamento do Estado parece repetir o ritual, anualmente, da libertação de todos os fantasmas da iniquidade, em que vale tudo para cada lóbi e cada corporação defenderem o seu quinhão, em detrimento dos mais fracos e pobres.

A cada dia que passa, o país revela o pior de si à medida que a demagogia impera e as dificuldades tornam a vida de muitos insuportável.

No cruzamento de dois caminhos, o da exigência e o do facilidade, o país parece que apenas quer afundar no lodo da mentira, do oportunismo, do egoísmo do salve-se quem puder e da falta de auto-estima.

O governo aponta o caminho mais difícil, sem mostrar sinais de credibilidade e transparência que justifiquem mais confiança da parte dos cidadãos. Com os sucessivos erros e escândalos que o têm abalado, desde os casos de Miguel Relvas até às privatizações, Pedro Passos Coelho está a aniquilar a expectativa de um país inteiro. Como se não bastasse, Paulo Portas enveredou por uma aventura fantástica, cujo primeiro capítulo chegou ao fim, num momento em que a vertigem está à solta.

Por sua vez, o principal partido da oposição, ainda sem recuperar do passado vergonhoso, clama pelo caminho da facilidade sem nada afirmar sobre a sua sustentabilidade. De um momento para o outro, e sem ainda representar uma alternativa séria, António José Seguro tornou-se o líder de todos aqueles que afundaram o país, daqueles que agora prometem uma salvação menos dolorosa. É cada vez mais difícil assistir, diariamente, aos palpites de quem devia pedir desculpa antes de falar, falar, falar, para pés-de-microfone que não têm o brio de os confrontar com a verdade.

Por último, a extrema esquerda, essencial para denunciar os abusos da democracia formal, insiste no dogmatismo e na utopia, uma prova de força de quem não tem as mãos sujas pela governação das duas últimas décadas. Mas face a um período de tal fragilidade, o país não pode ser atirado para uma luta contra tudo e todos.

No momento em que assistimos ao desaparecimento da esperança, a uma velocidade estonteante, a mediocridade e a intriga estão a tomar conta de todos os caminhos e alternativas. É este o drama que se sente em todas as conversas, dos que são de direita e de esquerda, e até daqueles que militam há demasiado tempo no partido da indiferença.

Falta uma âncora para os portugueses voltarem a acreditar. Nem a igreja, atolada nas suas contradições, surge como um refúgio. Todos parecem submergidos por esta agonizante falta de horizonte.

       E quando até o poeta morre, e ainda que fique o génio e a inspiração de um poema sobre o “país das pessoas de pernas para o ar”, é preciso continuar a perguntar o que resta?

Deste muito pouco, sem dúvida que tudo.

Mesmo quando o tal poeta avisou para o risco da poesia acabar, a verdade é que nos deixou um porto seguro de palavras, uma bóia em que se pode ler: “ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde”.


A simplicidade de um poema sempre permitiu sonhar, escolher o caminho e recomeçar.

sábado, 13 de outubro de 2012

A nova PGR: a bota não bate com a perdigota




«Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Tudo o resto é publicidade». Era assim que George Orwell (Eric Arthur Blair) entendia o papel dos jornalistas no início do século XX.

Actualmente estamos cada vez mais distantes desta brilhante máxima. Salvo raras excepções, a informação tornou-se num imenso e crescente monte de ruído ao serviço de alguém e uma fonte de permanente confusão.

Os exemplos são tantos que a única dificuldade é seleccionar os casos mais paradigmáticos, pelo que enuncio apenas dois, da política e da justiça.

Hoje, entre insultos nunca vistos trocados pelos principais protagonistas da vida política, quem consome a informação fica entalado entre duas visões diametralmente opostas sobre o caminho a seguir para sair da crise. E não faltam especialistas, entre os quais os principais coveiros do país, com opiniões sobre as virtualidades de uma ou outra medida.

Por um lado, a maioria que governa, com mais ou menos simulação de arrufo do CDS-PP, tem como objectivo o saneamento das contas públicas em ritmo acelerado e o regresso aos mercados em Setembro de 2013; por outro lado, a oposição clama por mais tempo e menos sacrifícios, independentemente do custo acrescido de manter uma situação de dependência de mais e mais crédito externo.

Curiosamente, a imprensa não tem reflectido sobre o que poderá estar na génese de posições tão extremadas: a maioria que governa quer fazer o trabalho duro o mais rapidamente possível para que o país regresse aos mercados financeiros internacionais em 2013, ficando ainda com dois anos até às próximas eleições legislativas, o que lhe poderá permitir abrir os cordões à bolsa e à economia; por sua vez, a oposição quer retardar o mais possível a saída da troika e o regresso da normalidade em termos de independência financeira do país, de forma a atrapalhar a governação e a chegar a 2015 em condições de conquistar o poder.

Não vale a pena escrutinar se ambas as posições estão a ser mais determinadas pelos interesses partidários e pelo calendário eleitoral do que pelo interesse nacional?

Esta falta de profundidade da imprensa não se cinge à governação e à política. Senão vejamos o que se passou na justiça, perante a indiferença generalizada: a nomeação do procurador-geral da República.

O país foi surpreendido pela escolha de Joana Marques Vidal, uma magistrada do Ministério Público, com obra na defesa das vítimas e dos mais desprotegidos.

Ora, andámos meses a ouvir Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, a pulular sobre o combate à corrupção, o fim do tempo das impunidades e ainda sobre a criminalização do enriquecimento ilícito e, agora, assistimos à nomeação de uma magistrada para liderar a procuradoria-geral da República sem qualquer experiência na investigação criminal e sem trabalho para apresentar na luta contra o crime de colarinho branco, o branqueamento de capitais, o tráfico de influências, em síntese, sem provas dadas em relação à esmagadora maioria dos crimes de catálogo.

Os comentários em relação a esta nomeação, de uma magistrada muito próxima de importantes figuras do PSD, ficou pela triste tendência para a bajulação de quem assume o poder, o que deve ter deixado muitos portugueses com a cabeça a andar à roda.

Quem assume um lugar desta importância merece, obviamente, o benefício da dúvida e todos os votos de maiores sucessos. Mas, francamente, que a bota não bate com a perdigota, lá isso não bate.

Resta esperar pelos próximos capítulos, pois de publicidade estamos conversados.

sábado, 6 de outubro de 2012

Por uma nova República




Vítor Gaspar, não obstante a sua seriedade e competência intocáveis, tem falhado sucessivamente todas as metas orçamentais anunciadas, mas continua com um rumo definido.

Face ao coro de críticas, da esquerda à direita do espectro partidário, das organizações sindicais às patronais, o ministro continua firme, não vacila, mantém o caminho duro de mais impostos, indiferente a todas as demagogias, insistindo na estratégia de aceleração do ajustamento a que o país está obrigado pelos credores estrangeiros.

Com uma  tranquilidade e convicção impressionantes, Vítor Gaspar continua a apostar num país de plena soberania, não se deixando intimidar por uma das maiores vagas de contestação de que há memória em Portugal. E passou ao contra-ataque, não com recurso às medidas fáceis ou à vozearia, mas com um discurso político subtil e surpreendente.

Debaixo de fogo cruzado, o ministro das Finanças decidiu fazer um elogio ímpar aos portugueses. Não a todos os portugueses, mas a uma maioria especial: aos que se organizaram à margem dos partidos políticos, que chegaram mesmo a recusar a presença de alguns líderes partidários mais atrevidos, para contestar três décadas perdidas de Democracia.

O elogio de Vítor Gaspar aos manifestantes que protagonizaram a manifestação de 15 de Setembro – «O melhor Povo do mundo» – é muito mais do que um sound byte: É o maior e mais subtil ataque ao regime controlado por políticos e partidos políticos marcados pela incompetência, nepotismo e corrupção.

Poucos governantes se poderiam dar ao luxo de um tão veemente puxão de orelhas aos barões do regime e a uma classe política que tem enterrado sistemática e sucessivamente o país na mais profunda depressão.

Não obstante os pesados sacrifícios que está a exigir, Vítor Gaspar ainda representa a esperança num futuro em que os governantes não sacrificam o país por uns trocados numa qualquer offshore ou por um misero tacho mais ou menos dourado. Aliás, certamente, ninguém dúvida que o ministro das Finanças tem mais vida além do cargo que exerce.

As escolhas de Vítor Gaspar podem ser financeira e tecnicamente contestáveis, até podem ser económica e socialmente criticáveis, mas seguramente representam um caminho diferente daquele que nos conduziu ao desastre.

É este o grande trunfo de Vítor Gaspar, o ministro mais político do governo na mais nobre acepção da palavra, representante de uma nova geração que não se confunde, que não se quer confundir, com os responsáveis pela actual situação de emergência nacional.

Será que é suficiente?

Não!

O estreito e difícil caminho que o ministro das Finanças está a seguir só será viável se o governo for credível e conquistar a confiança dos portugueses.

Por isso a escolha está cada vez mais clara: ou Passos Coelho está à altura do seu ministro das Finanças e arrepia caminho, retomando a exigência que prometeu aos portugueses, desde logo avançando com uma profunda remodelação governamental, ou teremos como "alternativa" mais cenas do filme Relvas & Companhia.

As comemorações do 5 de Outubro não são um bom prenúncio, pois a classe política já não tem força nem espaço para acantonar os portugueses a um canto, mas tiveram o mérito de reforçar a percepção da necessidade de continuar a lutar por uma mudança de mentalidades e de paradigma de desenvolvimento, em suma, por uma nova República, em que a Constituição não seja uma caricatura do próprio regime.

sábado, 29 de setembro de 2012

Ministra da Justiça versus tempo de impunidades e espiões


Paula Teixeira da Cruz foi uma das maiores esperanças do governo de Passos Coelho.

Passado mais de um ano de governação é chegado o momento de repetir a afirmação, em jeito de interrogação, que a ministra tantas e tantas vezes tem feito, e que recentemente voltou a repetir a propósito das buscas efectuadas a três ex-governantes socialistas.

O tempo das impunidades acabou?

Em termos objectivos a resposta só pode ser uma: Não!

A ministra tem andado distraída com polémicas com o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, e tem consumido parte do seu tempo com reformas que ainda não saíram do papel.

Ora, e passe o juridiquês, as alterações ao Código de Processo Penal, a reforma do Código de Processo Civil e do mapa judiciário e a sempre prometida criminalização do enriquecimento ilícito sabem a pouco, a muito pouco.

Se um ano e dois meses é pouco tempo para fazer o tanto que há a fazer na Justiça, e ainda que, aparentemente, tenha acabado o regabofe de desperdícios, e não só, no Ministério da Justiça, a verdade é que outras reformas, essenciais para garantir mais transparência e mais celeridade, continuam engavetadas nos corredores da burocracia.

Por exemplo, a informatização na Justiça continua a arrastar-se, penosamente, servindo apenas para beneficiar os prevaricadores e para alimentar os truques e os lóbis que assaltaram a Justiça. E mais. Ainda ninguém conhece a escolha do nome do próximo procurador-geral da República.

Como refere Maria José Morgado, no último artigo de opinião intitulado “Crónica sobre o NADA”, facilmente se pode atestar que o tempo das impunidades está longe, muito longe de terminar: «A informatização dos inquéritos é uma miragem. Não há trabalho em rede nem ligação informática entre polícias, nada».

Este balanço devastador corresponde ao sentimento do cidadão comum, que deixou de acreditar na Justiça e, mesmo quando quer acreditar, não recorre a ela por incapacidade financeira em manter um processo durante anos e anos a fio.

As dúvidas legítimas e fundadas sobre o funcionamento da Justiça portuguesa chegaram a tal ponto que, actualmente, até Jorge Silva Carvalho já surgiu na imprensa como pseudo vítima do esmagamento dos direitos de defesa.

O pasto para as dúvidas é tal, quiçá fruto de uma manipulação soez por enquanto sem nome próprio, que já está em curso, aparentemente, a vitimização de quem está acusado pelo MP dos crimes de violação de segredo de Estado, acesso ilegítimo agravado, abuso de poder e corrupção passiva para acto ilícito. Ora, a coisa é tão grosseira que até o advogado do ex-espião sentiu necessidade de se demarcar publicamente.

O ex-director do SIED tem obviamente o direito à defesa - que na minha opinião não pode ficar prejudicado por qualquer segredo de Estado, sempre o defendi -, mas ninguém se pode esquecer que, por um lado, a investigação do MP não quebrou o segredo de Estado, e, por outro, o espião sempre defendeu com unhas e dentes o segredo de Estado, quer enquanto responsável das secretas, quer como cidadão chamado a testemunhar em tribunal.

A audácia de tentar confundir a opinião pública, com recurso a comparações infames, só tem vencimento porque os portugueses já deixaram de acreditar nos órgãos de soberania, na separação de poderes e nos meios de fiscalização dos diversos poderes.

De facto, continua a valer tudo, ou quase tudo. Até vale quem tenha o atrevimento, doloso ou não, de tentar confundir uma absolvição pelo mérito de conduta e uma remota possibilidade de absolvição por razões meramente formais.

Porque, com este governo e com esta ministra da Justiça, ainda estamos longe, muito longe de ter acabado com o tempo das impunidades.

sábado, 22 de setembro de 2012

Crise, submarinos e PGR


O golpe do líder do CDS-PP, o anúncio atabalhoado da TSU e a grande manifestação do passado dia 15 resultaram num despertar extraordinário da consciência cívica dos portugueses.

A sociedade portuguesa, qual panela de pressão à beira de rebentar, não aguentou e foi para a rua, civilizadamente, manifestar o protesto por anos e anos de atropelos e desrespeito pelas mais elementares regras do jogo democrático.

Infelizmente muitos confundiram o silêncio e a resignação dos portugueses com sinais de passividade. Outros até querem, à viva força, reduzir os protestos a uma mera reacção ao anúncio da subida da TSU. Mas não é por acaso, certamente, que a contestação se demarcou de todos os partidos políticos, beneficiando da ampliação cirúrgica dos órgãos de comunicação social desesperados por mais vendas e audiências.

Com mais ou menos conclave de líderes da maioria, reunião partidária de barões partidários, debate parlamentar ou maratona do Conselho de Estado, a verdade é que a situação já escapou ao controlo das instituições.

Acabou o tempo dos discursos habilidosos de um lado e do outro, pois os protestos estão a visar muito mais do que a austeridade brutal.

Se o poder político quiser sobreviver tem de evitar encenações institucionais ridículas e rituais de autoridade patéticos.

A descredibilização da presidência, a demagogia da oposição parlamentar e os sucessivos erros de Passos Coelho, a propósito das nomeações de boys, da privatização da EDP, da polémica das secretas e da manutenção de Miguel Relvas em funções, entre muitos outros, criaram um rastilho suficiente para fazer deflagrar a bomba da indignação.

Os portugueses estão a dar sinais visíveis e audíveis de que não estão dispostos a fazer mais sacrifícios enquanto permanecerem as suspeitas de corrupção, de nepotismo, de mentiras descaradas e de negociatas de Estado, enfim, de distanciamento do poder em relação aos cidadãos. As avaliações positivas da troika já não são suficientes.

Pela primeira vez, o habitual paleio daqueles que usam e abusam da dicotomia da esquerda e da direita foi por água baixo. Afinal, não é só Passos Coelho que está à beira de se afogar. É o todo o espectro político que passou a navegar em alto mar à beira do desastre.

Chegados aqui, resta perguntar: qual vai ser o epílogo deste despertar dos portugueses?

Neste momento, ninguém sabe.

Todavia uma coisa é certa: acabou o tempo em que os portugueses se limitavam a votar ordeiramente quando eram chamados às urnas.

Chegou a hora da governação com sentido de proximidade.

As últimas manifestações têm de ser olhadas com a atenção. É fundamental provar aos portugueses que os problemas que estão há décadas a montante das questões económicas e financeiras, como a Justiça, serão abordados com seriedade.

Não é de admirar que os portugueses concentrem as atenções, por exemplo, na triste novela dos submarinos e do desaparecimento dos contratos, entre outros escândalos judiciais que são atirados para debaixo do tapete com um descaramento inaudito.

Por isso também acabou o tempo do benefício da dúvida concedido a Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça.

A escolha do próximo procurador-geral da República pode ser o último balão de oxigénio desta democracia formal, que já perdeu há muito tempo o respeito por si própria.

A escolha de um nome que resulte apenas de mais um mero entendimento partidário, institucional e sindical pode ser o passo irreversível em direcção ao abismo.

A hora da mudança também chegou, finalmente, a Belém e a São Bento.

sábado, 15 de setembro de 2012

A lição do aumento da TSU



A razão venceu a demagogia na última entrevista do primeiro-ministro à RTP.

Com uma serenidade impressionante, Passos Coelho explicou as medidas anunciadas, desmontando as críticas que têm atingido um volume tal que, rapidamente, se estão a virar contra quem as tem proferido.

No entanto, o brilhantismo com que o primeiro-ministro enfrentou as perguntas dos dois jornalistas, que demonstraram uma intranquilidade desnecessária, foi suficiente?

Não.

O mal já estava feito. E o erro persistiu, ao não dar a mão à palmatória, quando não teve coragem de assumir, claramente, que o anúncio do aumento da Taxa Social Única foi precipitado pela necessidade de apresentar uma solução de último recurso para evitar qualquer risco de um eventual chumbo da troika.

Certamente, ao assumir o risco do falhanço, as críticas teriam chovido de todo o lado, mas teria usufruído dos benefícios de ter conseguido chamar os portugueses para o lado da emergência nacional, para o posterior sucesso da quinta avaliação positiva da troika e para a necessidade de travar o aumento do desemprego a curto prazo.

O resultado de não falar toda a verdade aos portugueses está aí à vista de todos. Os principais responsáveis pela crise desabriram em palpites sobre uma medida que, pasme-se, ainda ninguém sabe como vai ser aplicada, chegando ao delírio de contabilizar quantos salários os portugueses vão perder por ano.

O disparate repetido à exaustão, por uma comunicação social que não quis ou não conseguiu escrutinar a verdadeira motivação do timing do anúncio da medida, resultou numa instabilidade com repercussões ainda desconhecidas.

Ainda que mantenha a preocupação em informar os portugueses da gravidade da situação, Pedro Passos Colho ficou, mais uma vez, a meio caminho do seu indeclinável dever.

A hesitação em assumir as responsabilidades no falhanço das metas anunciadas, que o deixaria debaixo de fogo político, abriu as portas aos seus inimigos, a quem ainda não deixou de sonhar com voos mais altos e, sobretudo, a todos aqueles que estão a ver em perigo todo o tipo de mordomias que atiraram o país para a dependência de credores estrangeiros, sejam eles trabalhadores ou patrões, parceiros políticos ou adversários partidários.

É sempre reconfortante ouvir um primeiro-ministro reafirmar que ouve as partes, mas que é ele o último responsável e decisor. Todavia, para governar pela própria cabeça, sem obter previamente os améns dos senadores, banqueiros, empresários, sindicatos, lobbistas e intermediários dos grandes interesses, Pedro Passos Coelho não pode dar o flanco. Tem de apresentar resultados e não pode colocar o governo refém de um ministro que já devia ter sido demitido há muito tempo, e que, ainda por cima, insiste em falar do além.

Num momento decisivo para Portugal, Passos Coelho não tem que se preocupar com as quezílias com Cavaco Silva, ou com as tentações políticas de Paulo Portas, ou com a sofreguidão que alguns demonstram em regressar ao poder, ou mesmo com as crises políticas mais ou menos encenadas.

O maior inimigo do primeiro-ministro é ele próprio, quando teme ser o que prometeu ser, quando treme no momento de fazer os mais ricos pagar a crise, quando vacila em enfrentar os lóbis e os grandes interesses, quando coloca o interesse nacional refém das suas amizades e clientelas.

A margem de manobra do governo só estreita quando o primeiro-ministro se distrai do essencial: falar toda a verdade aos portugueses.