segunda-feira, 2 de novembro de 2020

À ESPERA DA AMÉRICA


O "cowboy" e o "self-made man" ainda continuam a fazer maioritariamente parte do ADN norte-americano?

As eleições presidenciais nos Estados Unidos da América são muito mais do que uma opção entre Donald Trump e Joe Biden.

É um momento de teste à alma americana que se traduz na escolha entre dois caminhos: a continuação da ruptura com o paradigma falhado ou o regresso do status quo em todo o esplendor.

Trump representa a continuação da luta contra os cânones de Washington, diabolizando a chamada imprensa de referência; Biden será a reedição de um modelo de governação em que o multilateralismo é temperado pelo marketing político e influência dos serviços secretos na política.

Depois de Obama ganhar com a força de "We Can", partilhando o Mundo com as outras superpotências, Trump quer renovar o sonho de hegemonia do "Make America Great Again" que continua a embalar os norte-americanos, enquanto Biden promete o moralismo de um aliado "Of the light, not the darkness".

E, goste-se ou não, deste lado do continente europeu, o errático Trump personifica melhor a imagem do "American way of life" que fez dos Estados Unidos da América a maior potência do mundo.

Mas esta eleição é também a renovação da "eterna" questão da emigração: por um lado, o fecho de fronteiras cruel; por outro lado, a alternativa de abertura para a exploração selvagem da mão-de-obra barata.

Também a questão racial pode, finalmente, fazer a diferença, numa realidade pós-Floyd, se ultrapassado o tradicional voto de abstenção ou em branco dos negros.

Para perceber o que está em jogo neste acto eleitoral, em que os latinos também podem sonhar, é preciso não esquecer a realidade de mais de 40 milhões de pobres, bem como de mais 140 milhões de cidadãos que admitem ter um rendimento insuficiente para pagar suas contas.

A vitória de Trump ou de Biden é ainda muito mais: de um lado, a arrogância da aposta na economia e no individualismo; do outro, a moderação que dá atenção à pandemia e ao colectivo.

Salvaguardas as devidas diferenças, a divisão brutal instalada não é assim tão diferente daquela que começa a emergir na Europa, decorrido quase um ano da descoberta da Covid.

No contexto de crise económica, os próximos actos eleitorais europeus também serão marcados por fracturas que ultrapassam a razão, a ideologia e a humanidade.

No país do consumismo, em que também se joga mais isolacionismo ou mais globalização, após muitos milhões de dólares gastos na publicidade de ambos os candidatos, fica para a História uma campanha de ódios, com "facts checks" para todos os gostos, ambições e carteiras.

O 46º presidente dos Estados Unidos da América tem uma herança: um país em que prevaleceram a força das instituições democráticas, o primado da Lei e a contribuição para a paz mundial.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

VIVER A VIDA


De relance, dois homens, numa esquina da cidade.

Na boca, a máscara e a afirmação de ser livre.

E nos olhos, o medo e o conformismo.

Certamente, falam da Covid, entre outros temas da actualidade.

Fazem lembrar Vladimir e Estragão, de Samuel Beckett, com inspiração para falarem sobre tudo e sobre nada, sempre à espera de alguma coisa, porventura ainda à espera de Godot.

Falam, gesticulam, e, por segundos, permanecem num silêncio que mais parece durar uma eternidade.

Havia algo de especial naqueles dois homens, à beira da reforma, com uma vida aparentemente realizada e confortável: revelavam uma réstia de brilho de quem quer viver a vida, como podem e o com o que lhes resta.

Ainda pensei que sofriam da febre das eleições norte-americanas – uma espécie de pandemia passageira dentro da pandemia anda sem vacina –, ou que estavam a debater mais uma declaração de especialistas – Great Barrington

O que importa, verdadeiramente, é a sua escolha de estarem na rua, ao ar livre, a conviver, como se ocupados a virar as folhas de um livro que também fala, em vez de engolirem a "caixa mágica" cada vez mais simplista, errática e manipuladora.

E a vida assim vivida lá corria naquela esquina ao fim da tarde...

No momento em que a Covid caminha a passos galopantes em Portugal, e que os os números europeus diários já ultrapassaram os dos Estados Unidos da América (com trunfo), o filme de oito meses da Covid passou mesmo à frente dos meus olhos bem abertos.

Tanta morte, sofrimento, solidão, arrogância, demagogia e propaganda.

Naquele instante, o tempo voltou para trás, quando nada ou quase nada sabíamos sobre a pandemia.

Hoje, que apenas já sabemos mais alguma coisa, o autoritarismo e o dogmatismo continuam a contar com o seguidismo e a indiferença da maioria.

Como se a sociedade estivesse infectada com um vírus ainda mais grave do que o SARS-CoV-2.

A conversa ganha a vibração do que resta do bulício da cidade, enquanto um agente da polícia passa, olhando para os dois como a confirmar qualquer eventual violação do estado de calamidade.

Subitamente, intimidados, ambos metem o telemóvel no bolso, com a confiança da sua aplicação, medindo a autoridade de soslaio.

Ao mesmo tempo, um grupo de jovens atravessa a rua, na passadeira, conquistando alegre e exuberantemente cada centímetro de espaço, com os tiques e os gadgets da sua forma de viver a vida.

Ah, os dois amigos, instalados na esquina, começam a despedir-se.

Entre cotoveledas amigáveis e sorrisos cansados, ficam as últimas palavras bem assertivas e audíveis, apesar da máscara P2 cónica com válvula:

– Foi penalti! – disse o mais sisudo.

– Não foi nada, não percebes nada de futebol! – encerrou o mais jovial.

Tomando os seus caminhos, cada um no seu passeio da estrada, um último aceno de dedo esticado, típo experts da bola, quiçá sonhando com a conquista do Mundial ou outro qualquer grande feito nacional.

Ambos apressaram o passo, antecipando a ameaça do recolher obrigatório, porque continuavam a querer viver a vida como podiam e com aquilo que lhes restava, à sua maneira.


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

NA MELHOR MÁSCARA CAI O MEDO


O primeiro-ministro e o presidente da República vivem dias politicamente devastadores muito por força da oposição e da sociedade civil.

O Bloco de Esquerda escancara as mentiras políticas do governo, designadamente quanto ao número de profissionais de saúde contratados e à dotação financeira para o SNS em 2021, através de Mariana Mortágua e Francisco Louçã.

Por sua vez, o bastonário da Ordem dos Médicos lança um alerta lancinante denunciando a falta de preparação do SNS para acorrer à segunda fase da pandemia

Face a este enorme aperto, António Costa tira da cartola um alibi para disfarçar o falhanço, dando "encosto" ao presidente da República para ambos poderem alijar responsabilidades.

E então lança a bomba atómica mediática: a obrigatoriedade da instalação e utilização da aplicação StayAway Covid, sujeita a multa e vigilância policial.

Costa conseguiu desviar as atenções do Orçamento do Estado 2021 e ainda da arrasadora carta aberta de Manuel Guimarães Pinto, que também foi assinada por mais cinco ex-bastonários, com sensibilidades políticas diferentes.

E não contente com a "façanha" autoritária elevou o tom da ameaça, redobrada com o habitual eco presidencial, sem garantir um SNS preparado, sem atender às exigências dos lares de idosos e sem fazer face aos transportes públicos apinhados, apenas arriscando a política do medo.

Mas a cumplicidade entre ambos foi ainda mais longe.

No momento em que a propaganda do governo sobre o SNS veio abaixo com estrondo, o presidente da República correu a dar conhecimento de conversações com os privados do sector para tapar os buracos que até então nunca havia visto.

Exigência? 

Não.

Escrutínio?

Nada.

Branqueamento?

Sim, como tem sido costumeiro.

Se o padrão de António Costa é há muito conhecido, o bailete de o presidente da República, agora sob a forma inopinada de dedo esticado contra os cidadãos, faz lembrar o triste fado da ditadura.

E, quando era esperado estudo, competência, responsabilização e clareza, sobrou a boçalidade da aposta no "pleno" da ameaça, comprovando o "arranjinho" entre ambos, mesmo quando estão em causa os direitos constitucionais.

Mas com esta espécie de acção política "moderna" tudo muda num ápice, o sim e o seu contrário, mais irrevogável menos fantasia.

Face à enorme tensão, resultante do insano esticar da corda, Costa recua e dá o dito por não dito, e Marcelo faz-de-conta, auscultando meio mundo, como se tivesse chegado a Belém há um mês e picos, mais semana menos semana, com o spin de fazer em 15 dias o que não foi feito em sete meses.

Depois de falhada a estratégia da intimidação  e tal como em Março, quando foi declarado o Estado de Emergência com um atraso ainda por explicar , o presidente demorou vários meses para descobrir a propaganda na política de saúde.

E, aliás, falta ainda saber nesta tragédia de sombras e incúrias se estamos a tratar das mortes pela Covid ou do número muito superior de mortes a mais por explicar.

À medida que as presidenciais se aproximam, a colagem politica entre presidência e governo gera uma inquietante dúvida: o presidente da República está a apoiar e a poupar o primeiro-ministro, sacrificando os interesses dos cidadãos aos seus interesses pessoais?

É que Marcelo tudo tem admitido, tolerado e feito, desesperadamente, para não colocar em risco o apoio de António Costa e do PS, mesmo quando estão em cima da mesa os mais altos valores da cidadania e vida humana.

O país quer mais médicos, mais enfermeiros, mais comboios, mais competência, mais informação e mais confiança, não precisa de folclore, paternalismo, bafio, polícia, multa, medo e suspensão da Democracia.

O que por aí vem, nos próximos tempos, exige uma presidência com mais noção do dever e da responsabilidade do que de piruetas e cálculo particular.

É que a pandemia continua a alastrar vertiginosamente e o número de mortos a crescer.


segunda-feira, 12 de outubro de 2020

HÁ MAIS VIDA PARA ALÉM DA COVID


Entrámos em pânico com o actual surto pandémico, mas temos conseguido conviver, mais ou menos pacificamente, com outras pandemias que se passam, diariamente, mesmo à frente dos nossos olhos, nas mais diversas latitudes.

Se o "vírus da China" regista números galopantes, tal como outros flagelos da história da Humanidade – Peste Negra, Varíola, Cólera, Gripe Espanhola e Gripe Suína –, os mortos registados não se comparam com as vítimas da fome, guerra, droga e exploração de seres humanos.

À medida que o cresce o drama – sanitário, social e económico –, transformado num "espectáculo" de cores dantescas, quase ignoramos o significado da atribuição do Prémio Nobel da Paz de 2020 ao "Programa Alimentar Mundial", das Nações Unidas, esquecendo que a maior agência humanitária do mundo fornece, anualmente, em média, alimentos a 90 milhões de pessoas em 80 países, incluindo 58 milhões de crianças.

É preciso afirmar que há mais vida para além da Covid.

Desde o Estado a cada um de nós, agora, tal como amanhã, urge cuidar das pessoas com seriedade, rigor e humanidade.

A forma como temos de enfrentar esta catástrofe não pode estar cingida ao folclore da condecoração tardia nem da visita a mais um sem-abrigo para as câmaras de televisão.

Não pode valer tudo...

Oito meses depois de conhecida a Covid, e após muita propaganda obscena, temos de conhecer o verdadeiro impacte de decisões políticas, como o shut down que aconteceu nalguns países em contraponto com decisões frias e polémicas de enfrentar o "bicho" de frente.

Também temos o direito a saber se estamos preparados para enfrentar mais uma vaga de infecções e mortes.

Falta um balanço, sem ideologias nem argumentos fanáticos, porque as mortes causadas pela crise económica e social vão ficar na nossa memória de uma forma muito mais impressiva do que aquelas que resultarem da Covid.

Paradoxalmente, de um momento para o outro, percebemos brutalmente que, afinal, o brilho das multinacionais, autoestradas e pontes não se compara à luz da esperança resultante da construção de hospitais, escolas e tribunais.

Entretanto, chegou o tempo de mais um Orçamento de Estado, porventura mais uma oportunidade tragicamente perdida.

Vivemos momentos únicos.

Apesar da nossa continuada incapacidade de distinguir entre o importante e o mero instrumental, talvez a realidade da vida se sobreponha à ficção dos grandes "feitos" dos interesses ocultos.

Se assim for, as mortes e as perdas provocadas por todas estas pandemias não serão em vão.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

TEMOS DE SER OS MELHORES


O presidente da República tem sido aclamado pela sua bonomia e folclore.

Mas a atitude presidencial não é tão espontânea e desinteressada quanto pode parecer.

É fruto de uma estratégia reflectida que serve mais os interesses do cidadão e do político Marcelo Rebelo de Sousa do que o cumprimento da missão presidencial e os interesses reais do país.

Desde a descrispação útil ao comentário de banalidades para depois manter o silêncio em questões críticas e de Estado, os portugueses têm sido testemunhas de que tudo tem valido para "reinar" com o objectivo de preparar a recandidatura.

O cidadão e o político Marcelo seguem esta cartilha simplista há muito tempo, e com uma mestria que bem poderia ser usada em prol de questões bem mais importantes para a vida do dia-a-dia dos portugueses.

Mas no melhor pano cai a nódoa, muitas vezes provocada por acontecimentos imprevistos, como por exemplo os incêndios, Tancos e a pandemia, fazendo ruir o caminho previamente delineado.

E o surpreendente anúncio da candidatura de Ana Gomes, um "terramoto" político inesperado, acabou com o sonho de uma reeleição ao jeito de um passeio à beira-mar, tranquilo, sorridente e feliz.

Está a chegar o tempo de pedir contas, pois o «PR não pode ser um adorno», como sublinhou Marisa Matias, durante a apresentação da sua candidatura presidencial.

E, desde já, impõe-se a pergunta: com o cidadão e o político Marcelo em Belém mudou alguma coisa?

Não!

E para poder manter tudo na mesma, nada ainda melhor do que uma quimera ao virar da esquina, mesmo sem nada fazer para a merecer e a alcançar.

«Somos os melhores», diz o presidente da República, enquanto agarra um qualquer troféu desportivo.

«Temos de ser os melhores», repete, entre sorrisos profusos, a propósito das cervejas e das águas minerais.

Ao mesmo tempo, face ao ambiente de fantasia delirante e grotesco gratuito, o país continua à espera de um presidente da República que pugne, ou faça alguma coisinha, para sermos os melhores na Saúde, na Justiça, na Educação e nos Direitos Humanos.

Com o cidadão e o político Marcelo em Belém mudou alguma coisa no combate à corrupção e à desigualdade?

Não, este presidente da República é mais um daqueles que preferem "iluminar" as pessoas, rendido à máxima the show must go on, seja com as "Galinhas do mato" ou com a comparação paradoxal do feminismo ao nazismo.

Deixemo-nos de hipocrisias: os abraços, os afectos e as selfies garantiram a paz institucional, mas também serviram para sustentar António Costa que, obviamente, retribuiu com o apoio do PS.

Negócio fechado!

Mesmo que para trás fique o gigantesco buraco de opacidades e cumplicidades que foi cavado nos últimos cinco anos.

E que os representantes políticos até se arroguem reivindicar serem portadores de um cheque em branco para decidir os destinos de Portugal.

Mas o branqueamento e até o abafamento selectivo, bem típico dos politicamente fracos e cobardes, têm os dias contados.

Afinal, temos de estar à altura do desafio, temos de ser os melhores na hora do escrutínio do mandato presidencial.

E viva a República!



segunda-feira, 28 de setembro de 2020

SNS: DA COVID AO ABANDONO


O SNS é uma das mais brilhantes heranças da revolução de Abril, mas também é há demasiado tempo muito mais uma questão ideológica do que um serviço público condigno para cuidar dos portugueses.

O preço desta monstruosa "evolução" tem sido pago em mortes, na diminuição da qualidade de vida e ainda na redução da produtividade.

A criação de um verdadeiro SNS deveria ser a prioridade das prioridades do programa de recuperação apresentado a Bruxelas, mas vai ser engolida por outras prioridades definidas por António Costa e sabe-se lá por quem mais na sombra do poder.

Apesar dos elogios hipócritas do presidente da República, do primeiro-ministro e demais autoridades, as notícias não enganam:


Os números conhecidos dos cuidados de saúde primários, consultas hospitalares, cirurgias, rastreios e tratamentos revelam uma degradação galopante.

E a realidade dos lares de idosos continua a ser ultrajante.

Portugal para fazer face à Covid está a abandonar e a deixar morrer os outros doentes.

Aliás, o aumento de número de mortes nos últimos seis meses, sem ser por causa da Covid, já ultrapassa os seis mil nos últimos seis meses, deixando a porta aberta para a frase mais ouvida na rua: a falta de assistência mata mais que a Covid.

A pandemia só veio acelerar a percepção da realidade do SNS, porque os governantes durante décadas mentiram descaradamente ao povo.

Nestas circunstâncias dantescas, o fanatismo ideológico atinge limites ainda mais inimagináveis: a capacidade instalada de saúde privada não está a ser totalmente potenciada como deveria ser por incapacidade do Estado.

Propalar as virtudes do SNS, fazendo de conta que não se conhece o que se passa no serviço público de saúde, antes e depois da pandemia, é um crime de lesa-pátria.


segunda-feira, 21 de setembro de 2020

POPULISMO DE ESTADO E O MEDO


Há uma polémica absurda que tem distraído o país do essencial.

A propósito de tudo e de nada lá vem a lenga-lenga do virtuosismo do Estado e dos pecados do privado e vice-versa.

A Covid trouxe atrelada a grande "novidade": o populismo de Estado, travestido de grande salvador e sustentado pelo discurso do medo.

É o Estado do caos no SNS, do abandono dos mais idosos, da incúria dos incêndios de Pedrogão e da opacidade de Tancos.

É também o Estado de Direito à la carte que permitiu as mais variadas negociatas: BES, BPN, BPP, CGD, Expo 98, Euro 2004, Novo Banco, Parcerias Público-Privadas, submarinos, TAP, etc.

É ainda o Estado dos amigos, dos "paraministros" do primeiro-ministro, com cobertura do presidente da República, e de uma multidão de criados (para todo o serviço sempre agradecidos e venerandos) que ofuscam os servidores públicos competentes. 

Aliás, este Estado, omnipresente e cada vez mais arbitrário, até só admite ser fiscalizado por si próprio.

Em suma, é este Estado, minado pela da corrupção e pelos abusos de poder nas mais altas hierarquias da Administração, que alguns ainda querem reforçar.

É caso para perguntar: este tipo de Estado é capaz de combater os erros da globalização e os excessos do capitalismo selvagem?

Os movimentos populistas são respostas, compreensíveis mas trágicas, ao estado a que isto chegou, qual Janus: por um lado, um Estado protector e agora disponível para os afectos; por outro, um Estado impune que alberga uma teia que serve e se serve à custa da miséria dos povos.

Aliás, não deixa de ser particularmente significativo observar, por exemplo, a reacção por esse mundo fora a algumas restrições paternalistas e desenfreadas impostas pelo Estado por causa do "vírus da China", como é popularmente conhecido.

A pandemia veio reforçar esta armadilha em que tantos e tantos se deixaram enredar através de argumentos de circunstância, os quais, aliás, têm minado qualquer hipótese de um debate elevado e útil para resolver tantos e tantos estrangulamentos.

Mas a abertura do espectro político tem permitido outro tipo de resposta aos populismos, desde logo por fazerem mais luz sobre os partidos políticos tradicionais, tão fossilizados quanto impunes, que debitam o mesmo "discurso" há décadas.

E a crescente consciência política também tem favorecido a separação de águas entre a práxis da governação e o sempre saudável confronto de ideias.

Os cidadãos não precisam de messias, querem governantes competentes e limpos, querem soluções para os seus problemas, independentemente de serem de Esquerda ou de Direita.

Compreender esta realidade é a melhor forma de combater os populismos, sejam eles de Estado ou de movimentos radicais que pugnam por uma mudança sem aceitar as conquistas civilizacionais.


segunda-feira, 14 de setembro de 2020

ANA GOMES E O SONHO


Todos os dias, aqui e ali, entre amigos, conhecidos e até desconhecidos, é frequente ouvir que temos de mudar, que a mudança é urgente.

Ora, se existem descontentes que querem escapar a este pântano, então a mudança não pode ser feita por quem esteve sempre ao lado daqueles que atiraram o país para a bancarrota e condenam o povo à miséria.

A candidatura de Ana Gomes é mais do que uma atitude patriótica, é a prova que há sempre alguém que resiste, que não se conforma, que se indigna, e, sobretudo, que é consequente nos seus actos.

Não há batalha de civilização que lhe escape: de Timor à Etiópia, dos direitos humanos aos voos da CIA, da globalização aos offshores, da corrupção a Sócrates e aos vistos Gold, de Angola à China, de Assange, Snowden e Rui Pinto ao enfrentar os vigaristas e ditadores.

Credibilidade, coerência e consequência são atributos essenciais para o mais alto magistrado da Nação.

Um presidente não pode ficar pela simpatia, cheirando o que é popular e fugindo do que pode queimar, isto já para não falar do imperdoável caso de Tancos à mistura.

O folclore presidencial dos últimos cinco anos apenas serviu para reforçar a manutenção do status quo decadente em que o país está mergulhado.

No momento em que começa a ser a hora de fazer o balanço, o que fica do actual mandato presidencial?

A descrispação!

E uma espécie de reinvenção da "evolução na continuidade" dos tristes tempos de Marcello Caetano.

É pouco, muito pouco, sobretudo se serviu apenas para branquear ao mesmo tempo que o país assiste estupefacto à protecção de corruptos, por exemplo, pelo segredo bancário, entre outros, como se ele existisse para acoitar criminosos.

A elegância com que Ana Gomes se despediu de Marcelo Rebelo de Sousa, no dia em que apresentou a candidatura, não pode ser confundida com qualquer tipo de validação política e institucional.

A opacidade, a fraqueza e o oportunismo têm de sair de Belém.

O país precisa de «um presidente diferente», disse a candidata.

Um presidente com força para se fazer ouvir quando fala dos fogos, de Tancos e da Justiça, dos desempregados e do SNS, dos Bancos e das negociatas impunes, dos sem voz e abandonados à sua sorte como em Moria.

A experiência política, diplomática e internacional de Ana Gomes representam garantias para, finalmente, Portugal poder eleger uma cidadã do mundo, uma presidente cosmopolita, moderna, à prova de bala e sem negócios, negociatas e fretes escondidos no armário.

Mas ainda falta o essencial: fazer uma campanha competente, aberta e sincera, sem esquecer os jovens, sem complexos nem azedumes pelo PS se ter transformado numa pálida imagem do partido que ajudou a salvar a Democracia.

E saber merecer o voto também é a mestria de unir, de aceitar que só o candidato à Esquerda que estiver melhor colocado é capaz de mobilizar a mudança que o país anseia há tantos anos, mas que ainda não traduziu numa eleição presidencial.

Em Janeiro de 2021, Ana Gomes é um passo para o sonho.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

PONTA DO ICEBERG DE PROMISCUIDADES


Assessores, críticos, editores, jornalistas e políticos estão cada vez mais articulados e sintonizados, com grande prejuízo da informação, transparência e rigor.

Foi com espanto, ou não, que ficámos todos a saber que a promiscuidade também se faz sentir, e de que maneira, no reino da comunicação social.

Num longo ensaio publicado na revista sábado, João Pedro George destapa o véu sobre uma enorme teia de interesses e cumplicidades entre assessores, jornalistas, editores, escritores e afins que "atacam" num suplemento do jornal Público.

A leitura revela uma série alucinante de más práticas impensáveis num jornal de referência, deixando qualquer cidadão de boca aberta perante uma factualidade que mais parece ter saído do universo mediático de uma qualquer república das bananas.

O segundo exemplo ainda é tão ou mais arrepiante.

Uma entrevista ao Expresso, dada pelo primeiro-ministro, deu origem a uma série de trapalhadas entre as quais se destaca a retenção de uma notícia - e que notícia! - sem qualquer justificação aos leitores daqueles semanário.

Entrevistado e jornalistas concertaram a publicação do anúncio de uma crise institucional para uma data posterior de acordo, certamente, com o interesse de ambas as partes, em detrimento do dever de informação e do respeito pelos leitores.

Inimaginável!

Estes dois exemplos revelam que há uma parte da comunicação social que está transformada num lodo, o qual deixa os jornalistas sem qualquer autoridade ética e deontológica para apontar o dedo ao pântano em que o poder político está afundado há muitos anos.

E isto poderá ser apenas a ponta do iceberg...

Consequências?

Nada, só silêncios.

Se o conhecimento destes dois episódios nos revelam um mundo de opacidades na imprensa também é verdade que nos permite ainda ter esperança na existência de um resto de jornalismo atento, livre e limpo.

O cancro que está a liquidar a comunicação social é muito mais do que uma questão financeira.

Colocando-se a jeito desta forma descarada não há dinheiro que valha para garantir uma informação independente e a salvação do sector.



segunda-feira, 31 de agosto de 2020

QUEM GANHA COM O PÂNTANO POLÍTICO?


Os primeiros sinais do início da catástrofe económica, financeira e social abriram uma crise política. 

Não vale a pena disfarçar, porque já está instalada.

Há apenas uma de duas escolhas: fazer de conta que #vamosficartodosbem ou arrepiar caminho.

Para quem tem muitas explicações a dar, com mais ou menos branqueamento soft ou musculado, só interessa manter tudo como está para melhor escapar às responsabilidades.

O presidente da República tudo fez e fará para que assim aconteça, beneficiando das "águas estagnadas" para tentar ser reeleito nem que seja por menos de 50% dos eleitores, como aconteceu em 24 de Janeiro de 2016.

No entanto, a "faca e o queijo na mão" em 2020 podem não ser suficientes – lembram-se de Cavaco Silva em 2015? , pois António Costa percebeu a armadilha em que acabou por se deixar enredar.

E, por isso, o primeiro-ministro já agitou o espantalho do tudo ou nada, ou seja, ou há "geringonça" ou então a tempestade rebenta na pior altura para o putativo recandidato Marcelo Rebelo de Sousa.

Afinal, afastada a hipótese de eleições antecipadas, um eventual governo em regime de gestão corrente ou um outro de iniciativa presidencial servem como um potencial álibi para todos que estão no poder.

Chegou a hora de tirar a prova dos nove sobre a encenação em que vivemos desde 2015 e saber quanto vai custar tanto tempo perdido em ameaças, banhocas, estratégias, grandes projectos, intimidações, insultos, mentiras, salvamentos, selfies, truques e vetos para distrair o pagode.

A cegueira "criativa" de adiar a reforma do Estado, iludir o fim da austeridade, negar a informação e a origem do dinheiro, venha ele de uma ditadura ou resulte da corrupção e do branqueamento de capitais, já foi chão que já deu uvas.

Aliás, são cada vez menos aqueles que ficam indiferentes à invasão chinesa e ao dinheiro sujo de Angola.


Se uma crise política nunca é bem-vinda, muito menos na actual situação aflitiva, pior ainda é a calamidade de mergulhar num pântano político.

É inevitável refazer o balanço da governação de António Costa à luz da triste realidade que estamos a começar a enfrentar.

E, nesse folhear de algumas das páginas mais negras da história recente, ninguém pode esquecer que Marcelo nunca esteve onde deveria ter estado, ou seja, do lado da Constituição e da lisura e transparência democráticas, por mais que, agora, ensaie o distanciamento de Costa.

Nas próximas eleições presidenciais, os portugueses podem dar o primeiro sinal de que não aceitam manter a podridão do actual status quo que tem levado o país à ruína e os portugueses à miséria.

Ser simpático, fazer sorrir e até fazer umas "piruetas" engraçadas não chega quando a vida aperta.

O mais alto representante tem de ser credível, política e institucionalmente, para o país poder iniciar uma mudança.

Chamar os cidadãos a ter a última palavra para desfazer a encruzilhada é sempre melhor do que deixar que decisões avulsas sejam tomadas nos bastidores dos interesses e conveniências rumo ao abismo, leia-se, a mais uma estrondosa bancarrota.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

PORTUGAL MARCELADO


O país a dar sinais de começar a estar à deriva.

Membros do governo insultam cidadãos, Ordens profissionais e sabe Deus quem mais que os critiquem ou rompam com a propaganda oficial e oficiosa.

O Bloco de Esquerda divulga publicamente que não está disponível mais nenhum acordo, enquanto o PS não cumprir o anterior.

O primeiro-ministro é desmentido na praça pública como se fosse algo corriqueiro.

E há mais!

As mortes em lares de idosos são desvalorizadas e reduzidas a meras estatísticas.

O SNS que salva os contagiados com Covid deixa morrer os outros doentes.

Os critérios para a reabertura da normalidade são tão erráticos que já ninguém consegue percebê-los.

Os apoios são anunciados e depois não chegam às pessoas, às famílias e às empresas.

Os números do desemprego divulgados oficialmente são desmentidos categoricamente por todos.

As instituições reguladoras parecem estar ao serviço do governo.

No maior governo de sempre, com 70 membros, ainda há espaço para estranhas e polémicas contratações para os gabinetes.

E até o MP dá sinais de uma estranha ausência.

Tudo isto, e muito mais, se tem passado, antes e depois da Covid, no Portugal de Costa e Marcelo.

Enquanto um presidente folclórico marca a agenda mediática, um primeiro-ministro à solta faz o que quer, à hora que quer, com "comícios" garantidos em directo, sem contraditório, e ainda até lhe sobra tempo para intimidar, ameaçar e insultar.

Responsabilidades?

Nada!

Escrutínio? 

Muito pouco, tal é o risco de desagradar ou sofrer represálias.

Aliás, que não haja quaisquer dúvidas: a direcção do Expresso já encetou a caça ao responsável pela divulgação do vídeo de sete segundos que mostra quem, como e de que forma somos governados quando se apagam as luzes.

Era esta a "política" e estes os "políticos" que já faziam falta após os meses de confinamento?

Não tarda nada, desgraçadamente, vamos começar a perceber o preço a pagar por tanta arrogância, prepotência e vacuidade políticas.

Nesse momento, vamos tirar a prova dos nove sobre quanto custam as ameaças, as encenações, as banhocas, as intimidações, os insultos, as mentiras, os salvamentos, as selfies, os truques e os vetos para distrair o pagode.

O país está novamente debilitado, ou melhor, Portugal corre o sério risco de continuar Marcelado.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

BELÉM DE "CENAS" ARRISCADAS


Bravura, coincidência ou encenação políticas?

Da opacidade ao branqueamento só faltava mesmo um número do presidente nadador salvador, de duas jovens (muito sorridentes), apanhadas pela objectiva de uma televisão.

Qual será a próxima "cena"? 

Um presidente, com uma pá na mão, a extinguir um incêndio, enquanto corre, com as câmaras de televisão atrás, para apanhar o incendiário?

O cenário da praia do Alvor é um corolário perfeito, com cada vez mais portugueses a sentirem que é difícil engolir tanto oportunismo político.

Aliás, depois de Tancos, entre outros momentos graves, que mais tarde ou mais cedo serão esclarecidos, eram muitos aqueles que acreditavam que o putativo candidato não teria o atrevimento político de tentar renovar o mandato eleitoral.

Infelizmente, tal é a frenética actividade política em Belém, todos os sinais apontam para a fuga em frente.

Com a pré-campanha a ser feita à custa do erário público, as mais recentes posições institucionais que simulam um distanciamento político in extremis de António Costa são as cerejas que faltavam em cima do actual regime de faz-de-conta para os holofotes.

Restam poucos meses para destapar o véu que envolve o actual mandato presidencial, a começar pelo que realmente se passou no momento da declaração do Estado de Emergência por causa da pandemia Covid.

É um ponto de partida possível, durante a próxima campanha eleitoral das presidenciais, para esclarecer o padrão de muitas outras situações de opacidade.

Começa a ser patriótico a apresentação de novas candidaturas presidenciais, à Esquerda ou à Direita, para salvar o país deste bailete que tudo tem virado numa vacuidade nunca vista e perigosa.

Com os tempos difíceis que se avizinham, o país precisa de uma Presidência da República com força e credibilidade institucionais para travar qualquer arbítrio de um autoritarismo que espreita ao virar de cada esquina.

Com todos estes truques e rábulas, Portugal corre o risco de assistir, em Janeiro de 2021, a uma taxa de abstenção recorde e a uma expressiva votação nos extremos, uns porque consideram que está decidido, outros porque já não suportam mais do mesmo.

O estilo imposto por Marcelo Rebelo de Sousa até pode gerar uma sensação de transparência e de aproximação do poder aos cidadãos, mas as mistificações têm sempre um preço demasiado elevado.