quarta-feira, 26 de novembro de 2014

DEPOIS DA "OPERAÇÃO MARQUÊS", VENHA A OPERAÇÃO "REI"



Alguém pode acreditar que José Sócrates tenha dado origem a um tão grave leque de indícios, que o levaram à prisão preventiva, contando apenas com um amigo de infância, um advogado e um motorista?

Não!

Presumivelmente, só uma teia de silêncios e cumplicidades complexas e profundas o pode justificar.

A história ainda vai no adro. Aliás, não é por acaso, certamente, que os sinais de politização têm sido crescentes e a expectativa de outros desenvolvimentos é galopante.

A investigação está perante um repto muito maior do que lidar com um processo que envolve um ex-primeiro-ministro.

O grande desafio é investigar tudo e até ao fundo, sejam quais forem os negócios – públicos, privados ou de Estado – e os intervenientes directos e indirectos – do mais anónimo cidadão aos candidatos a donos disto tudo e aos mais velhos senadores e altos dignitários nacionais e estrangeiros.

E, por maior que seja a campanha e as cortinas de fumo, os dois magistrados têm de estar à altura da missão, do estatuto e dos poderes excepcionais que o regime democrático lhes conferiu.

Carlos Alexandre e Rosário Teixeira não têm que ser heróis, só têm de fazer o seu trabalho, com serenidade e competência, que ainda tem de enfrentar cada uma das defesas dos arguidos e ainda o escrutínio da comunicação social.

Até ao momento, o processo que levou o ex-primeiro-ministro socialista à prisão tem sido exemplar, porque não há a mínima evidência de que tenham sido atropelados quaisquer direitos, liberdades e garantias.

Nada pode travar a investigação que, aliás, contou com a validação expressa e pública de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, e de Amadeu Guerra, director do DCIAP.

Nem mesmo a ladainha precipitada da violação do segredo de justiça pode comprometer o essencial.

As imagens de um carro a passar em alta velocidade por uma câmara de televisão, após a detenção de José Sócrates, enfureceram os mesmos do costume que, sem qualquer fundamento, logo vociferaram contra a alegada cumplicidade entres magistrados e jornalistas, esquecendo que qualquer profissional, com uns anos de experiência, depois da prisão de Carlos Manuel Santos Silva na véspera, não teria necessidade de qualquer informação privilegiada para, de imediato, montar arrais no aeroporto e no Campus da Justiça.

De igual modo, a arrebatada acusação de detenção ilegal do ex-primeiro-ministro roça o despautério, sobretudo por ter partido imediatamente de dirigentes da Ordem dos Advogados.

Mas ainda faltava o coro da alegada mediatização. E, pasme-se, até se chegou à ausência de fundamentação do despacho de Carlos Alexandre e ao fantasma da "República dos Juízes".

É de bradar aos céus.

Até parece que ainda há quem não goste de tribunais com paredes de vidro. Nem de escutas e vigilâncias legais e validadas por um juiz. Nem tão-pouco de buscas realizadas com a presença do próprio suspeito, à luz do dia, em que todos sabem a que horas começa, quem está presente e quando termina.

A defesa intransigente dos direitos dos cidadãos não se faz assim, isto só pode ser outra coisa.

Já não é possível continuar a reduzir os procedimentos judiciais a um mero formalismo secreto, quiçá obrigado a visto prévio de outros pares ou ainda a métodos pidescos para acautelar titulares de altos cargos públicos.

O país seguiu as notícias, atentamente, mas, no dia a seguir à confirmação da prisão preventiva de José Sócrates, continuou a sua vida com toda a normalidade.

Não há qualquer abalo. E o regime não está nada em causa.

Depois da "Operação Marquês", venha a "Operação Rei".

Os portugueses estão mais do que preparados.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

José Sócrates sem chá e scones



A reacção de uma certa imprensa e de alguns comentadores à detenção de José Sócrates foi e continua a ser espantosa.

Mas vamos por partes.

Em abono da verdade é preciso não confundir a árvore com a floresta. Goste-se ou não do estilo e da forma, honra seja feita a alguns órgãos de comunicação social que nunca deixaram de fazer o seu trabalho de escrutínio em relação a José Sócrates, antes e depois de sair do poder, entre os quais é de destacar, em primeiro lugar, o Correio da Manhã.

Entre os comentadores e opinion makers a questão é ainda mais gritante. Entre a ignorância, o cinismo e o dislate há opiniões para todos os gostos, até há também o rigor e o distanciamento necessários no momento em que é imperioso distinguir o que está no processo e o que faz parte, e muito bem, da investigação jornalística, que se pretende livre, independente e rigorosa.

Talvez pela sua notoriedade, e até pela sua persistente denúncia da corrupção, o último artigo de opinião de António Marinho e Pinto é uma enorme desilusão.

Como é possível, nesta altura, ao jornalista, ao advogado, ao deputado europeu, ao líder partidário falar em vingança?  O que sabe para poder fazer uma afirmação de tal gravidade ainda antes do ex-primeiro-ministro ter terminado de prestar declarações? Será que tem alguma relação privilegiada com algum dos intervenientes processuais?

Mas ainda mais espantoso é a súbita fúria contra Carlos Alexandre, magistrado que lidera o Tribunal Central de Investigação Criminal, conhecido por “Ticão”, e Rosário Teixeira, procurador do DCIAP. Quase não dá para a acreditar, sobretudo quando ela parte das prosas daqueles que nunca lhes pouparam severas críticas pelas dúvidas, morosidade e fracos resultados, leia-se prisões, em relação a outros processos e personalidades de vulto.

Toda a opinião é bem-vinda ao debate público, mas só falta alguma pena mais caprichosa vir a terreiro insurgir-se pelo ex-primeiro-ministro não ter sido detido com chá e scones na passada noite invernosa de sexta-feira, 21 de Novembro, à saída do avião que o trouxe de Paris.

A detenção de José Sócrates virou o país ao contrário. E ainda bem. É preciso fazer sair os coelhos da toca, nomeadamente aqueles que criticam a impunidade reinante no país e na classe política e a seguir confundem os portugueses com opíparos pratos de insultos aos magistrados por aplicarem a Justiça, ainda mesmo na sua fase inicial.

Aqueles que gritam aos sete ventos que somos governados por corruptos e depois criticam a investigação criminal quando toca no poder até podem fazer enormes audiências e vender muitos jornais, mas acabam por se descredibilizar a si próprios e por introduzir um perigoso ruído na sociedade.

A esquizofrenia que por aí vai não terá a mínima de influência sobre Carlos Alexandre e Rosário Teixeira, felizmente habituados a estas andanças, pelo que se desenganem se julgam que conseguem intimidar quem já deu bastas provas de competência, isenção e firmeza.

O país deu mais um passo em frente com a "Operação Marquês", porque a Justiça está a ser feita, sem um único sinal evidente de abuso, ilegalidade, falta de proporcionalidade ou desrespeito pelos direitos de defesa dos arguidos.


A Procuradoria-Geral da República não pode vacilar. Joana Marques Vidal não pode falhar. É preciso que continue a apostar na libertação da informação possível e em tempo útil para que o país esteja preparado para receber a decisão do juiz Carlos Alexandre, sejam os arguidos presos preventivamente, fiquem em prisão domiciliária, saiam sob caução ou sejam colocados em liberdade.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

CORRUPÇÃO E SECRETAS: O LABIRINTO DO PRAGMATISMO


Após a entrada da Guiné Equatorial na CPLP e do estoiro do BES que feriu de morte a Portugal Telecom, o país foi sobressaltado pelas declarações de Martins da Cruz e Henrique Granadeiro: nos negócios e na política não há estados de alma.

Vale a pena reflectir sobre se estamos perante casos isolados ou dois exemplos proeminentes de uma casta pululante, alimentada pela espuma da ordem económica e financeira cada vez mais selvagem e global, mantida à custa da opacidade e confidencialidade sem limites e justificada por um qualquer interesse empresarial ou estratégico.

A "Operação Labirinto" é um excelente ponto de partida para deslindar esta dúvida, pois envolve, por um lado, o Estado, a Justiça e a Segurança, e, por outro, a governação, as polícias, os serviços de informações, os negócios e o dinheiro.

Para já, os dados públicos podem ser resumidos ao seguinte: altos funcionários do Estado português são suspeitos de vender soberania, com base numa teia complexa de influências e cumplicidades, a troco de comissões, com a ajuda das secretas, e sabe Deus que outros mais altos fretes prestados a terceiros.

Face a estes indícios, nada atrapalha os homens e as mulheres do sistema que, de imediato, avançaram com a ladainha de sempre: não está em causa o programa dos "Vistos Gold", mas sim a sua aplicação.

Eles nunca vacilam, nem mesmo quando batemos no fundo, indiferentes à percepção generalizada que o Estado está minado por uma corrupção subterrânea que é amparada pelos mais sensíveis serviços do Estado que estão em roda livre há demasiado tempo.

Nada os coíbe de tentar manter as aparências, através da estafada declaração que o Estado de Direito está a funcionar, quiçá recorrendo a todos os meios para subtilmente perseguir, silenciar, manipular e influenciar quem ousa denunciar métodos e crimes típicos dos totalitarismos mais desbragados.

Não basta tentar escamotear o monumental falhanço do programa, através da exibição do montante do encaixe alegadamente realizado, seja qual for o argumento de natureza económica e financeira ou de Estado.

É certo que os exemplos em que corrupção e as secretas andam lado a lado, com mais ou menos acção ou omissão, não são exclusivos de Portugal.

Basta recordar a ascensão de responsáveis dos serviços de informações aos mais altos lugares da governação por esse mundo fora para ter a ideia de uma certa forma de fazer política.

Não há sound bite que o possa disfarçar: o pragmatismo puro e duro é, de facto, incompatível com os estados de alma.

O poder tem sido assaltado por este utilitarismo desenfreado, seja por convicção, sobrevivência ou eleitoralismo, contando com fiéis suficientemente servis para cumprir ordens e nunca hesitar em aplicá-las, nem mesmo quando está em causa a credibilidade das instituições e o futuro do regime democrático.

Eles aí estão, da direita à esquerda, em todo o esplendor, à vista dos cidadãos ou face a um qualquer parlamento, confortados pelo voto popular ou por qualquer outra legitimação, sustentados por uma legislação que facilita os desvios e, nalguns casos, até permite acobertar os criminosos, apadrinhados pelos poderes não eleitos, exultantes com os fluxos de dólares e euros de origem duvidosa e sempre disponíveis para menosprezar os indícios de corrupção, opacidade, secretismo e abuso de poder.

Entretanto, multiplicam-se os discursos pomposos, sem que haja qualquer vontade política real para mudar o que quer que seja, até ao próximo escândalo, qual Babilónia perdida no emaranhado de caminhos que não levam a lado nenhum.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

"Podemos" mas só com olhos bem abertos


Grassa a indignação com o clientelismo que gira à volta do Estado e dos partidos políticos, mas é preciso reafirmar que ele não é um atributo exclusivo da esfera governativa, política, administrativa, judicial e pública, muito pelo contrário, é uma realidade que perpassa por todos os outros sectores privados.

A mordaça que nos tem transformado em NIB's obrigados e venerandos tem aberto um enorme pasto para todos aqueles que, tão cândida como hipocritamente, continuam a tentar branquear o lamaçal que se instalou entre o Estado, os corredores do poder político e os principais agentes económicos e financeiros.

O paradigma instalado é infernal: quem critica a direita é de esquerda e vice-versa; quem zurze na cor do poder é da oposição; quem critica os partidos políticos é populista; quem está farto de ser esbulhado por um Estado com laivos mafiosos, então é um liberal malvado e insensível; quem está farto de ser explorado por empresários, com mais ou menos escrúpulos, só poder ser um perigoso revolucionário; em síntese, quem tenta romper este manto de clientelismo arrisca ser escorraçado e vilipendiado.

Os investigadores das ciências sociais já reflectiram sobre o verdadeiro fermento da pequena e da grande corrupção. E os diversos organismos nacionais e internacionais também já multiplicaram estudos, barómetros e rankings sobre as consequências devastadores para a economia dos cidadãos, das empresas e dos Estados.

Nada tem sido suficiente para despertar as consciências e mobilizar os cidadãos contra esta praga, da qual a sociedade não se consegue livrar.

Os portugueses merecem os políticos que têm, o Estado que lhes cobra o dinheiro dos impostos e ainda os abandona e maltrata e também a espécie de liberdade formal que lhes permite viver a vidinha e aconchegar a resignação.

As fortunas censuráveis, por enquanto, continuam a ser apenas aquelas que estão ligadas aos tráficos de droga e seres humanos. As outras, aquelas que a economia global também acalenta, certamente mais adequadas ao colarinho branco do trois pièces, que geram também fabulosas comissões, sempre acobertadas por uma qualquer offshore, ainda são toleradas pela sociedade, numa espécie de masoquismo indulgente em relação a verdadeiros meliantes, quiçá por também criarem postos de trabalho.

Basta dar uma olhadela para algumas indústrias e sectores, da banca ao mercado de capitais, do armamento à farmacêutica, da aeronáutica ao imobiliário, do petróleo aos diamantes para perceber que estamos rodeados de gangsters com semblante polido e verniz modernaço, sempre protegidos e com direito de antena, dos grandes fóruns aos Media, sempre em nome de um qualquer interesse nacional.

Já bem cientes que a grande diferença entre a direita e a esquerda se resume à retórica, os portugueses tardam em interiorizar as consequências das únicas ideologias que ainda resistem: o esverdeado do dólar e o azulado do euro.

Como em Espanha, nós também "Podemos", mas só com olhos bem abertos, sem nunca esquecer Blair e Obama, porque sabemos bem como acabaram as suas promessas de mudança.

Mesmo em Portugal, em que o Estado está há muito tempo capturado por interesses dominantes, a mudança é possível, é sempre possível, nem que seja através da escolha de uma nova ilusão que, afinal, poderá ser apenas e tão-somente, mais uma vez, aquilo que nos parece o mal menor.

E se assim for, então será um novo passo em frente.


domingo, 12 de outubro de 2014

Portugal Telecom: o polvo e a lula


Henrique Granadeiro e Zeinal Bava são os rostos visíveis do desastre na Portugal Telecom. Porém, muitos outros, que continuam a ser poupados por uma fortíssima cortina mediática, têm tantas ou mais responsabilidades na devastação de uma das melhores empresas portuguesas.

Com mais ou menos indícios de pressões, jogadas, golpadas, comissões e mensalões, os socialistas não podem tentar fugir à enorme responsabilidade no que se passou e, por consequência, está a passar na PT, pois a decisão política andou lado a lado com a decisão empresarial, tudo embrulhado numa internacionalização com contornos ainda por explicar.

Uma rápida consulta aos momentos decisivos da vida da PT não deixam quaisquer dúvidas sobre as pesadas responsabilidades dos socialistas que ocuparam o poder nos últimos 19 anos, nomeadamente nos governos de António Guterres e José Sócrates:

1995: Primeira fase da privatização;
1996: Segunda fase da privatização;
1998: PT adquire a Telesp Celular, em conjunto com a espanhola Telefónica, o primeiro passo para a constituição, cinco anos depois, da Vivo;
2006: Sonaecom lança uma oferta pública de aquisição hostil sobre a PT; 2007: Cai a OPA lançada por Belmiro de Azevedo e Paulo Azevedo;
2010: Telefónica oferece 5,7 mil milhões de euros pelos 50% que a PT detém na Vivo; accionistas (74%) aceitam a oferta, mas o Estado usa a golden share para vetar o negócio; a PT anuncia a venda da Vivo à Telefónica e a entrada no capital da brasileira Oi.

Não deixa de ser caricato mas significativo de uma certa forma de fazer política que alguns dos velhos rostos do PS tenham o topete político, agora, de apontar o dedo acusatório em direcção ao actual governo, tentando transferir culpas próprias que, possivelmente, um dia poderão ser apuradas, como, aliás, já pediu Belmiro de Azevedo.

Mais do que o exemplo em si, pois é preciso não esquecer o que se passou no BCP, entre outros escândalos financeiros, a estratégia de dissimulação descarada dos socialistas parece não ter limites, apostando na falta de memória dos portugueses e numa imprensa cada vez mais débil e instável nos momentos mais importantes do país.

Face a este cenário, que só não vê quem não quer ou não pode, é importante sublinhar que o governo de Passos Coelho e Portas apenas esteve presente num momento decisivo da vida da PT, em 2011, quando o Estado português, por imposição de Bruxelas, deixou de ter acções com direitos preferenciais.

Valeu tudo na PT. Aliás, só quem sofre de uma amnésia selectiva é que pode esquecer que uma parte da família socialista que esteve no poder, sempre benzida pelo Espírito Santo e continuamente on going, apareceu envolvida no caso bafiento da tentativa de assalto, em 2009, à TVI.

O guião deste capítulo das relações entre a política e os negócios não pode acabar assim, com a singela queda de um par de anjos; não, os portugueses merecem mais, valem a tentativa de apanhar, em primeiro plano, cada um dos oito braços do polvo escorregadio e da lula ziguezagueante.

Os portugueses até podem esquecer, mas os pequenos accionistas e os trabalhadores da empresa de telecomunicações certamente não se esquecerão de quem os enganou, colocou os seus postos de trabalho em risco e até contribuiu para o roubo das poupanças de uma vida de trabalho.

Quanto à imprensa, pode ser que ainda consiga levantar a cabeça, abrir os olhos, investigar e dizer a verdade sobre as cenas do filme da PT, de forma a ainda tentar salvar o mínimo de credibilidade. 

domingo, 5 de outubro de 2014

Hong Kong: repetir Tiananmen 25 anos depois?


Ao longo da noite de 3 para 4 de Junho de 1989, os tanques do Exército Popular da Libertação entraram nas ruas de Pequim para esmagar brutalmente a liberdade, retirar à lei da bala os milhares de manifestantes que ocupavam a praça Tiananmen e impor o Estado de excepção.

Hoje, à luz do que está a acontecer em Hong Kong, e face ao ultimato de Leung Chun-ying, líder do Governo, que fixou a data de 6 de Outubro para acabar com os actuais protestos, a pergunta é inevitável: mais de 25 anos depois é possível repetir o massacre de Tiananmen?

A hipótese de uma resposta positiva ser plausível e credível, agora ou no futuro próximo, é revelador da actual ordem mundial.

As imagens que correram o mundo na madrugada do dia 4 de Junho de 1989, com soldados chineses a abrir caminho em direção à "Praça da Paz Celestial" com tanques e disparos, provocando a morte de centenas de pessoas, marcaram a memória de várias gerações, mas podem não ter sido suficientes para evitar a sua repetição, pois logo o pragmatismo imposto pelos Estados e pela alta finança se vergaram aos interesses da China.

Hoje, à luz do que se está a passar em vários bairros de Hong Kong, designadamente em "Admiralty", o centro financeiro do território e onde está a sede do governo, onde se grita «Paz. Não à violência», os milhares de manifestantes estão à mercê de mais uma iminente repressão brutal, com consequências imprevisíveis, porque cada um deles sabe que a resposta internacional não passará de uma mera condenação retórica e inconsequente.

Tal como em Tiananmen, com o Movimento Pró-Democracia de 1989, hoje, os manifestantes de Hong Kong voltam a clamar por mais transparência e por mais combate contra a corrupção.

No dia em que Portugal comemora o 5 de Outubro, a realidade do que se passa do outro lado do mundo – com Macau a continuar a dar provas de inexistência cívica –, ganha uma expressão ainda maior, tendo em conta o silêncio indigno da nossa diplomacia, quiçá justificado pela crescente presença dos interesses financeiros chineses em Portugal.

Quem permite o branqueamento do passado, verga em relação ao dinheiro manchado pelo sangue e não tem respeito pela História, então tem razão para temer o futuro, seja qual for a sua condição e os seus representantes políticos.

Em 1997, a transição do poder em Hong Kong – mesmo ali ao lado de Macau, sempre submisso e sereno em troca de mais umas patacas – ficou marcada pela manifestação de milhares de habitantes de Hong Kong que abraçaram, literalmente, a sua Assembleia Legislativa, perante a ameaça da ocupação das tropas chinesas.

Quem assistiu in loco a esse momento histórico de cidadania e consciência colectiva ímpares não pode ficar indiferente aos acontecimentos que estão a suceder mesmo em frente dos olhos de todos os cidadãos do  mundo, que podem seguir em tempo real a todos os desenvolvimentos.

Decorrido um quarto de século, os vectores civilizacionais não foram suficientemente consolidados para afastar a possibilidade de uma nova vaga de assassinatos de civis indefesos.

Porém, o Estado, seja ele qual for, ainda não pode clamar vitória sobre o esmagamento das liberdades individuais. Nem em Hong Kong, nem em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo.


A magnífica iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que colocou o país e as elites a discutir a Liberdade, é a melhor prova de que muito ainda há para fazer também por cá, pois a nossa Democracia não pode continuar refém dos seus fundadores nem depende de um salvador mais ou menos aclamado.

sábado, 20 de setembro de 2014

PS: a escolha decisiva


Uma certa classe política vive momentos de incerteza e até desespero. De facto, aqueles que têm perpetuado o actual sistema caduco e corrupto bem podem temer o que está para vir, mais tarde ou mais cedo.

É que Portugal está a começar a dar sinais de mudança. Porventura, não está a mudar ao ritmo indispensável, mas está a começar a mudar a diversos níveis, nomeadamente na esfera partidária.

A crise interna no PS vai dar lugar a uma escolha decisiva que vai permitir verificar se os militantes e simpatizantes socialistas estão preparados para abraçar a mudança, ou ainda melhor, as primárias para a escolha do líder do PS vão permitir responder a uma questão da maior relevância: a esquerda está preparada para optar por uma nova forma de fazer política e de exercer o poder?

A corrida eleitoral desencadeada pelo «imperativo de consciência» de António Costa, que não cabe a ninguém julgar porque se presume virtuoso, teve, tem e terá consequências políticas, partidárias e institucionais que devem ser ponderadas e avaliadas.

Por um lado, é óbvio que a decisão de Costa constituiu um enorme frete político à actual maioria, quiçá para pagar o "brinde" do Governo, após o acordo em relação aos terrenos do aeroporto e da Parque Expo, que lhe permitiu reduzir em mais de 40% a dívida bancária da Câmara Municipal de Lisboa;

Por outro lado, a abertura inédita das hostilidades em relação a um secretário-geral em funções, antes de se sujeitar a eleições legislativas, dividiu os socialistas, mas a verdade é que também permitiu que o melhor de uma parte do PS pudesse emergir, respeitando a tradição de um dos partidos fundadores da Democracia.

E o melhor do PS só pode ser regressar à linha da frente do combate contra a corrupção, o nepotismo, o tráfico de influências, a desigualdade, o arbítrio, a opacidade, o clientelismo, ou seja, estar na primeira fila da luta pela mudança.

A disputa no PS é um dos primeiros momentos em que esta batalha vai ser claramente colocada a votos, em que de um lado está a coragem de quem reconheceu que o actual sistema político está falido e quer aperfeiçoar a Democracia, enquanto do outro está a arrogância dos velhos rostos do passado e a defesa da manutenção do status quo pelas razões mais oportunistas e venais.

Neste combate político entre António José Seguro e António Costa qualquer análise descomprometida só pode concluir que o actual líder do PS tem protagonizado a defesa intransigente da mudança nos últimos três anos, não só com palavras, mas com acções e atitudes políticas consistentes.

Embora ambos sejam caracterizados como homens do "aparelho", a verdade é que é preciso distinguir entre os pequenos caciques e os grandes interesses que capturaram os partidos. E, neste caso, também ninguém tem dúvidas relativamente a quem tem afrontado os grandes interesses que têm o PS aferrolhado há demasiado tempo.

Seguro tem dado provas que percebeu a nova realidade social e política que despontou depois da troika varrer Portugal. E também enxergou que um certo estilo de fazer política e de exercer o poder, que colam na perfeição a José Sócrates e António Costa, tem os dias contados, tanto mais que já levou o país ao colapso, em 2011.

Com o surgimento de novos partidos, cujo discurso agrada ao centro, sobretudo aos descontentes da esquerda, ou o PS muda já ou corre o risco de ficar reduzido à mínima expressão.

Que não haja dúvidas: ou o PS aproveita as eleições de 28 de Setembro para mudar de vida, ou ainda vai acabar refém de um pequeno partido para poder regressar rapidamente ao poder.












terça-feira, 12 de agosto de 2014

Ricardo Salgado: com carinho e até saudade


Entre a admiração, a bajulação, a inveja, a crítica e o ódio, afinal, todos convivemos, cada um à sua maneira, com Ricardo Salgado. E, quiçá, até pactuámos com ele, enquanto teve dinheiro para emprestar ao país, alimentando loucuras políticas, e até para nos conceder o crédito para comprar o carro, a casinha e o aparelho de televisão. Afinal, resultado de uma dinastia de banqueiros, desde a instalação da “Caza de Cambio”, em 1869, na Calçada do Combro, em Lisboa, o BES fazia parte do way of life português, sustentado por três pilares das relações entre os privados e o Estado: promiscuidade, oportunismo e vigarice.

Não é por acaso, certamente, que mantemos uma certa indiferença em relação ao ruir do império da família Espírito Santo, mesmo à frente dos nossos olhos, porque sempre soubemos que contemporizámos com um status quo podre em troca de algumas migalhas para sobreviver. É como se fizesse parte do nosso ADN.

Na vertigem da crise permanente, mais ou menos atenuada com o dinheirinho que vamos sacando daqui e dali, o nosso inconsciente colectivo acabou por considerar normal o fim de mais uma ficção laboriosamente consentida nos últimos anos.

É verdade que alguns ainda se indignam e protestam com o caso BES/GES, mas estamos ainda muito longe da exigência colectiva firme, não obstante tanta sabujice verificada pelos recentes casos no BCP, BPP e BPN.

Não, não é tolerância em relação aos erros dos outros, nem tão-pouco o espírito latino ou a caridade cristã, é muito mais. Afinal, ainda mantemos um certo carinho e até alguma saudade do que Ricardo Salgado sempre representou.

Com a vozearia instalada sobre a fraude, em contraponto com o silêncio hipócrita sobre a revogação da garantia do Estado angolano em relação ao BESA, será muito mais fácil escamotear que o escândalo financeiro protagonizado por Ricardo Salgado, entre muitos outros ainda na sombra, resulta da tradicional atitude de conivência que atravessa transversalmente o país.

Nem mesmo a descrença na acção da justiça, quando estão em causa os mais ricos, poderosos e influentes, parece perturbar os portugueses e até sobressaltar os titulares dos órgãos de soberania, alguns dos quais se deixaram enredar, mais uma vez, em criativos jogos de bastidores.

Cercados pelo pântano do tráfico de influências, que continuamos a alimentar e tolerar, é até com alguma bonomia que assistimos às notícias que vão sendo dadas por os mesmos que aplaudiram de pé e com entusiasmo a última operação de aumento de capital liderada por Ricardo Salgado, recorde-se, efectuada em Junho de 2014.

Depois de passear durante anos e anos pelos salões do poder e alguns seminários da treta, com mais ou menos punho de renda, colarinho branco e idiotas úteis, o maior "vilão" da actualidade caiu nas mãos dos fariseus. E, para já, tem sido fartar vilanagem, como se de um julgamento sumário se tratasse, pelo que vai ser interessante dar tempo ao tempo.

Infelizmente, o caso BES/GES, tal como os anteriores escândalos financeiros, não passará para alguns de mais um mero acidente de percurso, não obstante as suas consequências resultarem num inevitável empobrecimento dos portugueses.

Neste caldo azedo, em que não há inocentes, Pedro Passos Coelho intuiu que deveria ficar à margem do problema e da solução, deixando a batata quente para os reguladores, tanto mais que a ordem para liquidar o BES veio de Frankfurt, na Alemanha, com o Banco Central Europeu a fechar a torneira.

E é isso, precisamente, que é ainda mais aterrador. 

sábado, 31 de maio de 2014

PS: o virar de página histórico

  
Face à tentativa de crucificação de António José Seguro por causa do seu estilo, sim, estilo, há falta de outras razões substantivas, qualquer observador informado, num primeiro momento, fica boquiaberto; e, depois, só pode rir.

As declarações patrióticas fazem sempre parte deste tipo de encenação, cujos argumentos confessados apenas servem para camuflar os motivos inconfessáveis. 

Mário Soares, que ficou na história por ter metido o socialismo na gaveta quando governou, quer de volta o «querido PS, do punho erguido à esquerda e dos socialistas que não têm medo de ser tratados por camaradas». 

O aplauso é estimulado, sempre com um barão disponível à mão de semear. Afinal, parece não haver tempo para pensar. E lá continuamos na mesma: o que é preciso é animar a malta...

Com palco, espectadores e até intermediários garantidos, ávidos por papar mais uma qualquer baixeza, ganhou terreno a mais antiga forma de manipulação da opinião pública: para esconder o essencial, basta fomentar a confusão sobre o acessório. 

O essencial é que os portugueses ainda não esqueceram o mal que o PS lhes fez, estão fartos da política decidida nos bastidores e ratificada em congressos para as televisões, já não suportam a actual maioria e começam a duvidar da União Europeia, como atesta a censura generalizada ao regime e aos partidos do arco da (des)governação: 65% da população nem sequer foi votar e 7% foram às urnas para votar nulo ou em branco.

Uma das facções do PS, sedenta de voltar ao poder, custe o que custar, depois de aclamar a maior derrota de sempre da direita, abriu a polémica sobre o acessório, ou seja, criou um bode expiatório para tentar recuperar o poder: na impossibilidade de criticar directamente quem votou com memória, passou à paradoxal culpabilização de António José Seguro por não ter conseguido uma vitória ainda mais expressiva.

A elite que recusa a evidência financeira do país, a mesma que com esta manobra desesperada já nem disfarça a arrogância, tenta assim reforçar a tese que visa continuar a diabolizar o Executivo por não ter resolvido, em três anos, a catastrófica situação que lhe legou.

De golpe em golpe, somos levados facilmente a esquecer o essencial: continuamos falidos, sem noção exacta do momento que colectivamente vivemos e numa democracia formal em que não há participação dos cidadãos.

António José Seguro deu uma resposta à altura, ao virar a página com mais democracia, mais participação e mais um passo na reforma do sistema político, resistindo assim à hostilidade miserável de uma parte dos Media e retirando o tapete a quem, estando a fazer um frete ao Governo, lançou o PS numa aventura com consequências ainda imprevisíveis.

Não podemos ficar à mercê da feira de vaidades, dos barões do costume e de uma qualquer vitória palaciana, essa sim, de Pirro, obtida a qualquer preço.

No desafio feito ao secretário-geral do PS, o que está em causa não é, seguramente, uma questão política, mas sim um vil golpe calculado e premeditado que apenas visa recuperar a sobrevivência de quem afundou o país e nunca teve a dignidade política de assumir os erros.

Independentemente das intenções, que se presumem sempre as melhores, a verdade é que o oportunismo não deixa margem para quaisquer dúvidas. Não basta ganhar a qualquer preço. E, seguramente, não basta recolher os lucros de deitar lenha para a fogueira. 

É que qualquer dia acordamos, do lado dos vencedores ou dos perdedores, sem alma, sem convicções, sem sonhos e, sobretudo, sem país.

sábado, 17 de maio de 2014

Passos Coelho e Portas: agora é a sério



O fim do programa de ajustamento foi um feito, desde logo por ter sido cumprido com paz social.

Por ressabiamento ou qualquer outro tipo de venalidade, nenhuma vozearia o conseguiu impedir, nem mesmo depois de tentar demagogicamente tirar partido da violência dos sacrifícios impostos.

Portugal encerrou mais um capítulo triste da sua vida colectiva, o terceiro em 40 anos de democracia, sempre pela mão do PS, que nos conduziu à perda de soberania e ao abismo.

Também é, por isso, uma lição para todos os que sucumbiram às promessas de facilidade, optaram pela ilusão do facilitismo e toleraram a corrupção que assaltou o Estado.

Com a saída formal da Troika, apesar da acção política irresponsável de uma certa ala do PS, os dois líderes da maioria ganharam, mas ainda não podem cantar vitória.

O país carece de uma verdadeira mudança, desde logo em relação ao Estado tentacular, ao desperdício impune e aos fumos de corrupção que continuam a pairar sobre os negócios de Estado.

A recuperação da soberania não é um feito por si só, desde logo porque o programa de ajustamento foi uma oportunidade perdida para lutar contra corrupção, como assinalou a Associação Cívica Transparência e Integridade.

É preciso muito mais do que equilibrar as contas públicas até ao final do mandato, em 2015, ainda que a redução do défice público tenha sido a prioridade das prioridades por razões tão óbvias que qualquer pessoa racional e de boa fé as entende.

O XIX governo constitucional tem de merecer os impostos brutais que exigiu aos portugueses, pelo que tem de passar a ser escrutinado de uma forma rigorosa, pois acabou o tempo das desculpas com o passado, da excepcionalidade e das limitações impostas pelos credores estrangeiros.

As taxas de juro desceram a um nível surpreendente e o diagnóstico está feito e refeito. Ultrapassada a situação de emergência, só falta coragem para fazer o que tem de ser feito.

A partir de agora, o país tem concentrar os seus escassos recursos no crescimento económico e na consolidação de um Estado Social que proteja, efectivamente, os mais pobres.

Não é possível pedir mais a quem trabalha e a quem vive de uma reforma obtida ao fim de uma vida de trabalho.

Por mais manipulação e demagogia, seja através dos instrumentos do Estado ou de órgãos de comunicação social controlados por clientelas e sabe Deus por quem mais, por mais táctica e estratégia, com recurso aos lobistas do costume ou aos aparelhos partidários, chegou a hora de poupar no desperdício impune, tantas e tantas vezes maquinado através de cumplicidades espúrias.

Para não serem confundidos com outros, que sempre tiveram o povo na boca e os negócios no bolso, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas têm de aproveitar o ténue clima de esperança para governar para todos os portugueses em vez de continuar a permitir que uma gigantesca nebulosa continue a sustentar, à custa dos contribuintes, os grandes barões da política e dos negócios.

Nestes momentos, seja qual for a área de responsabilidade ou de actividade, não pode haver hesitações: ou se envereda pelo respeito da transparência e solidariedade, ou se fica do lado da subserviência e do oportunismo.

Se o dia 17 de Maio marca o enterro político de José Sócrates e de uma certa esquerda desacreditada, hoje também é o primeiro dia de um árduo caminho que vai determinar se Pedro Passos Coelho e Paulo Portas conseguirão escapar ao pequeno pé de página repleto de tantos e tantos que falharam estrondosamente. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

PORTUGAL É ASSIM: 40 ANOS DEPOIS DO 25 DE ABRIL


O dia da Liberdade aconteceu, mas a farsa continua a vencer à custa da ignorância e da miséria de um povo que, efectivamente, ainda não despertou para a realidade.

Garcia dos Santos, um dos capitães de Abril, talvez tenha razão quando afirmou que serão precisas três gerações para se chegar a uma classe política competente, numa espécie de admirável mea culpa, tendo em conta a sua passagem pela antiga Junta Autónoma das Estradas no consulado de João Cravinho na pasta das Obras Públicas.

Lembram-se?

Do maior escândalo de corrupção e financiamento partidário que tudo o vento levou a partir do momento em que caiu nas mãos da justiça?

Continuamos disponíveis para elogiar o que de bom foi feito e abafar tudo de mal que continuamos a ter, como se a criminosa corrupção fosse um mal menor, uma espécie de "lubrificante" da economia, como alguns chegam a pensar em privado, numa espécie de adaptação sui generis da lei de Lavoisier às ciências económicas.

Este deslumbramento mesquinho e provinciano, quiçá instrumental, diz muito do que ainda somos, cidadãos de nome, sem cidadania activa, desinteressados da impunidade em que vive uma certa casta que gravita à volta do Estado, sempre novo, e dos partidos políticos, já velhos.

A indiferença não faz parte do nosso ADN, muito pelo contrário, é resultado de uma certa manhosice crónica emprestada pela mediocridade do salazarismo, uma cobardia endógena que almeja ser premiada com uns trocos, uma subserviência sem limites até lá chegar, até chegar à meta de cada um.

A realidade dos nossos dias não pode ser assacada apenas à ditadura, nem tão-pouco ao criminoso PREC que alguns ainda tentam salvar a todo o custo.

Aníbal Cavaco Silva tem o mérito de poder afirmar que deixou o seu cunho ao fim de quase 20 no poder. Ele percebeu o tipo de português que ainda somos e não hesitou em explorá-lo, durante o longo período de maná vindo de Bruxelas. Será por acaso que alguns dos maiores escândalos económicos e financeiros envolveram alguns dos seus mais próximos colaboradores?

Neste pântano que alastra, devorando a dignidade, o desassombro e o inconformismo, deixando o Estado refém de interesses e clientelas diversas, a Esquerda ainda não soube fazer a diferença, sempre ávida de chegar ao poder, pelo que também pode reclamar o seu quinhão de glória na grande caminhada de saque, sem olhar a meios nem à companhia de corruptos, assassinos e sanguinários, alguns dos quais já liquidados pelos seus compatriotas, permitindo que o país chegasse à bancarrota em 2011.

No dia 9 de Outubro passado, no Diário de Notícias, Mário Soares escreveu: «Os ministros começam a estar impacientes. Porque se ficarem no País e houver outro Governo, vai saber-se tudo o que se ignora, que é muitíssimo».

Nem um fremir...

Nada!

É a farsa dentro da farsa, por acção ou omissão, num país em que o chico-esperto, finalmente, assaltou o poder, em que o cidadão continua a ser instigado em reclamar mais e mais sem cuidar de saber dos recursos para o pagar, em que o poder político continua subjugado ao poder económico-financeiro, em que os mecanismos de regulação e escrutínio jogam o jogo, habilmente, para garantir o conduto.

Portugal é assim: 40 anos depois do 25 de Abril.

sábado, 12 de abril de 2014

Governo, oposição e sociedade civil: o restart


São inúmeros os momentos cruciais em que as grandes escolhas foram decididas nos corredores do poder, à revelia dos portugueses, contribuindo para que os cidadãos se fossem viciando num falsa protecção, tão ilusória que só agora começam a despertar para um Estado falido que ainda continua a dar prioridade às suas clientelas em vez de garantir os serviços universais essenciais como a Saúde, a Educação, a Justiça e a Segurança.

Independentemente da questão de saber se o curto prazo será, ou poderá ser, diferente dos tempos difíceis que vivemos, as elites continuam a achar que o povo português tudo continuará a consentir por não estar à altura de assumir as grandes escolhas.

O resultado está bem patente: a continuidade gerou imobilismo, falta de esperança e a manutenção de o Estado esbanjador que conduziu o país a mais uma falência e o povo à miséria.

Hoje, o recomeço quer dizer a ruptura com os hipócritas do presente que reclamam uma falsa soberania alicerçada nos vistos Gold e no dinheiro sujo de Angola, China, Guiné Equatorial e afins. E também quer dizer combate a um passado liderado por ladrões de colarinho branco que conseguiram vingar com o beneplácito, tácito ou cúmplice, de tantos e tantos que enchem a boca com o Estado Social.

Portugal continua a viver em permanente estado de falso restart, em que reina a confusão entre a continuidade e o recomeço, com a direita, o centro e a esquerda enredados nas suas próprias contradicções.

Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, por razões diversas, tentam convencer os portugueses que o novo restart se limita ao equilíbrio draconiano das contas públicas, esquecendo que nada pode ser conseguido sem transparência, sem a adesão das pessoas e sem atacar a corrupção de Estado.

Por sua vez, António José Seguro, por imposição interna no partido, promete aos portugueses o velho restart, navegando numa ficção em que nem ele nem os seus principais pares acreditam.

Por último, a esquerda mais radical limita-se a propalar o irresponsável restart, refém de um dogmatismo cujas consequências imediatas continua a esconder.

Na vida dos países, esta situação até pode ser considerada como fazendo parte da evolução natural, mas conduz inevitavelmente ao cepticismo em relação a tudo e a todos, ou seja, aos fundamentos de um permanente estado de sítio.

Não é possível cumprir o restart quando a Saúde não cuida dos cidadãos, a Educação não garante o futuro, a Justiça não é justa e a Segurança esmaga as liberdades individuais. 

De igual modo, não é possível prometer o restart com base numa demagogia política criminosa sobre a virtude do endividamento ilimitado, com mais ou menos engenharia financeira ou revolução anunciada.

O impasse em que o país vive não resulta apenas de mais ou menos défice, nem tão pouco tem origem na crónica incapacidade de uma nova geração alcançar o poder.

O que está a comprometer o futuro de Portugal, enquanto país livre, soberano e com aspirações ao progresso, ultrapassa a presença da Troika e os debates ideológicos avulsos, quantas vezes marcados por interesses particulares e corporativos, que, aliás, apenas têm servido para esconder o essencial.

O cerne do problema continua a ser o mesmo das últimas quatro décadas: a escolha de representantes eleitos que obedecem a velhos compromissos de mudar para tudo continuar na mesma, ou seja, está numa cidadania que já deixou de voar há muito tempo, pois sucumbiu ao conforto do paternalismo estatal e do trabalho remunerado a qualquer custo, tantas e tantas vezes em troca de uma vida sem dignidade e direito a sonhar.