Alguém pode acreditar que José Sócrates tenha dado origem a um tão grave leque de indícios, que o levaram à prisão preventiva, contando apenas com um amigo de infância, um advogado e um motorista?
Não!
Presumivelmente, só uma teia de silêncios e cumplicidades complexas e profundas o pode justificar.
A história ainda vai no adro. Aliás, não é por acaso, certamente, que os sinais de politização têm sido crescentes e a expectativa de outros desenvolvimentos é galopante.
A investigação está perante um repto muito maior do que lidar com um processo que envolve um ex-primeiro-ministro.
O grande desafio é investigar tudo e até ao fundo, sejam quais forem os negócios – públicos, privados ou de Estado – e os intervenientes directos e indirectos – do mais anónimo cidadão aos candidatos a donos disto tudo e aos mais velhos senadores e altos dignitários nacionais e estrangeiros.
E, por maior que seja a campanha e as cortinas de fumo, os dois magistrados têm de estar à altura da missão, do estatuto e dos poderes excepcionais que o regime democrático lhes conferiu.
Carlos Alexandre e Rosário Teixeira não têm que ser heróis, só têm de fazer o seu trabalho, com serenidade e competência, que ainda tem de enfrentar cada uma das defesas dos arguidos e ainda o escrutínio da comunicação social.
Até ao momento, o processo que levou o ex-primeiro-ministro socialista à prisão tem sido exemplar, porque não há a mínima evidência de que tenham sido atropelados quaisquer direitos, liberdades e garantias.
Nada pode travar a investigação que, aliás, contou com a validação expressa e pública de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, e de Amadeu Guerra, director do DCIAP.
Nem mesmo a ladainha precipitada da violação do segredo de justiça pode comprometer o essencial.
As imagens de um carro a passar em alta velocidade por uma câmara de televisão, após a detenção de José Sócrates, enfureceram os mesmos do costume que, sem qualquer fundamento, logo vociferaram contra a alegada cumplicidade entres magistrados e jornalistas, esquecendo que qualquer profissional, com uns anos de experiência, depois da prisão de Carlos Manuel Santos Silva na véspera, não teria necessidade de qualquer informação privilegiada para, de imediato, montar arrais no aeroporto e no Campus da Justiça.
De igual modo, a arrebatada acusação de detenção ilegal do ex-primeiro-ministro roça o despautério, sobretudo por ter partido imediatamente de dirigentes da Ordem dos Advogados.
Mas ainda faltava o coro da alegada mediatização. E, pasme-se, até se chegou à ausência de fundamentação do despacho de Carlos Alexandre e ao fantasma da "República dos Juízes".
É de bradar aos céus.
Até parece que ainda há quem não goste de tribunais com paredes de vidro. Nem de escutas e vigilâncias legais e validadas por um juiz. Nem tão-pouco de buscas realizadas com a presença do próprio suspeito, à luz do dia, em que todos sabem a que horas começa, quem está presente e quando termina.
A defesa intransigente dos direitos dos cidadãos não se faz assim, isto só pode ser outra coisa.
Já não é possível continuar a reduzir os procedimentos judiciais a um mero formalismo secreto, quiçá obrigado a visto prévio de outros pares ou ainda a métodos pidescos para acautelar titulares de altos cargos públicos.
O país seguiu as notícias, atentamente, mas, no dia a seguir à confirmação da prisão preventiva de José Sócrates, continuou a sua vida com toda a normalidade.
Não há qualquer abalo. E o regime não está nada em causa.
Depois da "Operação Marquês", venha a "Operação Rei".
Os portugueses estão mais do que preparados.