Rui Costa Pinto
As dispendiosas comemorações do jubileu de platina de Isabel II e a exuberância da mostra do tesouro real português são apenas mais dois exemplos que chocam com os números avassaladores da fome.
E o argumento do retorno financeiro não colhe, porque a vida humana não tem preço, tanto mais que investir em pessoas é sempre mais compensatório do que apostar em imagens e objectos.
Há 48 anos, no dia 25 de Abril, às 16:30, Marcelo Caetano anunciou a rendição.
Desde então, a conquista da liberdade permitiu sonhos, pesadelos, esperança e desilusão.
Hoje, mais uma vez, palavras e cerimónias consagram o fundamental, mas continuam a cair na ratoeira do branqueamento.
Os elogios das instituições, sempre justos e oportunos, perdem uma parte significativa da sua credibilidade, porque se persiste em omitir o abuso, a corrupção e a mentira.
Hoje, na Assembleia da República, o funcionário que sucumbiu ao cansaço e as vaias aos mais altos dignatários podem ter sido tão-só simbólicos, mas assumem a dimensão de uma realidade existente que não merece mais um virar a página.
Entre todos os discursos – quem diria! – Bernardo Blanco escapou à banalidade.
Nesta precisa hora, 48 anos depois, um jovem deputado lembrou o mais importante: o inconformismo da cidadania.
Entre o país que não quis saber e o país que quer saber, é a Iniciativa Liberal que chama a atenção para as teias de aranha que continuam a condicionar e a limitar o regime democrático.
A tendência de radicalização continua a ser desvalorizada pelos senhores do poder, porque continuam a acreditar que, à última da hora, o colectivo adiará uma hecatombe política e social.
Os 45,1% obtidos por Marine Le Pen (23,15%) e Jean-Luc Mélenchon (21,95%) na primeira volta das presidenciais francesas deviam fazer soar todos os alarmes.
Mais grave ainda é o resultado de 57,8% alcançados entre os franceses com 25-34 anos: Marine (30%) e Mélenchon (27,8%), atirando Macron (19,3%) para um terreno pantanoso.
A realidade revela que o voto útil – ou o mal menor – já não é suficiente para manter o establishment.
O cansaço da juventude francesa e a incógnita da abstenção deixam tudo em aberto para a segunda volta.
A hipótese de vitória de Marine Le Pen está em cima da mesa, ameaçando um retrocesso de décadas, tal e qual como a agressão e a invasão da Ucrânia pelas forças russas.
Os franceses identificam Macron com o grande capital e Marine com os desfavorecidos, pois é cada vez mais difícil governar com a boca nos pobres e a mão no bolso.
Enquanto o centrão político continua a negar uma profunda reforma financeira, económica e social a nível global, Marine Le Pen está hoje mais perto do Eliseu do que em 2017.
Vladimir Putin está à beira de conseguir nas urnas francesas o que ainda não conseguiu – para já! – pela força das armas.
A tentativa de resumir a Guerra na Europa
a um conflito entre a Rússia e a Ucrânia é uma desonestidade factual monstruosa.
É uma armadilha semântica em que políticos
e comentadores intelectualmente honestos, sejam de esquerda ou de direita, não
podem cair.
A verdade é que estamos perante um
agressor e invasor (Rússia) e um agredido (Ucrânia), como reconhecem todas as entidades
internacionais, desde 24 de Fevereiro passado.
De facto, há uma certa esquerda falida que tenta branquear o carniceiro, até veiculando imagens de origem duvidosa dos crimes – pasme-se! – ucranianos.
Este truque, abjecto, faz parte de um movimento tão velho quanto amplo, sempre travestido de preocupações com a paz mundial, que apenas visa consolidar o que ilegalmente foi conquistado pela brutalidade das armas.
Já o
conhecemos há muito tempo, basta lembrar aqueles que sempre defenderam a União
Soviética, mesmo depois de Budapeste (1956) e de Praga (1968).
Hoje, ainda vão mais longe no cinismo político, insistindo em defender a Rússia, mesmo depois da invasão da Crimeia (2014) e dos massacres de Alepo (2016), agora repetidos em Borodyanka, Bucha e Mariupol.
Curiosamente, estes algozes da Democracia, que andam sempre com os direitos humanos na boca, tombam nas contradições de um frentismo avençado.
Depois do alinhamento de Viktor Orban com Vladimir Putin, o financiamento russo da extrema-direita de Marine Le Pen, entre outros, é sumariamente atirado para debaixo do tapete.
O resultado da primeira volta das eleições presidenciais francesas é mais um alerta ao establishment que não pode ser ignorado.
A
perspectiva de ter um fantoche de Putin e dos seus apaniguados a liderar a França
é tão ameaçadora como fechar os olhos aos crimes de guerra de Putin e do seu
exército na Ucrânia.
Fernando Rocha Andrade, em 2017, ordenou um inquérito à Inspecção-geral de Finanças (IGF) para apurar o mais escandaloso “apagão fiscal” de ...