segunda-feira, 29 de março de 2021

CAMBALHOTA

 

Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, marcados pelas cumplicidades e branqueamentos dos últimos cinco anos, entraram numa nova fase nebulosa. 

No presente momento, em que o presidente promulgou os apoios sociais aprovados pela oposição parlamentar, contra a vontade do governo, vale a pena recordar a crise de 2019.

A então ameaça de demissão de António Costa, quando esteve em causa a “lei dos professores”, foi substituída, agora, por uma pífia ameaça, em jeito de «informação ao presidente», de recurso ao Tribunal Constitucional.

Aparentemente, o presidente não deixou passar os ódios de estimação de António Costa aos privados, sejam eles trabalhadores independentes ou sócios-gerentes.

Falta saber quando os apoios chegarão aos destinatários, pois qualquer eventual recurso ao Tribunal Constitucional não os suspendem.

Seja nos anúncios que tardam em concretizar-se, seja neste caso concreto em que o governo foi vencido, uma reinvenção comporta todos os riscos.

O cimento da dupla não resistiu à conjuntura avassaladora da pandemia.

Nem à promessa de chuva de dinheiro que vem da Europa.

No primeiro caso, emerge sempre o impulso rasteiro de uma das partes tentar salvar a pele; no segundo, a redistribuição pelas clientelas obriga a todas as aventuras.

A cambalhota vai desvendar uma nova “normalidade” institucional.

Com uma leitura criativa da Constituição, Marcelo dá o primeiro sinal que o presidente e o primeiro-ministro continuam (des)amarrados, mas não consegue apagar o passado.

E os avisos à prova de crise política valem o que valem.

A tentativa de saída presidencial airosa vai obrigar a um redobrado fazer de conta no regime em que continua a valer tudo.

É uma má notícia para Portugal.

segunda-feira, 22 de março de 2021

RIO DE VOLTA


Três anos após a eleição como líder do PSD, duas derrotas eleitorais depois e decorrido mais de um ano de pandemia, Rui Rio saiu da zona de cumplicidade e conforto.

Ao propor a obrigatoriedade de deputados e titulares de cargos públicos declararem se pertencem a associações e organizações "discretas", o líder do PSD conseguiu marcar a agenda com legitimidade e razão.

É preciso acabar de vez com a suspeição que paira sobre a política e a governação.

Pena é que Rui Rio apenas tenha concentrado baterias nos "suspeitos" do costume, evitando outras classes e profissões sem as quais todos os tráficos seriam mais difíceis.

Haverá maior intrusão na esfera pessoal e privada do que o "Controle Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos"?

Não!

O princípio da transparência levou a legislar uma medida que, hoje, ninguém se atreve a contestar, ainda que a história da sua aplicação e eficácia sejam em si mesmo sinais do nosso atavismo democrático.

A obrigatoriedade de apresentação de declaração dos rendimentos, bem como do património e cargos sociais, coloca os deputados e os titulares de cargos públicos num patamar de exigência ímpar.

A transparência assim o exige, em tempos em que a responsabilidade política já finou há muito.

Mas Rui Rio não pode ficar por aqui, pois já todos conhecemos o “entusiasmo” governamental pelo combate à corrupção, nepotismo e branqueamento de capitais.

O país vai atravessar uma crise de pobreza sem paralelo, pautada por mais uma chuva de dinheiros comunitários, pelo que se justifica um escrutínio preventivo e levado a sério.

Se não há espaço para a perseguição de inimigos de estimação, certamente também não se pode repetir o que se passou com os 130 mil milhões de euros recebidos em fundos comunitários.

E não se pode deixar ao governo a tarefa de se vigiar a si próprio, dado o habitual desplante político de António Costa e o exímio fazer de conta de Marcelo Rebelo de Sousa.

A reacção descabelada à proposta de Rui Rio, que surge no seguimento de uma iniciativa do PAN, é a prova que há demasiados "elefantes" no meio do nosso regime, em que os próprios sociais-democratas não escapam.

É preciso fazer mais do que encenar escrutínios ao sabor de eleições, maiorias conjunturais e grupos mais ou menos informais ou secretos.

Temos de começar, de uma vez por todas, a enfrentar os nossos próprios anjos e demónios em nome de um país mais justo e com futuro.

Aparentemente, Rui Rio alcançou que o silêncio na oposição mata.

segunda-feira, 15 de março de 2021

MARCELO E COSTA: PRIORIDADES


Limitar as liberdades para salvar vidas sem cuidar das condições para as manter a salvo do desemprego, da miséria e da fome é a solução?

A resposta é muito mais difícil do que as declarações avulsas de governantes.

O resultado desastroso, por cá e por essa Europa fora, é tragicamente evidente.

A verdade é que o poder, mesmo quando é ocupado pela soi-disant Esquerda, aproveitou a oportunidade para abrir a porta a todo o tipo de abusos e restrições à boleia da pandemia.

Não nos enganemos: não há presidente e primeiro-ministro que tenham recebido carta-branca para enjaular os cidadãos em casa, quando ao mesmo tempo não cuidam, desde o início da Covid19, de criar os serviços de saúde suficientes.

Mais uma vez, como sempre, a questão está nas prioridades, sobretudo num momento em que a "bazuca" enche bocas, apetites e horizontes.

E quando se avança para uma aventura de 7 mil milhões de euros rumo ao hidrogénio é caso para perguntar: então não há 45 milhões para desenvolver uma vacina e mais 100 milhões para investir numa infra-estrutura para passar à fase de produção em massa em Portugal?

Com a recuperação da última borla fiscal à EDP, o país poderia começar a preparar o caminho para enfrentar esta ou outra qualquer pandemia.

A aceleração dos riscos, desafios e até oportunidades aconselham menos arrogância do poder e mais consulta e participação dos cidadãos.

Depois desta clausura continuada, sem fim à vista, fruto de um simplismo avassalador, é preciso incentivar e premiar quem procura alternativas à violência do confinamento.

Perseguir quem não se conforma com o dogmatismo do Estado é uma estratégia condenada ao fracasso.

Marcelo e Costa representam um pensamento gasto, incapazes de perceber que a nossa liberdade não pode fazer parte de uma equação viciada à partida pela incúria e campanhas que têm aterrorizado desde os mais idosos aos mais novos.

Ambos não suportam a crítica aberta e frontal, nem tão-pouco a consciência individual daqueles que não se vergam face a um Estado arbitrário e autoritário.

Neoliberalismo, grita-se à Esquerda, a torto e a direito.

Entretanto, o governo de todas as esquerdas afaga os amigalhaços com mais apoios e impõe uma austeridade disfarçada ao comum dos mortais.

E o presidente faz-de-conta que escrutina…

Amarfanhar os cidadãos, em nome da saúde e da falsa segurança, não pode continuar a ser o único caminho para travar a pandemia (Ver Despacho 2705/2021, de 11 de Março).
.
No dia em que regressamos a uma certa “normalidade” é preciso continuar a repetir bem alto que não abdicamos de viver nem dos nossos Direitos, Liberdades e Garantias.

segunda-feira, 8 de março de 2021

ROUBADOS



A pandemia trouxe à tona tudo de melhor e de pior que nos caracteriza como povo.

E permitiu ver ainda melhor o país cada vez mais pobre e desigual, aquele que fica muito além dos peditórios solidários e dos casos extremos de faca e alguidar que alimentam audiências.

Mas já cheira a dinheiro fresco.

E aos grandes projectos, leia-se nacionais, mais PIP menos PEP, já que as populações locais nada contam nesta avassaladora realidade vampiresca.

Com os mesmos promotores e comissionistas, agora com mais cabelos brancos, sempre com o mesmo descaramento.

Enquanto tratamos da pandemia, sabe Deus como, aguardamos com toda a estabilidade a chegada da tragédia em forma de mais desemprego, miséria e fome.

Com a certeza de que algum apparatchik chegará no momento certo para nos garantir que somos um exemplo no aproveitamento dos fundos comunitários. 

E partimos, novamente, para a construção da casa a partir do telhado.

De salto quantitativo em salto quântico, para os que ainda têm memória.

E depois logo se vê, pois, alguém há-de vir salvar-nos.

Entretanto, com este arrojo vanguardista, arriscamos o futuro de novas gerações.

Na semana em que Marcelo Rebelo de Sousa inicia o segundo mandato presidencial, uma única certeza: não podemos contar com Belém para muito mais do que assistimos nos últimos cinco anos.

Porventura, uma qualquer nova rábula em forma de encenação de mais escrutínio do governo, certamente para ficar tudo igual, rumo à cauda da Europa.

O orgulho governamental no sistema de ensino que distribui mais de 45 mil refeições a alunos de famílias carenciadas até pode ser reforçado por mais um feito presidencial em forma de um novo carrinho de compras para doar aos pobres.

E nem mesmo assim, perante esta indigência política, somos capazes de nos questionar e até indignar pelo caminho feito até aqui.

Remetidos a casa, física e civicamente, estamos a seguir, em directo, ao minuto, aos mesmos passos para o abismo.

O nosso "confinamento" é velho, muito anterior à Covid-19, como se um vírus paralisante nos tivesse infectado há décadas.

Não admira que continuemos a ser roubados.


segunda-feira, 1 de março de 2021

PODEROSOS A SURFAR


António Costa vive noutro mundo.

Certamente, até já terá chegado ao Olimpo, porque se julga autorizado a tudo poder fazer.

À medida que o seu poder alastra, e se impregna no aparelho do Estado  vai levar tempo a limpar! –, maior é o distanciamento do primeiro-ministro em relação ao dia-a-dia dos portugueses.

Minudências, pois claro, para uma tal mente que não hesita em apostar em altos voos sustentados na mediocridade de propagandear e enganar.

O percurso da impunidade e do distanciamento da realidade é sempre o mesmo.

Não faltam números para comprovar que o consulado de Costa – entre outros! – foi e está a ser um verdadeiro desastre para Portugal.

Desde 1986, e 130 mil milhões de euros de apoios comunitários depois, a taxa média de crescimento é da ordem dos 0,3%.

Depois deste maná, Portugal corre o risco de ser ultrapassado pela Hungria, Roménia, Polónia e Letónia, ficando a ser um dos quatro países mais pobres da UE, como alertou o “Forum para Competitividade”.

O resultado está à vista, com os poderosos a surfar e nós a pagar.

Mas não são só os indicadores macroeconómicos que explicam este percurso de desigualdade e miséria acompanhado por sucessivas declarações de preocupação com os mais pobres.

A questão também é cultural.

Após as presidenciais, quase à socapa, o poder tocou a reunir para vacinar os representantes dos órgãos de soberania mais um punhado de deputados e amigalhaços.

Entretanto, os alemães não temem que o Estado possa colapsar por não vacinar os seus líderes.

Já nos esquecemos dos custos da "eternização" dos políticos no poder em nome de uma estabilidade que favorece os “donos disto tudo” e os esquemas de corrupção.

Não aprendemos nada com Cavaco Silva nem com José Sócrates, mutatis mutandiporque não queremos viver e pensar como cidadãos livres.

Ficamos à espera do Estado, agora na versão politicamente trágica da dupla Marcelo/Costa, esquecendo que somos nós que pagamos o Estado de uns poucos sempre obrigados e venerandos em relação aos seus chefes.

Agora, que estamos à beira de receber mais 45 mil milhões de euros, voltamos a repetir os mesmos erros na terrível ilusão que a Troika foi apenas um pesadelo passageiro.

Até pode ser uma forma de vida.

Só é pena que ainda não tenhamos ganho consciência que há outras formas de viver, mais inteligentes, mais justas e com mais futuro.


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

ANTÓNIO COSTA FACILITA A VIDA DOS CRIMINOSOS


Após mais de 15 anos de funções ao mais alto nível do governo e do Estado, António Costa tem um conhecimento ímpar da realidade do crime financeiro, económico e dos mais diversos tráficos em Portugal.

Bastar recordar que já ocupou a pasta dos Assunto Parlamentares (XIII governo), da Justiça (XIV), da Administração Interna (XVII) e é primeiro-ministro desde 2015.

É surpreendente que algumas das vulnerabilidades do país, que foram notícia na última semana, tal como nas últimas décadas, continuem sem merecer a atenção do primeiro-ministro.

Num dia, a Comissão Europeia dá dois meses ao governo para «transpor diretiva anti-lavagem de dinheiro», porventura farta de ver Portugal transformado numa "lavandaria" para todo o serviço.

No outro, salta para a ribalta, a partir do Brasil, a descoberta de mais de meia tonelada de droga num avião com destino a Tires, Cascais.

Dado o extenso histórico de "lavagens" de todo o tipo e de falta de controlo nos pequenos aeródromos, por que razão continua António Costa a facilitar a vida dos criminosos?

É para atrair investimento, venha ele donde vier, com dinheiro limpo ou sujo?

Os negócios com Angola, China e Venezuela, para não falar de outros com países bem quentinhos, têm tido custos reputacionais incalculáveis.

Uns já estão na mira da Justiça, outros estão a dar origem aos mais diversos escândalos fiscais, entre os quais o último das barragens da EDP denunciado pela deputada Mariana Mortágua.

Esta resistência em abraçar as melhores práticas económicas e financeiras, que nos podiam trazer respeito e interesse por parte de investidores internacionais credíveis, continua a ser, ou não, um dos maiores mistérios do regime democrático.

Tanto mais que a Justiça não tem meios nem autonomia financeira para perseguir os meliantes de colarinho branco, alguns dos quais sentados, confortavelmente, à mesa do poder.

António Costa pode queixar-se do alheamento politicamente cínico do presidente que se remete ao silêncio quando os assuntos são da maior gravidade e de Estado.

E lamentar que a “casa” gasta actualmente o que já gastou no passado com os governos do PSD e CDS/PP.

E, por último, até pode beneficiar por Rui Rio entender que o escrutínio e a oposição devem ser assim-assim em tempos de pandemia.

Mas, passados todos estes anos, com o país a assistir a tanta dor, desigualdade e miséria, em plena presidência da União Europeia, não terá chegado a hora de António Costa agir?

É que já chega de fazer de morto, quando se trata de combater a “via verde” que facilita a vida dos corruptos.


domingo, 14 de fevereiro de 2021

BASTONÁRIOS SEM MEDO




Poucos são capazes de recordar quem era o Bastonário da Ordem dos Engenheiros em 2017.

E que, nesse ano, a instituição emitiu um comunicado afirmando que «José Sócrates não está, nem nunca esteve, inscrito na Ordem dos Engenheiros».

Desde então,  o país passou a estar mais atento e a acertar a hora pelas intervenções dos bastonários que deixaram de ser meras figuras decorativas, emproadas e em fim de carreira.

À medida que a maioria dos sindicatos desapareceram da cena social, política e mediática, quais obsoletas correias de transmissão dos partidos de Esquerda, agora no poder ou à volta dele, os líderes das classes profissionais assumiram um papel preponderante.

Ana Rita Cavaco, Luís Menezes Leitão e Miguel Guimarães, para só falar, respectivamente, nos actuais bastonários dos enfermeiros, advogados e médicos, têm estado à altura da prova de rectidão de Carlos Mineiro Alves.

A defesa dos profissionais que representam, desde a ética à deontologia, sem esquecer as condições em que trabalham, permitiu-nos conhecer melhor a realidade em que vivemos.

As denúncias de cada um dos três bastonários traduziram-se em veementes alertas para o que se estava, e está, a passar no sector da Saúde, em particular no SNS, e na Justiça, valeram-lhes o ódio descabelado de António Costa e afins.

Nunca as desigualdades foram tão cristalinas e gritantes.

Apesar do discurso de Estado, politicamente tão pomposo quanto mentiroso, assente numa propaganda desenfreada, ficou ainda mais visível o calvário diário de quem presta serviço e desespera por cuidados de saúde e um Estado de Direito.

Com a realidade da pandemia, os três bastonários continuaram a não abafar os extraordinários erros de gestão em sectores vitais para a população, alguns dos quais passíveis de envergonhar o mais incompetente dos canalhas.

O que ganharam Ana Rita Cavaco, Luís Menezes Leitão e Miguel Guimarães?

O respeito dos seus pares e da população, além de terem de enfrentar campanhas orquestradas e a perseguição da parte do poder e afins incapazes de lidar com a independência, o escrutínio e a competência.

Felizmente, temos bastonários sem medo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

QUAL É O NOSSO LIMITE?


Os indicadores são avassaladores, e vão piorar ainda mais.

O ritmo do plano de vacinação continua aquém do exigível.

O socorro do Estado continua a ser tardio ou um verbo de encher.

Os indicadores de pobreza, a visível e a escondida, já dispararam.

E os números do passado são escondidos pelos do presente: 25,8% das crianças com menos de 12 anos vivem em casas com humidade ou em que chove; quase 13% não têm a habitação devidamente aquecida; 9,2% não têm luz suficiente; 6,5% vivem em zonas consideradas violentas.

O que fazem o presidente e o primeiro-ministro?

Dizem coisas, prometem, enganam e sorriem!

E o que fazem os cidadãos?

Continuam à espera do Estado, resignados ao desabar do mundo de cada um, remediado, construído com trabalho e persistência.

Por sua vez, as poucas excepções de cidadania são pública e fortemente silenciadas pela lógica cacique impregnada do mais alto ao mais baixo nível do Estado.

As imagens horrendas que pareciam longe estão agora tão perto, apesar da comunicação social continuar mais orientada em mostrar cadáveres do outro lado do Atlântico do que em filmar aqueles que estão mesmo ao nosso lado.

Entretanto, continuamos agradecidos com uma Saúde que nos faz esperar meses e anos por uma consulta ou uma cirurgia e até nos deixa morrer.

Mantemos a calma com a Justiça que demora anos, às vezes mais do que uma década, a punir ou absolver os culpados.

Toleramos uma Educação velha e burocrática que resiste ao ecletismo.

Até permitimos que a voz da nossa Igreja, pelo menos a da maioria dos portugueses, continue fraca e cúmplice da desigualdade.

Quanto ainda somos capazes de aguentar?

Os diagnósticos estão feitos, já têm décadas, e até nem tem faltado dinheiro despejado por quem continua a tentar salvar-nos.

Com o país a afastar-se da União Europeia, qual é então o problema?

Porventura somos mesmo nós, de tão habituados a esta vida, à resignação, a sobreviver assim-assim, cronicamente incapazes de antecipar e enfrentar a realidade, sempre com medo de assumir a liberdade individual.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

ARROGÂNCIA, EXIGÊNCIA E MUITA AVENTURA


A imagem de um presidente fechado no carro, só, às voltas na noite fria, deixando passar o tempo, é o retrato da tempestade perfeita.

Continuamos a resistir na troca da certeza da mediocridade pela incerteza da mudança.

Mas aqui chegados, com Marcelo Rebelo de Sousa em Belém, mais cinco anos, o que nos espera?

A única certeza é um governo de arrogância, em modo de maioria absoluta à portuguesa, com Bloco e PCP moribundos e a direita aprisionada em si própria, face à incerteza da devastação económica, financeira e social, já que politica e institucionalmente não é possível descer mais.

Vamos continuar a ter anúncios e mais anúncios, como aquele dos sem-abrigo que ficaram na gaveta do esquecimento, para entreter aqueles que se contentam em ser entretidos, num ambiente nauseabundo que recorda os tempos de Sócrates.

Do folclore dos afectos vamos passar à exigência de uma presidência domesticada, sempre animada e colorida, mas certamente impotente e inconsequente.

Como é possível regressar, passado tão pouco tempo, ao ponto de partida do desastre?

O paleio da igualdade e solidariedade miríficas continuam a embalar uma população que só tem à sua volta a desigualdade cruel e o exemplo do oportunista assalto ao plano de vacinação.

Confortados pela sempre renovada falácia do grande abraço protector do Estado lá vamos pactuando com o flagício para não abrir uma crise política, enquanto o regime apodrece a cada dia que passa.

Agora com a esperança infundada de um presidente mais escrutinador, apesar de só ter para oferecer mais e melhor do mesmo, a manutenção do status quo, o futuro parece ainda mais sombrio.

Já passaram 10 estados de emergência que nada resolveram, apenas justificaram o que não se fez e devia ter sido feito para aplainar os efeitos devastadores da pandemia.

Entretanto, o SNS continua em plano inclinado, a afundar, qual gigantesco Titanic, entre uma orquestra de elogios estridentes e faustosas promessas renovadas para esquecer na primeira oportunidade.

E as mortes?

As mortes Covid e não-Covid continuam a não despertar o povo, que continua à porta dos hospitais, em ambulâncias, horas e horas a fio, à espera de cuidados de saúde, num dantesco espectáculo renovado.

Incomodados com as críticas crescentes, mas sempre tímidas, o primeiro-ministro e o governo sacodem com cobardia política as responsabilidades, reagem aos factos com a sobranceria dos culpados, fortes e certos da impunidade, indiferentes ao resultado da sua própria incúria.

E a Justiça, sem meios e vontade, continua ausente quando se trata de investigar crimes perpetrados pelo poder mesmo à frente dos nossos olhos.

E o presidente continua a sorrir.

Está tudo perdido?

Calma!

Vem aí Adolfo Mesquita Nunes, o rapaz da GALP, uma das empresas mais interessadas no projecto aventureiro e multimilionário do hidrogénio, para salvar o que resta do CDS/PP e do país.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

PORTUGAL MANSAMENTE A CAMINHO DO DESASTRE

Marcelo Rebelo de Sousa venceu. 

Mas quem ganhou politicamente foi António Costa, porque garantiu a reeleição do presidente que melhor o serve, fomentou o enfraquecimento e a divisão da Esquerda que não controla e conseguiu esfrangalhar a Direita. 

O presidente reeleito teve mais votos do que em 2016, mas representa apenas menos de um quarto dos eleitores quando está diminuído pela responsabilidade partilhada de mais de 10 mil mortes provocados pela pandemia. 

Aqueles que apostaram na estabilidade, como solução para todos os estrangulamentos, venceram em toda a linha.

Resta saber a que custo.

O segundo vencedor foi André Ventura, a verdadeira "estrela" da noite eleitoral.

A sua diabolização falhou.

Em vez de o desconstruir e de se focarem no escrutínio dos reais problemas dos portugueses, na clarificação do papel do presidente da República, mais uma vez ficaram pelo agitar da bandeira do fascismo. 

Os três candidatos que deram assumida e dignamente a cara pelo que resta da Esquerda apostaram numa estratégia que já havia falhado, mutatis mutandi, com Manuel Alegre em 2011. 

E acabaram por atirar os eleitores para o colo ilusoriamente seguro de Marcelo Rebelo de Sousa que se limitou a continuar a sorrir, pacientemente, indiferente a mais um papão que os portugueses já não papam. 

O último vencedor da noite foi Ana Gomes que, com a determinação que se lhe reconhece, assumiu uma legitimidade ímpar que ainda vai dar muitas dores de cabeça a Marcelo e Costa. 

Mais uma vez, na hora de decidir, os portugueses asseguraram mansamente a continuidade, apesar de todos os sinais de apodrecimento do regime. 

Em vez de fazer o caminho da mudança, os portugueses optaram por mais do mesmo, pelo arrastar de um país bloqueado e incapaz de se recriar a partir das urnas. 

A reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa é a vitória em toda a linha do "centrão" político e dos interesses que têm pavor de Ana Gomes e ainda continuam a olhar para André Ventura com a sobranceria de quem tem o poder e controla o Estado e o seu aparelho. 

Com uma dívida pública gigantesca, sinais alarmantes de abuso e corrupção, com a pandemia descontrolada e uma crise terrível à vista, os mais de 10% de votos do líder do Chega vão ecoar a dobrar nos corredores da política. 

O desastre está novamente ao virar da esquina. 



segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

PRESIDENCIAIS: RESIGNAÇÃO OU MUDANÇA?


À boleia da governação, a crise provocada pelo folclore inconsequente de Marcelo Rebelo de Sousa tem sido agravada pela pandemia.

E os resultados da desorientação e do autoritarismo, que fabricam mais e mais medo, têm merecido mais atenção neste esforço final dos candidatos presidenciais.

Mas a evidência ainda tem esbarrado na desculpabilização à portuguesa: Coitados, estão a fazer o que podem!

O país continuará na cepa torta, enquanto os cidadãos não reforçarem o músculo da cidadania, não fizerem frente aos abusos do Ministério Público ou do Fisco e não mudarem a mentalidade bafienta do pobrezinho e remediado.

Todavia, a cada eleição, agora, sente-se um pouco mais de exigência.

Na recta final da campanha das presidenciais, seis dos candidatos têm feito a diferença, correndo o país, andando na rua, contactando as pessoas, com sentido de abnegação, encarando de frente e com responsabilidade o risco.

E, entre eles, dois têm conseguido passar mensagens directas e claras que tocam um eleitorado que tem estado "confinado" ao voto no mal menor.

Ana Gomes tudo tem feito para mostrar que pode fazer mais e melhor em Belém, assumindo independência política, sensibilidade social, proximidade do povo e denunciando a alta corrupção que tem custado mais desigualdade e pobreza.

Aliás, aumenta a convicção entre os socialistas, e não só, que é a candidata capaz de enfrentar André Ventura e derrotar Marcelo Rebelo de Sousa.

Por sua vez, Tiago Mayan Gonçalves é quem mais tem surpreendido.

O candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, com criatividade e sem radicalismos, a cada intervenção, tem dado uma canelada no "centrão" dos interesses da dupla Marcelo/Costa.

«Se votas igual não esperes diferente» sublinha no mais conseguido slogan da campanha.

Tal como a diplomata e ex-deputada europeia, Tiago Mayan Gonçalves também vai a votos com um discurso limpo da marca da podridão do regime ao mais alto nível.

E também tem falado para os cidadãos indignados com o desvio dos fundos comunitários para alimentar clientelas, a estagnação económica, a impunidade e a falta de cultura democrática.

Nunca os portugueses tiveram uma oportunidade tão credível para iniciar uma nova vida: Ana Gomes e Tiago Mayan Gonçalves são os candidatos em melhores condições para regenerar o regime democrático com a palavra, a acção e a determinação.

O desastre pandémico tem acelerado a visibilidade dos condicionamentos em que o país tem estado mergulhado, designadamente a gritante falta de organização do SNS, quiçá por ter sido entregue aos boys dos dois maiores partidos políticos.

As imagens das longas filas de ambulâncias à porta dos hospitais na noite fria, bem como o tempo de espera para fazer o teste à Covid, não podem ser esquecidos pelas vítimas que sobreviveram, nem pelos outros, qualquer um de nós, que podem ter de passar pelo mesmo.

Em memória dos mais de oito mil mortos, não pode ficar pedra sobre pedra sobre a desgraçada gestão do país e da pandemia.

Se Marcelo Rebelo de Sousa é a resignação, e mais do mesmo, Ana Gomes e Tiago Mayan Gonçalves representam caminhos alternativos, à Esquerda e à Direita, sem aventuras nem extremismos.

Os que não tinham escolha podem finalmente abrir a janela para um futuro melhor e mais justo.

Eu voto na mudança.             

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

SETE CANDIDATOS E A SOMBRA


A eleição do próximo presidente da República deixou de estar confinada aos debates televisivos.

E, no arranque da campanha eleitoral, os portugueses não têm estado a ganhar, pois a táctica tem imperado sobre a substância.

Os candidatos têm virado a cara às dificuldades do dia-a-dia, optando por polémicas importantes mas que não dizem muito a quem não tem trabalho, viu reduzido o rendimento e desespera com a falta de cuidados de saúde.

E têm mantido uma estranha prudência em avaliar a gestão errática da pandemia que vai atirar os portugueses para um novo e brutal confinamento geral, o qual acaba por condicionar ainda mais o próximo acto eleitoral.

Os candidatos da Esquerda estão mais concentrados em eleger André Ventura como "alvo", dando-lhe espaço para consolidar um argumentário que toca fundo nos mais desfavorecidos.

E se é verdade que, ao inflacionar o líder do Chega, é Marcelo quem mais pode perder na mercearia eleitoral – como se já não lhe bastasse a ameaça de Tiago Mayan Gonçalves –, não é menos verdade que tem faltado a exigência e a vontade de distanciamento da governação.

O resultado está à vista: ganha o discurso da "bolha" que afasta os eleitores.

Ana Gomes tem revelado garra, continua a apostar na frente ideológica e hesita na descolagem do governo para não hipotecar os votos dos socialistas.

André Ventura é a "estrela" improvável.

João Ferreira é menos do mesmo dos comunistas.

Marcelo Rebelo de Sousa está gasto e desorientado, como comprovam as fúrias quando foi confrontado com as suas manipulações e contradições dos últimos cinco anos.

Maria Matias é a desilusão.

Tiago Mayan Gonçalves é a grande surpresa, sem medo da ruptura e das palavras, sem se deixar condicionar pelas críticas em forma de "papão".

Vitorino Silva tem sido a ilusão, com uma mensagem popular, inteligente e até poética, obrigando o país a pensar.

A pré-campanha realizada nas televisões não foi o passeio aclamatório.

E a incerteza até já levou a ponderar uma bizarra solução de última hora como o adiamento das presidenciais a duas semanas do acto eleitoral.

A pandemia e a crise económica não têm sido suficientes para os candidatos irem a jogo sem cartas na manga, chegando mesmo a desvalorizar a polémica sobre os votos dos emigrantes e dos mais idosos nos lares.

Têm faltado transparência e rigor em relação ao que cada um se propõe fazer em Belém para melhorar a vida de dos portugueses.

E tantos indecisos que continuam por convencer.

É com mais intervenção e escrutínio do governo que o presidente da República pode garantir a resolução dos problemas do país? 

A resposta tarda. 

Porque os sete candidatos tinham de desfazer amarras e correr riscos.

Assim, fica apenas o esvaziamento da função presidencial, com o debate limitado quase e só a tiradas grandiloquentes.

Para já, com os candidatos a partirem para a luta sem rua, há apenas uma certeza: a palavra e a acção presidenciais ficam fragilizadas com uma taxa de 60 a 70% de abstenção, ganhe quem ganhar.

Entretanto, na sombra, o oitavo "candidato" – não o fantasma dos boletins mas o de carne e osso –, assiste à corrida presidencial do lado de fora, por enquanto em silêncio, provavelmente com um sorriso tapado pela máscara.

A "vitória" de António Costa no dia 24 de Janeiro seria um desastre para Portugal.