O
país está confrontado com uma monumental produção hollywoodesca, com a
assinatura de António Costa e de mais um par de seguidores que querem o poder a
todo o custo, não obstante os resultados eleitorais do passado dia 4 de
outubro, em que a maioria PSD/CDS-PP obteve uma vitória clara, ainda que sem
maioria absoluta.
Mas,
para já, mais útil do que aquilatar esta ou aquela deriva de líderes partidários,
importa uma análise objectiva ao pecado original dos problemas que o país está
a atravessar.
Dois
momentos são fundamentais para compreender o actual estado de incerteza:
22 de Julho de 2015: Aníbal Cavaco Silva anuncia as eleições legislativas
para 4 de Outubro e deixa implícita a ameaça de não dar posse a um governo
minoritário;
30 de Novembro 2004: Jorge Sampaio anuncia a dissolução da Assembleia da
República, deitando abaixo o governo de Pedro Santana Lopes que contava com o
apoio de uma maioria absoluta na Assembleia da República.
Com
um intervalo de um pouco mais de uma década, dois presidentes da República
assumem decisões que minaram as fundações do edifício constitucional português.
E
deixaram marcas tão profundas que, inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo,
seriam usadas para legitimar qualquer tipo de truque para a manutenção ou a conquista
do poder.
Ainda
muito mais grave: a partir destas duas decisões, de Sampaio e Cavaco, os
resultados eleitorais ficaram à mercê dos jogos de bastidores e a
governabilidade do país ficou ameaçada, pois nem mesmo uma maioria absoluta no
Parlamento passou a estar fora do alcance da bomba atómica presidencial.
Não
é por acaso, certamente, que a direita exibe declarações dos socialistas,
incluindo António Costa, em 2009, para fundamentar a legitimidade de formar um
governo minoritário, após a vitória eleitoral do passado dia 4 de Outubro; também
não é de estranhar que a esquerda agarre as palavras de Paulo Portas,
proferidas em 2011, para defender que o líder do PS tem legitimidade para
formar governo, mesmo depois de perder as eleições.
As
consequências estão aí, à vista de todos, pois o ego dos dois últimos
presidentes e os truques dos políticos não estão à altura de uma Constituição
que lhes dê espaço para a usarem à la
carte, à revelia da tradição e espírito democráticos.
E provam
que a revisão constitucional é imperiosa, devendo apontar para uma clarificação
das regras, ao melhor estilo table d'hôte.
A discricionariedade
presidencial tem de ter limites claros.
Num
momento crítico da vida do país, após um resgate internacional, os portugueses não
mereciam estar a passar por mais esta provação, cujas consequências são ainda
totalmente imprevisíveis.
As
crises em Democracia não são o fim do mundo, mas uma crise de governabilidade,
na actual conjuntura, pode ser o princípio do fim da tímida recuperação.
Nada,
mas mesmo nada, justifica uma saída para a actual crise que obrigue à repetição
do cenário grego.
Depois
da inconsciência registada no passado e do aventureirismo reafirmado no presente,
é preciso responsabilidade que garanta as condições para um futuro melhor.
Chega
de incerteza interna, pois bem basta a turbulência externa que, a qualquer
momento, nos pode varrer, a nós, portugueses, sem esquecer esta classe política
que deveria mostrar menos ego e mais comprometimento, menos carreirismo e mais
serviço público, menos mordomias e mais respeito pelos sacrifícios impostos ao
povo, menos ânsia pelo poder e mais dedicação ao exercício da oposição
democrática.