Os portugueses já estão habituados à determinação de Pedro Passos
Coelho. O que não lhe perdoam é a sua falta de legitimidade eleitoral para
prosseguir o rumo traçado.
O líder do XIX governo constitucional continua a desvalorizar o
seu pecado original: as falsas promessas eleitorais.
Na última entrevista à TVI, a José Alberto Carvalho e a Judite de
Sousa, Pedro Passos Coelho não deu um único sinal de arrependimento.
Decorrido um período de governação de um pouco mais de 17 meses, o
primeiro-ministro carrega este peso com crescente desfaçatez política, qual
Sísifo que, não obstante ser o mais astuto dos mortais, acabou condenado para
sempre a empurrar uma pedra até ao lugar mais alto da montanha.
Começa a ser fatigante assistir ao espectáculo de um
primeiro-ministro a tentar camuflar que recorreu aos velhos truques ― quiçá, os
mesmos que, noutros tempos, o afastaram da política activa ― através de uma
atitude politicamente arrogante, como se fosse possível apostar no tempo para
tudo fazer esquecer, como se até o enxovalho público fosse passível de ser
ignorado.
Pedro Passos Coelho não é mais nem menos do que o produto do
sistema, mesmo que, numa determinada fase, tenha chegado a vestir o uniforme do
enfant terrible da política
portuguesa.
Mais de 37 anos depois do 25 de Abril, Portugal continua a ser um
país atulhado de políticos imbuídos de uma clarividência tal que chegam a
considerar normal enganar os portugueses durante uma campanha eleitoral para
depois fazerem o que lhes apetece.
As sucessivas gerações de políticos iluminados já se habituaram de
tal forma a prescindir de consultar o Povo, sobre questões da maior relevância
para o futuro colectivo, que já nem são capazes da mais elementar autocrítica
pessoal e partidária.
Os partidos do arco da governação, que afinam pelo mesmo diapasão
há mais de 30 anos, sabem que os eleitores não têm alternativas credíveis, contando
que tudo continue na mesma com mais ou menos voto nas setas, sejam para cima ou
ao centro, e na rosa mais ou menos avermelhada.
Não há nada pior para a saúde da Democracia do que esta simples
constatação. Nem a corte do costume, fortuitamente instalada a favor ou contra
o poder vigente, consegue disfarçar o incómodo.
Enquanto os cidadãos não romperem com esta armadilha, qualquer
líder político pode mentir impunemente, porque sabe que tem uma forte
probabilidade de ficar no poder pelo menos quatro anos, contando com a
conivência dos seus pares e a passividade colectiva.
Para o bem ou para o mal, o sistema político tem fabricado, acolhido
e promovido este tipo de governantes. O que é incompreensível, para não lhe
chamar um colossal embuste, é a crítica organizada por senadores que
incorreram, sistematicamente, no mesmo erro, pretendendo agora passar por
aquilo que nunca foram.
Pedro Passos Coelho pode afirmar a sua coragem. E até pode estar
convicto de estar a seguir o caminho inevitável. Mas não pode ter o atrevimento
de assumir uma atitude aristocrática, porque não tem estatuto, nem tão-pouco
deu quaisquer provas de estadista.
A maioria no poder e o maior partido da oposição parlamentar
deviam reflectir, profundamente, sobre os últimos anos de governação. Há limites
que já foram largamente ultrapassados.
Não há boys, girls, spin, agências de comunicação a soldo de quem paga mais ou
comunicação social mainstream capazes
de disfarçar o equívoco que está na origem de todos os males.
Portugal continua a ser um país sem cultura democrática, incapaz
de aprender com os erros do passado que nos atiraram para o abismo.