segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

E DEPOIS DA CAMPANHA ELEITORAL


É simplesmente aterrador assistir à forma como foi descurado o voto de cerca de um milhão de confinados, desde o presidente (em silêncio) até ao governo e aos deputados.

O levantamento atamancado e tardio das regras sanitárias no dia das eleições, com a bênção do Ministério Público, mas com a oposição dos médicos de saúde pública, vai ter consequências na pandemia, na política e no resultado eleitoral.

Para já, uma única certeza: com menos de uma semana de campanha, o considerável número de indecisos podem determinar a escolha dos novos 230 deputados.

Neste contexto será interessante avaliar a reposta nas urnas às prestações de cada um dos líderes, desde logo às semelhanças perturbantes entre António Costa e José Sócrates: a mesma arrogância, a mesma estratégia de medo, a mesma lógica do vale tudo.

E também aquilatar como foram recebidas as surpresas João Oliveira e Rui Tavares, a coerência de Catarina Martins, a combatividade de Francisco Rodrigues dos Santos e João Cotrim Figueiredo, a lisura de Rui Rio e o calculismo de André Ventura e Inês Sousa Real.

Se o “diabo” de Passos Coelho virou fantasma, mais importante ainda é saber qual vai ser a resposta ao “diabo” de António Costa que está aí vivo e bem rosadinho.

Será que as famílias vão renovar a confiança no partido da governação depois de verem tombar os seus por causa da Covid e da falta de assistência médica?

Será que os milhões de doentes, que não tiveram cirurgias e consultas no SNS, vão aceitar mais do mesmo?

Será que os comerciantes e os pequenos e médios empresários vão apostar na continuidade depois de assistirem impotentes à distribuição do grosso dos apoios às grandes empresas?

O povo vai expressar a sua vontade sobre a governação, a alternativa e também após a atitude presidencial de branqueamento sistemático do governo de António Costa e de precipitação descabelada de eleições antecipadas em plena pandemia Covid.

E, desta vez, os discursos pios e os “fantasmas” dos cadernos eleitorais não serão suficientes para justificar a taxa de abstenção.

Ganhe quem ganhar, nesta espécie de trapalhada democrática, será incontornável estimar o número de cidadãos de carne e osso que não votaram por medo.

Se o próximo governo tem muito para fazer pela frente, Marcelo Rebelo de Sousa tem muitas explicações a dar ao país no dia 31 de Janeiro, depois de um silêncio mais uma vez politicamente cúmplice.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

AUGE DO ESCOADOURO


As legislativas de 1 de Outubro de 1995 e de 27 de Setembro de 2009 determinaram o fim das maiorias absolutas de Aníbal Cavaco Silva e José Sócrates.

Foi o profundo cansaço com a governação de apenas um partido a falar mais alto, com os portugueses a decidirem por fim a muitos arbítrios e abusos.

Nem as presidências de Mário Soares e Jorge Sampaio foram capazes de os evitar.

No próximo dia 30 de Janeiro, a maioria absoluta parece estar tecnicamente afastada, mas a instabilidade, a limitação das liberdades individuais, o crescimento da dívida pública e a grande corrupção exigem mais cautela nos vaticínios.

Qualquer que seja a decisão colectiva, mais importante ainda é os cidadãos poderem dispor de informação verdadeira e rigorosa antes de votar.

Pelo menos aqueles que o podem fazer.

Os debates, com os líderes dos partidos políticos com assento parlamentar, ficaram aquém em variados temas decisivos para o futuro e as escolhas dos temas e respectivas abordagens dos jornalistas/moderadores foram parciais.

Na Justiça, em vez da multiplicidade de problemas existentes, tão bem elencados por Ana Gomes e Maria José Morgado, nos seus respectivos espaços de opinião, o foco principal recaiu na composição dos conselhos superiores dos magistrados.

Na Saúde, o número de vacinas e de testes, com direito a teatro, mitigaram o caos existente no SNS.

No crescimento económico, os números manipulados do governo ainda em funções marcaram as questões simplistas e a manifesta impreparação para fazer face à propaganda descarada.

Muitos outros exemplos poderiam ser elencados para atestar a escandalosa deferência com António Costa, a tradicional hostilidade a Rui Rio e a tolerância com os pequenos partidos, à excepção do Chega.

O manifesto beneficiar de António Costa, aliás, só teve travão com João Cotrim Figueiredo, o único com capacidade e elegância para o denunciar: «A pergunta está muito bem colocada, mas já enferma daquilo a que eu chamo a propaganda socialista».

Mais grave é que outros sectores – Agricultura, Ambiente, Educação, Investimento Público, Natalidade, Pobreza (sem-abrigo) e Segurança –, entre outros, ficaram por abordar.

Resta ainda uma última oportunidade no debate com a presença dos líderes do PS, PSD, Bloco de Esquerda, PCP, CDS/PP, Chega, Iniciativa Liberal, PAN e Livre.

Em vésperas de eleições, como durante os últimos seis anos, o escrutínio da governação António Costa tem sido uma farsa vergonhosa.

É um mau serviço que a comunicação social presta ao país, mais uma vez, ainda que de assinalar excepções de profissionalismo e rigor.

As estações de televisão, com critérios editoriais de uma geometria variável assustadora, não podem continuar a desinformar a seu belo prazer.

Afinal, a campanha eleitoral não é, nem nunca pode ser, o auge do escoadouro de incompetências, fretes, oportunismos e vaidades.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

DEBATES, INSTANTANEIDADE E REDES SOCIAIS



Os debates com 25 minutos têm colocado à prova os líderes partidários e a própria comunicação social.

Todavia, a tentativa de aproximação da informação tradicional à instantaneidade das redes sociais expõe ainda mais a geometria variável editorial.

Uma família vítima do caos no SNS, um comerciante derrubado pela falta de apoios em pandemia, um cidadão esmagado pela Administração podem não chegar aos debates, às primeiras páginas e ao prime time, mas nunca falta espaço nem tempo para constarem do Twitter e do Facebook.

O recurso aos canais alternativos, em vésperas das eleições antecipadas, é uma mera reacção aos critérios definidos pela “bolha” em que circulam políticos e jornalistas.

Das citações aos vídeos, da síntese à crítica, da graxa aos gritos de alarme, do servilismo à independência, a Internet continua a revolucionar a percepção dos cidadãos, mais selectivos e atentos em relação à manipulação.

A cidadania, além da participação, é cada vez mais a capacidade de identificar e rejeitar a publicidade enganosa, qual fake news, venha ela de onde vier.

A mediação jornalística, indispensável, continua a perder terreno.

E quanto mais instantânea, mais subserviente e mais parcial for a cobertura noticiosa, mais vingam os canais alternativos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

VIRAR A PÁGINA


As consequências económicas e financeiras devastadoras provocadas pela pandemia Covid deviam fazer soar todos os alarmes, designadamente no momento de ameaça e tensão militares entre a China, a Rússia e os Estados Unidos da América.

A Crimeia e Taiwan, além da energia e acesas disputas comerciais entre as super potências, são pretextos demasiados perigosos para serem escondidos.

É nestes momentos trágicos que a guerra é sempre um factor de risco acrescido, uma tentação à mercê de ditadores, assassinos e aventureiros.

As matanças pela força das armas, ou de uma qualquer guerra biológica, não podem voltar a ser a fórmula para drenar e reequilibrar as massivas transferências financeiras entre continentes.

Nunca é de mais recordar que as duas grandes guerras mundiais começaram a levedar em períodos de graves crises nas economias europeias.

Pactuar com a manutenção desta realidade escondida é um péssimo serviço público.

Entretanto, por cá, a pandemia e as eleições antecipadas concentram os principais debates e espaços informativos.

Com um presidente entretido com trocadilhos para prevenir uma eventual mudança política e um primeiro-ministro em funções que tudo faz para manter o poder pelo poder, o “nosso Portugal” é mantido alheado da gravíssima realidade internacional.

De uma forma estratégica e deliberada, os portugueses estão a ser mantidos na ignorância das consequências da escalada da tensão internacional, porque tal beneficia descaradamente António Costa e o sistema instalado.

Uma mera subida das taxas de juro de referência a nível mundial atiraria Portugal novamente para o charco ainda mais fundo da miséria e fome.

Tal como aconteceu, por exemplo, com a crise mundial de 2007/8, que atirou a ficção despesista de José Sócrates para os braços da Troika.

A menos de um mês de eleições legislativas, não é só preocupante o tradicional ilusionismo dos políticos e candidatos e de uma parte da comunicação social.

Muito mais inquietante é o governador do Banco de Portugal, que foi ministro das Finanças, vir agora a terreiro afirmar que «se 2016 foi um ano de inversão, 2022 será um ano de propulsão».

E assim se continua descarada e impunemente a virar a página.


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

NÚMERO TRÁGICO


O Estado português injectou 29,155 mil milhões de euros na banca de 2008 a 2020.

O retorno foi de 7,139 mil milhões de euros.

O saldo negativo é o número trágico de 21,836 mil milhões de euros.

Os números são do Tribunal de Contas, inscritos no “Parecer sobre a Conta Geral do Estado 2020” (página 217).

E ainda faltam os números oficiais relativos a 2021, e os 317 milhões de euros que o governo de António Costa meteu à revelia do Parlamento no Novo Banco, o grande campeão deste campeonato miserável.

No balanço de mais um ano, e em vésperas de eleições antecipadas, é extraordinário como ainda podem existir cidadãos a depositar confiança nos líderes dos últimos 13 anos.

É preciso mudar.

Desde logo, começando por varrer os governantes e os altos dirigentes que permitiram uma tal calamidade financeira.

E responsabilizando até ao último cêntimo os ladrões que roubaram um país pobre, obviamente com cumplicidades ao mais alto nível.

Entretanto, ano após ano, o país vai morrendo aos poucos, contraindo mais dívidas, a economia vai definhando e os cidadãos fazem longas filas, ao frio e à chuva, para fazer os testes que lhes permitam acautelar a sua saúde e a dos seus.

Se faltou – e falta! – dinheiro e organização para a Saúde, a Justiça e a Educação, a verdade é que nunca faltou – e não falta! – dinheiro para alimentar uma elite corrupta, gananciosa e incompetente.

A mais recente novela sobre a nacionalidade “comprada” por Roman Abramovich é apenas mais um sinal de alarme da fraqueza do Estado.

Tem valido tudo, de Isabel dos Santos, a Obiang e aos chineses, sendo agora a vez dos oligarcas russos.

Só falta coragem para assumir um “Kleptocracy Tours” ao jeito de Londres.

Portugal aparece assim disponível para disputar o lugar que o Reino Unido deixou vazio na União Europeia.

A governação nunca falhou nos braços abertos para lavar dinheiro sujo.

E o presidente, eleito e reeleito, que convive com esta impunidade, em silêncio, sorrindo, não merece qualquer tolerância.

Ao mesmo tempo, a comunicação social lá vai cumprindo o seu papel, melhor ou pior, garantindo umas migalhas, com os criados do poder a atormentar e a despedir jornalistas.

Cabe aos portugueses, no próximo dia 30 de Janeiro de 2022, dizerem se querem que a capital de Portugal passe a ser eventualmente conhecida por "Lisbongrado".

Ou por qualquer outra sigla que identifique esta politicamente cobarde “longa marcha” com o capital oriundo dos regimes mais opressivos e sanguinários do século XXI.

Feliz Ano Novo.

 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

RUI RIO E O PAÍS REAL


Depois de anos a fio a reinar à custa do agitar de bandeiras ideológicas estafadas, António Costa e sus muchachos abriram a caixa de Pandora.

A ruptura da “geringonça” trouxe à luz do dia os falhanços da governação dos últimos seis anos.

A realidade dantesca – na Saúde, Justiça e Educação, para não falar de outros sectores –, entra pela nossa casa dentro, diária e garantidamente através da CMTV, goste-se do estilo, ou não.

O rigor que Rui Rio inspirou, no discurso de encerramento do 39º congresso do PSD, corresponde ao anseio de mudança que se sente na classe média, mas também transmite medo aos mais pobres.

O risco de cometer os mesmos exageros fundamentalistas de Pedro Passos Coelho, depois da troika, é demasiado grosseiro para quem aspira ser a alternativa.

Afinal, os erros da governação são tão politicamente monstruosos que é preciso humildade para aceitar que não são possíveis de emendar, com ou sem “Bloco Central”, no tempo de uma legislatura, de quatro ou cinco anos.

O povo está embriagado com a política de propaganda, promessas e mentiras de António Costa, aliás, sustentadas pelo folclore politicamente entediante e medíocre de Marcelo Rebelo de Sousa e abençoadas por uma Igreja com uma mão na Fé e a outra no bolso.

O momento actual é ainda de ressaca – já nem a comunicação social mainstream consegue disfarçar –, não é o tempo de exibicionismos.

Quem vive remediadamente, na miséria ou abandonado não compreenderá a complacência com a subsidiação das grandes negociatas de Estado e a abertura da caça desenfreada aos desvios no RSI, nas pensões e no subsídio de desemprego.

De Rui Rio espera-se verdade, mas também coerência, mais exigência com a administração, a elite e os privilegiados do que autoritarismo com os desvalidos.

Rui Rio, que não perdeu a oportunidade para vincar a diferença com António Costa, perante os militantes do PSD, demonstrou que está preparado para enfrentar o país real.

Mas será que o eleitor comum está preparado para Rui Rio?

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

ELEFANTES NA SALA DA JUSTIÇA

 

É a hora de questionar a Justiça, ora incapaz de cumprir os seus deveres por falta de meios, ora dando exemplo de competência, celeridade e respeito pela Lei.

A detenção de João Rendeiro pelas autoridades sul-africanas, tratada como mais uma novela, não pode ser mais uma oportunidade perdida.

E as declarações pias e rançosas de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa não podem continuar a iludir os cidadãos.

Nem é preciso enaltecer a extravagância dos recentes casos Manuel Vicente e Tancos, basta ter a noção do que representou o afastamento de Joana Marques Vidal em Agosto de 2018.

As contínuas piruetas de um e do outro impressionam: umas vezes, é o apelo para confiar nas instituições; noutras, é o reconhecimento do mérito dos cidadãos que as questionam em nome da transparência e da informação.

Este zigue-zague, sem escrutínio da comunicação social, é o verdadeiro cancro, um atropelo das instituições democráticas.

Depois das fugas de Pedro Caldeira (1992), do padre Frederico (1998) e de Fátima Felgueiras (2003), o poder político e judiciário não aprenderam nada, ou melhor, preferiram continuar a viver numa penumbra pantanosa.

Os direitos individuais e a presunção de inocência não podem nunca servir para acusados e condenados poderem continuar a passear pelo Mundo, beneficiando do poder do dinheiro, tantas vezes roubado, para apresentar recursos.

E o dia-a-dia não pode ficar à mercê de circunstancialismos, avaliações casuísticas ou do profissionalismo e discricionariedade de cada uma das polícias.

Faltam critérios claros e objectivos que sejam do conhecimento geral.

José Sócrates e Ricardo Salgado passaram a ser os elefantes na sala da Justiça, tendo em conta as facilidades de mobilidade que lhes são concedidas apesar de acusados de gravíssimos crimes.

Rui Rio, com uma declaração irónica, mas grave e frontal, digna do líder do maior partido da oposição parlamentar – «O azar de João Rendeiro foi haver eleições em Janeiro» – escandalizou o mainstream, mas prestou um enorme serviço à Justiça e ao país.

A partir de agora, não restará pedra sobre pedra, antes, depois ou à beira de eleições, seja qual for o “passageiro” do Estado – Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa ou Rui Rio –, se voltar a acontecer a fuga de um poderoso, notável ou ex-político.





segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

NA ORDEM DO DIA


O espírito de missão é mil vezes invocado na hora da entrada, da permanência e da saída do poder.

A meio do caminho, não faltam as referências ao sacrifício pessoal.

E, no fim, o encargo do tráfico de influências num ambiente de tagarelice redobrada, alimentado por uma imprensa cada vez menos livre.

Foi assim, ontem, com as grandes obras públicas, os fundos europeus, as PPP’s e até os grandes eventos internacionais.

É assim, hoje, com os bancos, a defesa da aventura do hidrogénio, a exploração das minas de lítio e a construção do novo aeroporto de Lisboa a qualquer preço.

Não é por acaso que o “Bloco Central” ressurgiu.

Tem valido tudo para servir a propaganda do “somos os maiores”, mas em relação à corrupção e às offshoresLuandaLeaks, LuxLeaks, Panama Papers, Pandora Papers, SwissLeaks, WikiLeaks – só restam boas intenções há décadas.

Aliás, até apregoam que estamos na linha da frente mundial nas energias renováveis, mas não há sinal de igual ambição no SNS.

Não faltam outros exemplos, desde a Educação à Justiça, sem esquecer o atropelo às liberdades individuais.

As decisões institucionais e públicas atendem mais depressa os grandes interesses do que resolvem os problemas do dia-a-dia dos cidadãos.

O Estado está capturado por todo o tipo de interesses, incluindo os criminosos, sendo cada vez mais um espaço de intermediação de lucros e comissões do que de defesa do interesse público.

E não hesita em perseguir quem revela os seus abusos de poder e monumentais roubos – Julian Assange e Edward Snowden, entre outros.

O Papa protesta, a igreja lava as mãos e os servidores da causa pública alimentam mais folclore.

Os cidadãos indefesos, que mal conseguem manter a saúde e sobreviver, até têm agora de enfrentar a politicamente insolente ameaça velada de obrigatoriedade de uma vacina que ainda levanta dúvidas.

Na ordem do dia está o próximo acto eleitoral.

É mais do que escolher 230 deputados, é mais uma oportunidade para aliviar o país de tantos e tantos servidores públicos, que pouco ou nada fizeram e fazem, e eleger quem seja capaz de combater a farsa que nos tem atirado para a miséria.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

RIO DE TACHOS

 

O reconfirmado líder do PSD deve a vitória, ainda que à tangente, ao conhecimento ímpar dos militantes do partido em que milita desde os 18 anos.

Seguramente, não é por acaso que, no discurso de vitória, Rui Rio escolheu brindar os seus adversários com uma pérola: «Aqueles que são os dirigentes do partido, nas distritais e nas concelhias, têm de se ligar mais aos militantes».

Ora, o que deu a vitória a Rui Rio não foi a revolta das bases, mas o tradicional instinto de sobrevivência de quem pertence a um partido habituado a estar sentado à mesa do poder.

A escolha era linear: de um lado, ganhando ou perdendo nas eleições de 30 de Janeiro, a garantia de poder alavancar as benesses do poder; do outro, o abismo de uma travessia do deserto, face à enorme probabilidade do PSD não alcançar uma maioria absoluta.

Paulo Rangel e os seus estrategas de gabinete subestimaram os interesses mais prosaicos da militância partidária.

Rui Rio, mais básico, limitou-se a explorar a natureza partidária, com a aposta no discurso do desprendimento e do camuflado, confundindo a teimosia com a densidade da convicção.

Com o presidente e o primeiro-ministro desgastados e desacreditados, o apodrecimento da crise fez o resto.

Contra tudo e todos, sem esquecer Marcelo Rebelo de Sousa, Aníbal Cavaco Silva e a maioria da imprensa, Rui Rio ganhou precisamente pela razão mais mesquinha em política: o tachismo.

O estilo desafiador de Paulo Rangel, aliás na linha mais radical do “passismo”, ainda não colhe no país de Rui Rio, em que a “vidinha” mais ordena.

Para já, o PSD ficou a ganhar, ainda que dividido ao meio pelo estilo na oposição.

É um recado de monta para o líder.

Ponto final, parágrafo.

Vamos mudar de capítulo?

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

NEM MAIS TRANSPARÊNCIA, NEM MENOS VERGONHA


Não fora a investigação liderada pelo juiz Carlos Alexandre, provavelmente nada se saberia sobre mais um escândalo em Portugal e na ONU.

Desde 10 de Março de 2020 até 8 de Novembro de 2021, nem uma palavra da organização internacional sobre os abusos perpetrados em nome da paz, perdão, dos diamantes.

Apenas um lacónico comunicado que transparece surpresa e, obviamente, promessa de disponibilidade para cooperar na investigação da Justiça portuguesa, mas sem confirmar a abertura de um inquérito.

O silêncio de 20 meses da ONU, em relação ao caso dos diamantes nas Forças Armadas em missão na República Centro Africana, pode indignar, mas não surpreende.

Nem mesmo a denúncia de António Silva Ribeiro, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que exibiu a carta enviada à ONU na audição parlamentar do passado dia 19, mudou o curso dos acontecimentos ou mereceu qualquer comentário oficial adicional.

Tal como muitos dos seus antecessores, António Guterres, secretário-geral da ONU, não mudou o paradigma: nem mais transparência, nem menos vergonha.

Afinal, o historial de escândalos já vem de longe.

E nem a última demissão de Anders Gunnar Kompass, diplomata sueco, em 2016, mudou o que quer que seja na tradicional política de encobrimento de todo o tipo de abusos.

Em Portugal, além das historietas oficiais sobre o caso dos diamantes, que mais parecem mentiras infantis, estão reunidas as condições para tudo ficar enredado nas malhas do tempo da Justiça à portuguesa.

E, no caso dos diamantes, o envolvimento cumulativo das Forças Armadas portuguesas e de angolanos ainda torna mais difícil qualquer esperança numa atitude de Estado, digna e limpa.

Já sabíamos, de acordo com a percepção dos portugueses, que há uma Justiça para ricos e outra para pobres.

No país de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa é mesmo assim, como já provaram outros casos – Manuel Vicente, Ricardo Salgado e ainda José Sócrates passados sete anos da sua prisão preventiva.

Resta saber se é admissível que o presidente, nas suas declarações oficiais, de modo hábil, implícito e quase sub-reptício, continue a sugerir um perímetro para tentar condicionar a Justiça, das razões de Estado ao prestígio das Forças Armadas.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

BLÁ, BLÁ, BLÁ

 

A COP26 finou.

E com ela desapareceram as esperanças na protecção ambiental.

Obviamente, todos estiveram de acordo em reconhecer os relatórios científicos do IPCC (Painel Intergovernamental para a Alterações Climáticas).

E não faltaram palavras: “alarme”, “extrema preocupação” e “urgência”.

Mas, no que realmente importa – eliminação gradual dos subsídios ao carvão e aos combustíveis fósseis –, tudo ficou pela «intensificação dos esforços».

Entretanto, a admissão que os países ricos não cumpriram a promessa de mobilizar cem mil milhões de dólares por ano até 2020 para ajudar as nações mais subdesenvolvidas e pobres a lidar com as alterações climáticas.

E, claro, a cimeira de Glasgow não deixou de expressar o «profundo pesar» por tal falhanço, adiando o compromisso para 2025.

Blá, blá, blá.

Foi assim que Greta Thunberg resumiu o “Pacto Climático de Glasgow”.

Basta abrir o Twitter e o Facebook para perceber que também é assim que os mais jovens vêem as sucessivas promessas do poder político.

As subtilezas diplomáticas e as habilidades semânticas, outrora dominantes à boleia da comunicação social mainstream, já não colhem.

A verdade está na rua.

Hoje, os equilíbrios são outros, uma realidade que os protagonistas dos Estados mais ricos ainda não perceberam.

Até aderir a uma rede social do século XXI.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

GRANDE CAMBALHOTA

 

No dia em que anunciou a data das eleições antecipadas, Marcelo Rebelo de Sousa assinou um discurso confuso e contraditório.     

A ameaça precipitada, descabida e reiterada de dissolução ainda antes do fim do jogo parlamentar, quando há um ano jurava que a hipótese era uma mera «ficção», só poderia ter sido explicada com um milagre.

Basta recordar o que Marcelo Rebelo de Sousa disse em Agosto de 2020, como oportunamente recordou Francisco Louçã, para ter uma ideia da perversidade política em curso.

O que mudou?

1) António Costa a braços com uma crise no governo e a crescente contestação social, bem como a ocasião perfeita para diabolizar o Bloco de Esquerda e o PCP;

2) A brecha para vingar o «ódio a Rui Rio», como bem sublinhou Isabel Meirelles, com PSD e CDS/PP esfrangalhados;

3) Estancar qualquer possibilidade de viabilização de medidas orçamentais que desagradavam aos patrões.

Em síntese, Marcelo Rebelo de Sousa fez objectivamente três fretes políticos: ao primeiro-ministro, a Paulo Rangel e aos patrões.

Um último lifting, uma exibição de autoritarismo político para compensar seis anos de submissão em Belém.

O tom da campanha eleitoral e os resultados das eleições antecipadas, sem esquecer a abstenção, ditarão o futuro de um presidente que tudo sacrificou para satisfazer a sua ânsia de protagonismo.

E depois da grande cambalhota, sempre a sorrir, obviamente com o interesse nacional na boca e desgraçadamente a responsabilidade no bolso, só falta ao presidente impor a “regra de regime”, a reinvenção do “Bloco Central” sustentada na comparação, pasme-se, com a realidade alemã.