segunda-feira, 21 de junho de 2021

PARAR, PENSAR E... CONTINUAR A FAZER DE CONTA


A erosão provocada pelo poder deveria ser um dos motores da mudança.

Mas para a alternativa vingar é preciso muito mais do que erros acumulados pelo poder e o cumprimento de um calendário eleitoral: são necessárias propostas competentes, mobilizadoras e coerentes.

É evidente o desgaste do governo, mas continua a faltar o resto.

Vale a pena recordar a recente intervenção de Manuel Costa Andrade em que acusou Lucília Gago, procuradora-geral da República, de «agente encoberto à revelia da Constituição».

As palavras do juiz mais político de Portugal podiam ter sido o combustível necessário para a oposição explodir de credibilidade junto dos eleitores.

Mas no mesmo discurso, o jurista lembrou também os perigos das propostas dos partidos na luta contra a corrupção.

De uma penada, ficaram à vista os problemas, mas também a falta de uma alternativa credível.

Como se não bastasse, passados uns dias, os juízes (ASJP) arrasaram o que restava da contribuição do PS e do PSD.

Num momento em que de António Costa já se espera pouco ou nada e são cada vez menos aqueles que levam Marcelo Rebelo de Sousa a sério, Rui Rio sai em maus lençóis para almejar liderar uma alternativa.

Quando os dois maiores partidos se concertam para simular uma espécie de legislação que pode acabar por resultar numa cobertura aos corruptos também pouco ou nada se pode esperar da alternativa.

Para manter o poder ou para assumir a liderança de uma alternativa é preciso muito mais do que parar, pensar e... continuar a fazer de conta.

Por isso arrastam-se durante décadas estrangulamentos nos mais diversos sectores decisivos para o desenvolvimento, acumulando-se erros e compadrios dignos de gente mesquinha e incompetente que assaltou o país há muito tempo.

A culpa não é só dos boys também é dos líderes que não sobreviveriam sem eles.

O espectáculo de Fernando Medina é apenas mais um exemplo tão lamentável quanto as críticas justas de Rui Rio à recandidatura de Rui Moreira que caem por terra por causa do caso Silvano, deixando mais um enorme vazio à mercê de todos os radicalismos.

Os protagonistas são o que são, mas muito pior é a falta de cultura de exigência e escrutínio capaz de alavancar a mudança.


segunda-feira, 14 de junho de 2021

PRESIDENTE, LEGITIMIDADE E DEMISSÃO


Não é Pedrógão, mas é Tancos.

Não é a corrupção endémica, mas é a factura milionária dos Bancos falidos.

Não é a gigantesca máquina de propaganda, mas é a dívida pública galopante.

Não é a ocultação da realidade, mas é o SNS impotente a deixar a morrer.

Não é a falsa promessa de apoios, mas é a reconstrução de um palácio.

Até mesmo quando é pública a divulgação de dados pessoais pela Câmara Municipal de Lisboa, liderada por Fernando Medina, a palavra presidencial é de branqueamento grotesco.

Num dia, temos que proteger os estrangeiros porque somos um país de emigrantes; no dia a seguir, cidadãos israelitas, palestinianos, russos, venezuelanos são colocados em risco.

E numa primeira reacção presidencial: Acontece!

O caricato é que ninguém assume a responsabilidade, mesmo quando o nome de Portugal é internacionalmente arrastado na lama.

O branqueamento presidencial sistemático é um cancro que está a liquidar o regime democrático, dando origem a fenómenos de mais e mais radicalização.

E, como se não bastasse, até Francisco Louçã, na pele de Estado, tem o atrevimento político de afirmar, sem se rir, que «os pedidos de demissão de Fernando Medina são uma espécie de brincadeira».

Cresce a convicção de que isto só lá vai com mão forte, autoritarismo, quiçá mais um ditador.

Entretanto, o primeiro-ministro faz-de-conta que não é nada com ele, acantonado no seu gabinete e até aborrecido quando é interpelado.

Como se fosse possível esquecer que foi edil de Lisboa, que a política externa é uma manta de servilismos.

Afinal, o "orgulho" no português que lidera da ONU não o impede de assistir em silêncio, nos últimos meses, ao espezinhar dos Direitos Humanos.

E, até entre os das esquerdas, há ainda o dislate para invectivar contra quem, com mais ou menos passado democrático, denuncia este pagode de insensibilidade e irresponsabilidade.

Todos os cuidados são poucos, quando a palavra presidencial vale menos do que uma selfie.

E não admira que a crescente indignação, desde a rua ao hipermercado, tarde em chegar aos gabinetes do poder e aos centros de sondagens.

Se depois de mais este aviltante atropelo tudo continuar na mesma, enquanto o presidente acena, sorri e vai à bola, então não há respeito que perdure, não há confiança que resista.

A legitimidade do presidente nas urnas (menos de 1/4 dos eleitores) não valida a participação no apodrecimento do regime.

A dignidade da função não pode continuar a calar a crítica do branqueamento impune.

– Demita-se!

segunda-feira, 7 de junho de 2021

DA VERDADE OU DA MENTIRA



As redes sociais cresceram através da criatividade e irreverência em contraponto com o conformismo e o cinzentismo dos grandes canais de informação do stablishment.

A enorme audiência despertou a atenção de todos, desde a presença dos grandes grupos da comunicação social até ao apetite dos habituais profissionais do assalto ao poder.

Hoje, e depois de um trajecto fulgurante nos últimos 15 anos, as redes sociais são um extraordinário meio de divulgação, não são só um depósito de fake news.

Se não, vejamos.

Se alguém fizer um post a garantir a erradicação dos sem abrigo em quatro anos ou até mesmo prometer habitação condigna para todos em 2024, o que aconteceria?

O autor seria alvo da chacota impiedosa dos seus seguidores.

Mas se o meio de divulgação de um tal desvario retórico fosse um órgão de referência, o mais provável é ficar tudo nas águas de bacalhau do corporativismo.

Um político, apanhado em mil mentiras, não pode merecer destaque sem qualquer enquadramento.

Uma qualquer instituição, com um histórico de banha da cobra estatística ou outra, não pode marcar a agenda mediática sem um esclarecimento.

Diariamente, seja qual for o meio, somos bombardeados com informação inverificada e abusiva, cabendo-nos fazer o nosso próprio juízo.

O contraditório tanto serve para a declaração de um presidente ou de um primeiro-ministro na capa de num jornal de referência como para um post de um cidadão, por mais notável ou anónimo que seja.

Ou seja, o trigo nem sempre está do lado institucional e o joio nas redes sociais.

A mediação dos jornalistas reside precisamente na capacidade de enquadramento e independência para desmascarar a falsidade.

Ora, quando tal não acontece surgem os mais diversos exames alternativos que explodem através do mundo digital.

Já lá vai o tempo em que a informação tinha um selo de garantia prévio, o cargo determinava a credibilidade e em que bastava a censura através de uma qualquer "carta".

Chame-se algoritmo, capital, controlo ideológico, interesse ou corrupção, a escolha de hoje é igual à de ontem: Ou se está do lado da verdade ou da mentira.

segunda-feira, 31 de maio de 2021

RIO ACIMA, RIO ABAIXO


Carregando um partido com de décadas de poder, corrupção e nepotismo, Rui Rio sabe que tem pouco para enfrentar António Costa e ainda menos para oferecer na actual conjuntura.

Nos próximos anos, o país vai continuar a sobreviver à custa da caridade, em versão de solidariedade europeia, e o povo não se importa com isso, muito pelo contrário, até se sente confortável com mais Estado e menos cidadania.

Rio já percebeu que não se pode passar do inferno ao céu num par de anos, enquanto Pedro Passos Coelho não o percebeu quando foi primeiro-ministro – e ainda não o consegue perceber.

A estratégia do PSD tem sido, logicamente, estancar as perdas do partido e tentar uma colagem ao poder que lhe permita garantir algumas migalhas e ao mesmo tempo iniciar algumas reformas.

 Chama-lhe "centro"...

Ora, se é verdade que os "EuroBonds" e a "Bazuca" são "milagres" inesperados também não é menos verdade que não se pode ter sol na eira e chuva no nabal.

O que resta?

Usar André Ventura para dizer o que o PSD não pode nem tem autoridade para afirmar, como ocorreu no congresso do Chega, ou seja, usá-lo como um catalisador de protesto para ensaiar um discurso de mudança.

É o jogo possível, mas perigoso, porque o agitar o fantasma do fascismo ainda consegue atormentar quem o viveu na carne e no osso.

É a única alternativa?

O líder do (ainda) maior partido da oposição bem pode ter que navegar rio acima, rio abaixo, e até pode ter razão na estratégia, mas passividade, seriedade e honestidade não têm casado com a conquista do poder.

E o grande desafio, que está longe de estar cumprido, é convencer os portugueses que se ganhar as eleições não vai condená-los a mais miséria para cumprir as metas da União Europeia.

O que falta?

A paciência – de que Rio não se pode gabar –, uma "qualidade" com que António Costa carrega e descarrega o Bloco e o PCP à medida dos interesses do PS.

A união do PSD à volta do líder e de um projecto concreto e claro de futuro.

Tempo, mais tempo, de que não dispõe.

Por isso está cada vez mais acantonado.

Em 1997, Rui Rio bateu com a porta a Marcelo.

Agora, tem pela frente a mesma muralha que o derrubou há quase 25 anos, com o primeiro-ministro a manter o poder pelo poder e o presidente que se basta com o fazer de conta e a popularidade fácil.

Vai voltar a bater com a porta?


segunda-feira, 24 de maio de 2021

TRANSPARÊNCIA DE CIRCUSTÂNCIA E FACHADA


Já lá vão os tempos em que a consulta de uma declaração de rendimentos era uma espécie de missão impossível junto do Palácio Ratton.

Mas a importância da transparência ainda está longe de ser uma mais-valia em Democracia.

A prova está à vista.

Por um lado, não é por acidente, ou por causa da pandemia, que a "Entidade para a Transparência no Exercício de Cargos Públicos" ainda não saiu do papel mais de dois anos depois da sua aprovação no Parlamento (PS, PSD e BE).

Por outro, ainda há quem a entenda como uma espécie de «polícia dos políticos» (PCP, CDS/PP e PEV).

Depois do “Conselho de Prevenção da Corrupção”, começa a ser evidente que a nova instituição pode resultar em mais fazer de conta, o que, aliás, poderá ter explicado uma tão pronta promulgação.

Se a lentidão do processo é grave, então o que dizer da manutenção da nova instituição na alçada do Tribunal Constitucional, quando a mais elementar lógica aponta para que transitasse para o Tribunal de Contas.

Afinal, o que está em causa é a riqueza e os dinheiros públicos, é o escrutínio de autarcas, deputados, gestores, governantes, magistrados e políticos.

A já decidida instalação da sede em Coimbra também prenuncia uma liderança entregue a um jurista e académico sem preparação para o combate ao crime de colarinho branco de um ponto de vista operacional.

Até parece que tudo foi pensado ao detalhe, desde logo ao mais alto nível dos partidos do Bloco Central, para garantir uma medida para encher o olho, mas sem qualquer hipótese de eficácia.

E não fora o arraso do GRECO, a 25 de Março passado, o assunto continuaria no típico deixar andar quando está em causa o combate à corrupção.

Nesta matéria, além dos truques, já pouco ou nada se espera de Marcelo, Costa e, sobretudo, do actual PS.

E a cedência do PSD, certamente circunstancial, não deixa de ser extraordinária.

Bem pode Rui Rio continuar a apregoar a necessidade de uma "limpeza".

Não haverá ninguém que o leve a sério enquanto continuar a desvalorizar tão olimpicamente um tal arrastamento que só contribui para reforçar a suspeição sobre o universo da administração pública.

Aliás, em boa verdade, se o líder do PSD estivesse determinado numa verdadeira mudança então já teria elevado a voz contra a dispersão de meios no âmbito do tão limitado quanto pomposamente apelidado "pacote da transparência".

Escasseia o tempo para Rio arrepiar caminho.

O combate à corrupção é uma prioridade, não pode ser uma moeda de troca após uma qualquer nomeação falhada ou para garantir umas migalhas no aparelho de Estado.

A afirmação de princípios é tão importante quanto o escrutínio da governação, sendo que ambos têm de anteceder e sustentar quaisquer negociações de bastidores.

Portugal merece mais do que uma transparência de circunstância e fachada.


domingo, 16 de maio de 2021

MÉDIO ORIENTE (CONTINUA) A ARDER

 

As imagens da guerra são sempre brutais, por muitas que sejam repetidas.

E quando se fala do Médio Oriente, então a banalização é ainda mais gritante e perigosa desde os fins do século XIX.

Dos 17 países que compõem esta zona do mundo, os mais ricos continuam a ser os mesmos e os mais pobres crescem em número.

Entre os mais ricos, Israel, Irão e Turquia continuam a prosperar e a mandar, enquanto os mais destruídos — Iémen, Iraque, Líbano, Palestina e Síria — continuam a empobrecer e a vergar aos interesses das grandes potências.

Não há nada que não tenha já sido dito sobre a necessidade de paz numa das regiões mais flageladas pela guerra.

E não faltaram iniciativas e acordos internacionais para tentar acabar com a carnificina a céu aberto. 

Mas tem faltado vontade política em acabar de vez com este confronto secular e religioso.

E tardam políticas de desenvolvimento para a região.

Quanto maior for o subdesenvolvimento e a pobreza, maior será a possibilidade de eternização desta economia da guerra, que alimenta as indústrias de armamento, sacrificando sucessivas gerações.

Como sublinha Yair Wallach, no The Guardian, «Os palestinianos permanecem no controle do lugar mais sagrado do país para muçulmanos e judeus, não por meio de força militar ou negociações diplomáticas, mas simplesmente por continuarem lá, com a autoridade moral que isso confere».

A generalizada indiferença, perante um conflito que se tem perpetuado nos tempos, traduz o desrespeito pela História e um insuportável falhanço da Humanidade.

E não se diga que a barbárie não é conhecida de todos.

Hoje, com a Internet, é possível seguir, quase em tempo real, ao fanatismo e ao belicismo das partes, bem como ao número de mortos e feridos inocentes que tombam, diariamente, às mãos de carrascos sem perdão.

Com Portugal a presidir ao Conselho da União Europeia, a 27, e António Guterres a liderar a ONU, aparentemente nada mudou em relação ao Médio Oriente que continua a arder.

É preciso fazer a diferença e lutar com imaginação para abrir os canais da civilização.





segunda-feira, 10 de maio de 2021

AGORA É ÀS CLARAS


Em Janeiro passado, o país foi sacudido pela notícia da vigilância a dois jornalistas a mando do Ministério Público.

Dois meses depois, o Conselho Superior de Magistratura, com dois votos contra (Maria João Antunes e José Manuel Mesquita), arquivou a investigação aberta às duas mandantes, Andrea Marques e Fernanda Pego, procuradoras do DIAP de Lisboa.

Agora, sabemos: dois jornalistas são acusados de violação de segredo de justiça; e Pedro Miguel Fonseca, coordenador da PJ, foi acusado de abuso de poder, violação de segredo de justiça e falsidade de testemunho.

Temos de passar a admitir o que alguns já sabiam há muitos anos: os jornalistas deixaram de ter condições para garantir a confidencialidade das suas fontes, ou seja, não podem exercer a sua profissão com liberdade e rigor.

A missão está cumprida para este tipo de "vigilantes" do regime, e certamente será premiada na primeira oportunidade, tal e qual como outros foram parar aos "cheques carecas" por investigarem o que não convinha ao poder político.

Surpresa?

Nenhuma, basta lembrar Assange Manning e Snowden.

E Rui Pinto?

Isso é uma conversa que ainda não terminou.

Felizmente, o que todos ficámos a saber da "Operação Lex", "e-Toupeira" e "emails do Benfica", notícias de inquestionável interesse público, continua publicado para quem quiser ler.

E provar que um encontro casual serviu para passar informação protegida pelo segredo de justiça é matéria delirante que se deixa para os tribunais, porque lhes caberá julgar.

Mas perseguir um crime à custa de um outro crime é seguramente uma cobardia revoltante.

Aparentemente, já não são precisos reformados, polícias que se confundem com assaltantes e agentes secretos, sobretudo depois do último "trabalhinho" de escutas ilegais ter corrido mal.

Agora, nesta Democracia de todas as esquerdas, a liberdade de imprensa é perseguida às claras.

E o que fazem presidente e primeiro-ministro?

Telefonam, tomam posição, criticam?

Não, calam!

A eleição de alvos individuais já não é suficiente.

À cautela todos passam a levar com o que resta desta Justiça cada vez mais injusta.

E, quando se esperava uma censura firme, eis que o insulto público é apenas "suscetível" de constituir uma ameaça.

Entretanto, agora como no passado, as empresas de comunicação social, de joelhos em relação ao Estado, lá vão despedindo, liquidando a informação e até dando uma no cravo outra na ferradura quando agridem os jornalistas.

A tese de que vale tudo quando a imprensa chega perto e incomoda, sobretudo quando estão em causa os podres do Estado, está a ser validada no dia-a-dia, mesmo à nossa frente.

Ainda não mandam matar jornalistas, só lhes batem e humilham, mas ficaremos por aqui?

A porta passou a estar aberta para jornalistas curiosos em relação a outros encontros, desde que, obviamente, ocorram na esquina da rua, na soleira do escritório, em frente a um prédio.

Ainda vamos ter de voltar a engolir papel, enquanto os filmes vão passando.

P. S. O comunicado da direcção de informação da RTP é uma excepção à regra por ser exemplar.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

E TANTO “CAPO” POR AÍ


Há um Portugal que ainda considera que ameaças, caneladas, chapadas, empurrões, insultos e humilhações não é nada de mais.

Afinal, a agressão ainda é para alguns, seja no recato do lar ou à porta de um estádio de futebol, coisa que só importa se for um espancamento brutal ou um homicídio.

É o mundo de Pinto da Costa.

E de uns poucos meliantes que se passeiam pelos corredores do poder e do regime, com direito a passadeira vermelha na comunicação social.

O seu sucesso tem sido alcançado à custa da conivência ao mais alto nível, desde uma parte da justiça aos órgãos de soberania.

O silêncio de Marcelo e Costa, após a investida miserável contra Francisco Ferreira, jornalista, diz tudo sobre o deliberado apagão institucional e político.

E a ausência de um comunicado clarificador da PGR, colocando um ponto final no branqueamento esboçado, até por quem menos se esperava, é apenas uma lamentável colateral da captura do Estado.

Das imagens que correram o mundo, colocando o futebol português abaixo do lixo, só falta destacar um instante, aquele último olhar, no derradeiro segundo, que anuncia a barbárie.

Imediatamente, recordei o olhar de que falava Antonio Di Pietro, entre outros, para caracterizar o modus operandi da máfia para corromper, extorquir, intimidar e liquidar: a ordem silenciosa, mais uma prova indirecta...

Na Itália da "Operação Mãos Limpas" também reinavam um presidente qualquer, a Democracia Cristã, o Partido Socialista, o Partido Social-Democrata e o Partido Liberal.

Passados 29 anos e tanto "capo" por aí.

Não, não é preciso recordar o "Apito Dourado", as machadadas por um punhado de terra ou o súbito "despertar" para a realidade mafiosa de todos conhecida há muito tempo em Odemira e por esse país fora.

Faz falta enfrentar os cúmplices das mãos nos bolsos, da dissimulação do tom de voz, da participação em qualquer acto vil e soez.

Afinal, cada português ser Portugal é apenas para entreter a malta.

 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

FAZER DE CONTA 47 ANOS DEPOIS

 

A luta contra o absolutismo, a escravatura, o obscurantismo, a discriminação, a guerra e a selvageria capitalista e comunista fazem parte do espírito de Abril.

Por mais branqueamento do colonialismo, por anacronismo, negacionismo ou revisionismo, nunca será possível baralhar quem esteve (e está) do lado dos valores da civilização e os que estiveram (e estão) do outro lado.

Hoje, tal como caberá aos nossos filhos e netos daqui a 47 anos, a luta continua contra os relativismos paternalistas e professorais.

A memória dos que sofreram e tombaram por ideais de humanidade, e nunca calaram por um punhado de mordomias, é um património inalienável da cidadania.

O exemplo daqueles poucos que não se resignaram e enfrentaram a ditadura cruel e ignorante é acolhido na alma do povo e reconhecido pela História.

O 25 de Abril não pode servir para fugir ao presente, para fazer de conta, quando há, agora, tanto ainda para conseguir – na educação, na justiça e na saúde – quase 50 anos depois.

Reconhecê-lo, aberta e humildemente, sem marketing, truques semânticos e subterfúgios da linguagem, é mais do que um sinal de inteligência, é viver a mensagem de Abril.

Tentar diluir o passado na reconciliação fabricada no calculismo, ou na diversidade instrumental, é tão-só mais um sinal dos tempos de logro.

Porque a união não vence na dissimulação.

Porque é tão duro ser jovem, hoje, que é quase temerário esperar que restem forças para renovar e cumprir o sonho.

Iludir a dignidade humana e os carrascos da liberdade – os de ontem, como os de hoje – é atraiçoar o passado e condenar o futuro.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

SÓCRATES SEGURO

 

A Operação Marquês é apenas a ponta do iceberg da corrupção em Portugal.

Tendo em conta a evolução do processo, das decisões dos sucessivos recursos para os tribunais superiores até à decisão instrutória, o momento de fazer Justiça não tardará.

E, no momento do trânsito em julgado, será mais fácil ver com nitidez o filme da corrupção que tem liquidado o desenvolvimento e o crescimento de Portugal.

A confirmarem-se as provas que constam do megaprocesso, que nos dão um retrato fiel e alargado do poder político e executivo, da banca e das empresas, tudo indica que o ex-primeiro-ministro acertará contas no instante próprio.

Em todos os grandes processos judiciais contra a corrupção, à medida da plausibilidade da condenação, não fica pedra sobre pedra.

Desde a "Operação Mãos Limpas até à "Lava Jato", ao passo que a Justiça cumpriu o seu papel, foram vários os condenados que desvendaram o que não fora então alcançado pela Justiça.

E se não foi possível atacar o "polvo" de uma forma mais profunda e eficaz, tal apenas se deveu à interferência do poder político, das mais diversas formas, para se proteger a si próprio.

Que ninguém vá ao engano: Quando se diz que à Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política, estamos a falar de interferências políticas in extremis na esfera judicial, pela via legislativa ou por decisão de "tribunal" de cariz político.

Não vale a pena tentar confundir esta realidade histórica com um eventual alheamento da política no funcionamento da Justiça.

Usar uma mentira instrumental com objectivos outros, quiçá, pessoais e partidários, nem serve a transparência nem a República.

José Sócrates não tem perfil para aceitar ser um bode expiatório, quando conhece bem como funciona o país ao mais alto nível.

Se é fundamental que Sócrates tenha direito a que se faça Justiça, com todas as garantias processuais, não é menos importante deixar a Justiça funcionar, garantindo-lhe toda a segurança até ao fim do processo.

Portugal ficaria a ganhar.



 


segunda-feira, 12 de abril de 2021

OPERAÇÃO MARQUÊS: O CLIQUE QUE FALTAVA


O despacho de pronúncia da Operação Marquês já fez correr rios de tinta, entre vestes rasgadas por um lado e pelo outro, tal e qual como no intervalo de um jogo de futebol.

E, pasme-se, tudo resumido à "derrota" do Ministério Público e à "vitória" do ex-primeiro-ministro que foi corrompido e pronunciado por seis crimes que ainda lhe podem valer muitos anos de cadeia.

A futebolização do país dá nisto, uma mescla de boçalidade, cinismo e fanatismo.

Ivo Rosa disse ao que vinha: colocou sob suspeita a distribuição inicial do processo e acusou o Ministério Público de incompetência e motivações políticas.

Os críticos acusam o juiz de acolitar Sócrates e demais arguidos, mas ainda ninguém aventou a hipótese de também ter sido corrompido, quiçá estar debaixo de coacção ou chantagem.

O despacho de Ivo Rosa é apenas mais um.

Coube-lhe decidir e fundamentar o seu juízo que, felizmente, está sob recurso, pelo que é grotesco fazer a discussão típica do fora de jogo e do penalti que foram ou ficaram por marcar.

O desfecho instrutório não pode ser desvalorizado, nem tão-pouco aliviados os seus termos, erros grosseiros e legalidade, porque até Sócrates e amigalhaços têm direito a um colectivo.

Para já, antes de perder tempo com o copo meio cheio ou meio vazio, importa reconhecer, sem fatalismos, que se cumpriu mais uma etapa.

A lentidão é exasperante?

É verdade!

Assim é impossível combater a corrupção?

Também é verdade.

Não está nas mãos do juiz compensar a balburdia legislativa e a falta de meios que têm condenado os megaprocessos, seja no caso Marquês ou Portucale (submarinos).

E também não cabe a Sócrates e demais arguidos, pronunciados ou não, prescindir de garantias, por mais mirabolante que seja a fabricação, mais Kafka menos Zola, do previsível truque à brasileira em curso.

O esgar que traiu Sócrates, ao vivo e a cores, em directo, no preciso instante em que o juiz o começou a tratar como mentiroso, corrupto e meliante, com estrondo, vale mais do que mil palavras.

A competência, a racionalidade e a transparência continuam a ser antídotos contra os “justiceiros” e os branqueadores de prime time.

O debate é sempre útil, porque acrescenta escrutínio, mas continua a valer o princípio da separação de poderes: à justiça o que é da justiça, à política o que é da política.

A Operação Marquês pode ser o clique que faltava para despertar os magistrados, porque Portugal está a morrer às mãos dos tribunais que estão a administrar a Justiça em nome do povo.


segunda-feira, 5 de abril de 2021

PORTUGAL: OS EXPEDIENTES E OS "NÃO-CONVERSÁVEIS"


Enquanto os direitos individuais são cortados pelos regimes "democráticos", antes e depois da pandemia, muitos continuam a olhar para o lado para melhor esconder os problemas existentes.

Aliás, poucos são aqueles que têm legitimidade para falar dos perigos do extremismo político, porque simplesmente há uma maioria que (ainda) não quer ver o que se está a passar por cá e por essa Europa fora.

À excepção de Ana Gomes e de mais uns poucos, que não cessam de denunciar que o rei vai nu, as decisões políticas de geometria variável ou o papão do fascismo que vem aí têm servido para distrair os cidadãos das brutais contradições em que vivemos.

A táctica do pragmatismo já é velha: quando algo vai mal é criado um risco de um mal ainda maior que não existe.

É assim que as democracias vão apodrecendo, hoje como ontem.

Portugal está cheio de expedientes: a lei é ilegal, mas é justa; o gesto é arruaceiro, mas fruto de uma frustração; a prioridade é salvar vidas, mas os cidadãos são condenados à miséria; em suma, há políticos que roubam, mas fazem.

Estas soluções “criativas” estão a criar um país de ficção, de faz-de-conta e de mentira em que, dia-a-dia, os portugueses se estão a deixar enredar perigosamente.

A excepcionalidade não justifica abrir a porta ao capricho ou ao arbítrio, nem a tolerância alguma vez se pode confundir com o império da bandalheira.

Os fanáticos e os “justiceiros” não acrescentam.

Mas abafar quem, com independência, enfrenta esta “arte” de empurrar com a barriga não é uma solução de futuro.

Reconhecer os cidadãos “não-conversáveis”, como se auto-intitulou Maria José Morgado, no programa “Primeira Pessoa”, da RTP, faz cada vez mais falta neste país à deriva.